29 de setembro de 2010

Preferência



Eu prefiro que você me olhe assim:
Como uma Polaroid que resistiu ao tempo.
E não negue sua forma de ver.
E não se perca na escuridão à procura da luz perfeita.

Eu prefiro que você me diga sim,
Mas não estou disposto a negar o seu silêncio.
Jamais substituiria a voz que o destino calou,
Quando você se deu conta
De que não ouvi-la faz tremenda falta.


Eu prefiro seus versos simples e improvisados que,
Há anos, alegorizam as ideias migrantes de nossos anseios.

Eu prefiro que o Brás inteiro ouça seu click de imperfeita sorte
A ficar esperando a imagem perfeita,
Relutante ao azar, o qual tantos correm por medo.
Mesmo que sejam palavras em ruínas,
Não as trocaria por flash algum que nos enganasse de luz inexistente.

Eu prefiro sua amizade livre - a resistência à captura -
À moldura e fotografia do passado,
Que entre caixas ou páginas, perdida continua
E não deixa viver o que o tempo esqueceu de congelar:
Morrer é fração de segundos.


Imagem: Gil Rocha

23 de setembro de 2010

Cefaleia

Foram 24h de ansiedade e sofrimento. Vieram dores de cabeça e pelo corpo, que não senti igual em 28 anos de vida. Para saná-las, analgésicos, chá de boldo, muita água e medo de alimentar-me com comida sobrecarregada. Não era físico o meu problema, era simplesmente emocional.
Hoje, terei uma viagem que dirá o próximo passo do meu destino (por isso a ansiedade). Não que seja crucial o começo, mas a perspectiva de mudança, que tem teores profissionais e afetivos, dita comportamento e reações nervosas que me confundem até o entedimento acumulado sobre mim mesmo.
Aqui, nesta cidade, nos últimos dias, estou tendo aborrecimentos filantrópicos desnecessários. Minha vocação altruísta se esgotou para com gente que tem mais recursos de sobrevivência do que minha falta crescente de paciência. Eu insistia em ver bondade em pessoas que sei que carregam, no âmago, uma cápsula do amor, porém elas se entorpecem de fúria e simpatomiméticos de desajustes, puxando-me cada vez mais ao abismo onde, longe do seio materno, qualquer iminência de escavação, para mim, é apavorante.
Não adianta mais o medo. Não adianta coragem coletiva para uma mão só que puxa para tirá-los. Descobri que a força a qual recebi em palavras e atitudes mínimas é menor do que a perturbação reticente dessa legião enfurecida. E meu gosto avulso pela expressão absoluta da clareza não condiz com esse silêncio, esse grito excluído, essa ciência de absurdos, esse ar oculto de esconder-se em seus próprios enredos e pontuar o fim com um pedido desvalorizado de desculpas.

Pegaram um ventilador na potência máxima e jogaram todo intuito de sedução, sob o discurso do amor louco. Que amor é esse que só fere? Acredito nas dores consequentes do Eros gritante, mas nenhuma permuta cicatrizante fechou a marca exposta da minha ferida complexa.
Então, em 24h, contadinhas de relógio, eu feneci, eu me aliviei; o letárgico incorporou a palavra de perdão, vazia. Eu me machuquei. E desculpei. Tentei outra vez e mais uma vez disse 'não mais'.
Hoje, preciso ver as possibilidades de uma mudança interna e sair da rota da tecla batida diversas vezes - e imperdoável. Eu cuspirei todos os dias para cima, ainda que seja para ficar, dia após dia, desviando da lei da gravidade?
As dores de cabeça permissíveis são aquelas que depois de sanadas não retornam mais.

17 de setembro de 2010

A verdade

A verdade é uma só. Ela não precisa de disfarces nem facetas, porque o único intuito dela é ser ela mesma, e por isso reina, sem absolutez, porque é despretensiosa. A mentira é quem se apresenta de diversas formas, porque ela tem inveja de ser verdade e faz de tudo para se parecer com ela. No entanto, ninguém reina, tentando ocupar o lugar do outro por muito tempo. Uma hora, a semelhança é descoberta pela veracidade, ou a própria mentira, que é dissimulada, não se sustenta com identidade falsa (confunde-se).
Semana passada eu disse algumas verdades que precisavam ser escutadas. Minha familia veio me visitar em Campinas, porque a saudade já prorrogava, cansada, o tempo de se manter ausente do lado a lado. Houve drama. Eu estava empregado irregularmente num estabelecimento que não fazia de mim um sonhador, apenas supria o cotidiano de obrigação e necessidades triviais: comer, transitar, ser, com um pouco de dignidade. E no ápice da falta de dignidade, percebida de antemão, mas levada à parcimônia por acreditar que um dia tudo se ajeita, pedi minha demissão. Foram-me podados os direitos trabalhistas mínimos. Eu não exigi regalias, apenas o que foi estabelecido em convenções muito antes de estar nascido. Eu não quis me vingar; poderia aproveitar meus espaços de reinvindicação e liberdade, publicando meus desafetos profissionais, mas é muito pouco ainda para uma revanche proletária. Não iria ficar bonito, também, cometer terrorismo literário por um passado na vida onde a busca de respeito e credibilidade foi desrespeitada: algo que me importa esquecer ou apenas desclassificar no rol da lembrança, em nível mínimo de estrelas. Quem tiver de ser estrela, nascer para isso, terá seu brilho percebido mais cedo ou mais tarde. Quero eu ser estrela? Sei lá. Quero apenas constar na constelação dos meus sonhos. A minha cabeça sabe bem separar o real do universo criativo e me fazer sentir mais vivo do que estrelas mortas que têm seu brilho visto por nós mesmo depois de seu tempo vivo.
A semana de choques emocionais e térmicos, de tempo seco e cruel, de despedidas, encerramentos e abertura para novos projetos, com semeadura depois de colheita de frutos bons e maus, passou. Quando a sala de embarque de Viracopos testemunhou o amor que lágrimas corridas expressaram os próximos dias de saudade, o acúmulo de fatores meteorológicos e emocionais me legaram gripe, e minha mãe partiu com o multiplicado vírus, que invadiu tanto meu organismo quanto o dela: adoecemos no mesmo dia.
Eu jamais omitiria a minha fraqueza orgânica, porque tudo o que valha toda importância para alimentar de luz minha pequena (ou grande) estrela terá de ser real e pública, não podendo ser apenas semelhança. Minha meta-mor é a verdade, ante às aparências do cotidiano.


Imagem: por René Magritte (reprodução capturada da web)

3 de setembro de 2010

Folk setembro

Não é porque passam três viaturas da polícia em frente à minha casa que começo a pensar em desgraça. No entanto, a tragédia está presente de segunda à sexta-feira e eu só reparo no balanço no fim de semana. A semana não é uma tragédia para quem espera a família que aterriza, no sábado, enquanto estarei sentado numa carteira escolar, estudando a primazia das Artes Visuais. Não se tem, mesmo tempo para tudo, tampouco para se perder, reparando nas tragédias, sem a mínima possibilidade de solução para ela.
Cinco dias de ansiedade, enquanto os fatos ocorriam de maneira aleatória: um sorriso de agradecimento, um puxão de orelha, umas palavras de discórdia, um verdadeiro 'bom dia' e sucessivos horrores calorentos e temperatura de ar condicionado aos 18 graus celsius. É força que nunca seca, paliativa, para aliviar esse suor que escorreu - não foi em vão -, mas sem reconhecimento a curto prazo. Quanto tempo a mais preciso sorrir depois de vinte e tantos anos?
Em cinco dias, fui violento, esnobe, sarcástico, temeroso porque quiseram me assaltar. O que mais querem de mim levar? Não vou comprar briga, porque poupar, enfiar o pouco que se tem no bolso para depois tirar da cartola será oportuno, como matar dois coelhos numa só cajadada, ainda que a morte não seja necessária em face ao deslumbre da vida. Eu recomeço, termino, pinto para dar uma repaginada, em nome da vida, porque ela é preciosa. Quem não tem seus problemas muitos? E pouco mililitro que possa transbordar é desperdício para quem está com sede.
Aí, eu poderia pensar na Etiópia, no Sertão alagoano, na fadinha do tule branco - fantasia morta que não alimenta quem passou da primeira década de vida -, do olhar torto, do policial, cumprindo sua missão, impondo violência para coagi-la... Está tudo errado? Não; apenas muita coisa está errada. Essa quantidade calamitosa pode tirar o sono, entre os bocejos próximos à meia-note: o que menos quereria. Bem-quista semana que só acaba, amanhã. Defino seu fim, hoje, ousando alterar calendário de status quo, para fazer valer um bom começo: mãe e irmã bem-vindas a meu universo campineiro, para nascer a semana que desejo para o resto dos meus dias!

Imagem: Caputurada do portal Comvest/Unicamp