31 de março de 2011

Pra sempre, de novo


Arranca meu coração;
Puxa para fora deste lugar inóspito,
Onde alecrins mofados danificam o bom cheiro,
Onde o tons de preto encobrem a alvura, a leveza.
Refaz, a seu modo, o nosso modelo de reconstruir.

Grita comigo na sudez gélida do meu desapego.
Chacoalha o desgosto que meu rosto transporta
Em caminhos ardidos de fogo de palha.
Encendeia todos os inflamáveis destinos que não quero seguir.
Retifica minha inexatidão, meu ir e vir indecisos.

Decide por mim quando eu tiver dúvida.
Tens o aval da visão no dia em que eu acordar cego,
Preocupado com todo tempo do mundo,
Ressabiando dos mortos,
Daquele cardicídio.

Interpreta meus olhos marejados, ressabiados.
Eu não quero mais chorar em vão.
E, de antemão, desfaz aquelas verdades primeiras,
Do segredo que meu olhar não esconde,
Do vazio que o quarto reclama nas horas vagas,
Do dia em que eu não te vejo
E me torno outro tipo de cego.

Espera, mas faz a hora acontecer à espera.
Aconteça o que acontecer,
Não sejamos redundantes de nossos medos
De esquecer tudo para dia de luto:
Impossível que na vida não enterremos mortos.

E quando for a hora do verbo amar ser dito,
Resposta não faz sentido,
Posto que pergunta não existe...
Quem interroga lhe falta certeza.
Estou certo de que amar
É ver o coração em seu fiel abrigo:
Um bom - pode ser novo - cheiro,
Um tom - pode ser bom - mais claro,
E - é claro - nosso bom e novo
Pra sempre, de novo.

Imagem capturada 'There is always hope', de Banksy

15 de março de 2011

Pessoa física e pessoa jurídica

Quero expediente e horas extras com você.
Quero exatamente minhas horas vagas e minhas folgas...
Quero lhe dar trabalho e afeto.
Exijo apenas meu registro no seu peito.
Eu sou suspeito a condenar o desemprego,
Porque você me ocupa até quando estou ocupado.
E que ainda haja você no meu ócio.

4 de março de 2011

Aderência nordestina

Um homem não disfarça seus laços eternos,
Internos e leva para onde for.
Desde pequeno, o desagrado ensina;
Sina, e não foge do seu destino.

Desde menino, Nordeste -
Vive em mim -
Um passo a cada dia;
Eu cultuei suas nuanças mais heterodoxas:
Repeli o vulgar saboroso com acordes de sanfona
Para evidenciar o árido na alma
Condutor do calor que trago à terra fria.

Não há esforço em entender-me?
Não culpo as cautelas nem vossa assepsia.
Eu não carrego nunca uma bandeira
Porque queira ou não queira
Eu já tenho muito pano pra manga.

Então vou me lembrar dos cajus,
Dos dezembros cajueiros,
Da Batalha que estive,
Seu leite em declive;
Política que mais lembrava
A mordenização de um cangaço.

Eu tenho laço -
Sou da capital.
Eu tenho sangue.
Não grito um sobrenome estrangeiro
Porque sou nordestino, brasileiro,
Sou dos que choram mais que a metade
Em aderência por inteiro.
Pontuo assim (e apenas)
Meu nome.


3 de março de 2011

O começo dos meus 'Queer Studies'


(…) mas há um investimento em transformar a expressão do olhar, tornando-o menos objetivo, mais confuso e perdido, mais delicado, quase inocente e indefeso.” Clarice Lispector


O termo eonismo é específica referência ao travestismo masculino. Travestir-se é adotar referências físicas e hábitos comuns ao do sexo oposto. Questões de gêneros sempre estão em evidência nas diversas plataformas da comunicação, seja pelo âmbito social – são vários os fatores, destacando-se a cidadania para evidenciá-los -, seja pelo contundência temática de sua estética que sempre requer um olhar diferenciado para algo que, por tantos, é visto como doença, anomalia ou qualquer outro substantivo pejorativo. O olhar do cineasta paraibano André da Costa Pinto foi no alvo certo da diferença supracitada, ao documentar a realidade de duas personagens reais que poderiam constar como mais uma dupla da vertente humorística ou penosa que a dramaturgia cinematográfica costumeiramente reproduz. Temas subversivos como o travestismo já ocuparam um longo rol nas produções audiovisuais por extensa data. Pode-se citar Andy Warhol, com seu Mário Banana, ou a produção australiana Priscilla - A Rainha do Deserto, cujo sucesso foi explosivo na década de 1990. As drag queens parecem ser ingrediente para polêmica e sucesso quando se queira levar à tona na ficção pessoas que, por qualquer de seus motivos, vistam-se da forma permissível tranquilamente ao sexo oposto. Tirando de cena a discussão do fetichismo, da necessidade eventual de uma mudança de padrão ou qualquer outro quebra banal da hegemonia, trataei aqui de um documentário curta-metragem que traz o relato da vida de dois travestis nordestinos que optaram pelo travestismo como identidade para o cotidiano, e cada qual com sua maneira de viver e sobreviver com essa relação de mudança de paradigma, para viver.

Artur Maculino Gomes e Hernando Porfírio da Silva

Barra de São Miguel, cidade de aproximadamente 6 mil habitantes, no Cariri paraibano, dois homens não satisfeitos com a condição natal do sexo masculino, resolvem mudar, exteriormente, a forma como se apresentam ao mundo, por se julgarem com mente feminina, depois de conhecerem sua natureza tão íntima, numa convivência de 24h diárias. Artur, hoje se chama Amanda, professor de história na rede pública de sua cidade. Hernando, prostitui-se na cidade de Santa Cruz do Capibaribe – PE, sob a nova identidade de Monick. Histórias que se assemelham quanto à descoberta de uma anormalidade social, em uma cidade tão pequena onde nasceram, mas que toma rumos diferentes na condição social da mentalidade globalizada, quase sempre obrigando todos a se apresentarem por suas respectivas profissões. O documentário apresenta fatos da vida de cada uma das personagens que são inusitadas até para cidades mais cosmopolitas, perpetuando valores como família, religião, respeito, convivência harmoniosa, tão natural para seres humanos em condições, digamos, mais normativas. No caminho onde se cruzam duas histórias é possível enxergar suas separações. Realmente, nenhuma pessoa no mundo é parecida, mesmo quando se trata de dois casos estereotipados como os das travestis paraibanas. Amanda pode ser conhecida como uma pessoa que tem o apoio familiar, já que seu pai a acompanha e nos minutos finais do filme, ele depõe o seu amor para com o filho. Já Monick não registra nenhum comentário sobre sua família (pai, mãe e outros parentes mais próximos), além de sua companheira, que dele, espera um filho.

Imagem travestidas

André da Costa Pinto usa imagens de forma a aproximar o espectador como quem permite intimidade com aquelas vidas relatadas. Geralmente a câmera não está em movimento, este sim é dado pelas pessoas e não pela câmera. A relação de intimidade com a cena é dada com meio primeiro plano e close. A maior parte das cenas estão nesses dois enquadramentos. Os depoimentos coletados no vídeo prendem pela emoção o expectador, sobretudo pelo abuso de closes em Amanda e Monick. Nos depoimentos mais significativos, a exemplo dos alunos de Artur (Amanda), são em meio primeiro plano, quando esses narram a experiência de ter um professor travesti. No caso de Monick, a única pessoa que depõe sobre ela é sua companheira Nilda, uma lésbica que está esperando um fillho dela e relata o frenesi da população ao saber que (palavras dela) uma sapatão e um viado serão pais de uma criança. Em Nilda, o diretor explora o plano médio. Os enquadramentos causam uma sensação de familiaridade com todos os personagens envolvidos no documentário, porque quem assiste a ele, não se prende muito a detalhes que vão além dos meneios de cabeça e palavras de cada depoente. Algumas cenas têm plano americano ou grande plano geral, para dar contextualização ao lugar onde aquelas histórias ocorrem. Nesse caso, são cenas onde se mostram o cotidiano das duas personagens em suas funções laborais: Amanda, em sala de aula, lecionando; Monick, na praça onde se prostitui. O enquadramento curioso, no começo do filme, quando os personagens começam a falar de sua apresentação como travesti, é o cenário. Quando Amanda fala, há por trás dela um quadro que remete uma caricatura dela. No caso de Monick, há um espelho por trás, contornado com cabeça de bonecas, que remetem o lado mais caricato do travesti, associado à maquiagem exagerada dessa personagem. No início do filme, o diretor também explora a atitude feminina das personagens, ao relacionar uma à outra, maquiando-se, pondo suas vestes femininas para, então, após saírem de casa, as duas se encontram numa rua de calçamento de pedra, e são diferenciadas pelos calçados que usam. O final do filme, tem a deixa do pai de Amanda, tendo citação transcrita em texto (com conotação moral) e logo após as duas seguem pela rua que parece ser a mesma onde se encontram na cena do começo do documentário.

Que travestismo é esse?

O documentário não tem narrador, toda história é narrada pelos personagens e esses são os responsáveis no que dizem a transmitir o conceito de travestismo na vida de duas personagens. A produção impressiona pelo nível de humanização e como relata a normalidade que personagens tão marginalizados têm na sociedade: possuem dignidade contundente
.


Para quem se interessar mais:

PINTO, André da Costa. Amanda e Monick. Documentário-DVD. Produção e direção de André da Costa Pinto. Brasil, 2007. 19 min, colorido, som. Disponível em http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=9475 acessado em 21 de novembro de 2010.

Imagem: capturada de Festival Brasil No Ar