23 de setembro de 2011

Denominação

Sempre tive a intenção de procurar nos mortos o sentido de estar vivo, Como objeção. Se eu fosse procurar nos vivos tal razão de ser, talvez me decepcionasse mais com as categorias de vida que se generalizam. Pensava muitas vezes na idade, a importância de contar números, e quantos se foram em não sei qual tempo de pó. Os mortos me causavam fascínio porque, na melhor expectativa de vida, sempre me diziam que Deus os chamou. Deus vive chamando, então. Puxa pelo braço, pela perna, pelo estômago? Chama pelo nome. "Caio, venha." "Vem cá, Sandra." "Está na hora de vir, Agenor." Um dia desses, não faz tempo, ninguém ouviu, mas ele disse "Eunice, vem agora." 
Olhando para aquelas lápides, só os nomes me deixavam intrigado. Eram muitos. Precisava ler, para imaginar aquela voz que chamou, porque eu nunca ouvi. E aquele silêncio no nome, não havia sequer um sussurro em lugar algum que eu tivesse a certeza de quem Deus chama. Mas é o que dizem.
Acredito que o temor a Deus - porque justo é - ora há muita gente a desobedecer a vida inteira, então quando o escuta chamar, decida obedecer. E se vai. São perfeitas decisões, quase pactos, o que chama, e o que é chamado o atende. 
As religiões talvez sejam porta-vozes desse chamado, uma antessala para dar o nome e esperar na fila. As pessoas religiosas poderiam ser educadas assim, sempre: esperar ser chamadas. Ficar esperando sem incomodar quem faz a hora. Suponho que a educação é mais plausível que a obediência. Eu desejaria, deveras, que todos  bem educados fossem. Mas me deixa muito curioso esse tratamento personalizado que a vida, supostamente, dá no seu fim. Olha que incrível: lembrou do meu nome! Tanta gente esquece. 
Há ainda muita gente buscando nome bonito para dar ao seu filho, porque há nomes ridículos e a pessoa se envergonha quando a recepcionista chama no médico ou o professor sinaliza quando faz a chamada. Se eu tivesse um filho, pensaria a gestação inteira num nome bem lindo para chamá-lo. Quando o chamasse ao paraíso, ele nem se envergonharia no último instante de vida terrena. 
Olha, mas é tudo suposição e devoção circunstancial, nunca ouvi Deus me chamar. Ah, mas eu me envergonho, não do meu nome, mas dessa galera viva que poderia atender pelo anonimato. Algumas vezes eu sou anônimo. Algumas vezes meu nome encanta. Acho que o tempo pode equilibrar meu momento certificado desde o nascimento e a vergonha que causo a mim mesmo, denominado indigente. Quiçá esteja tudo equilibrado por ora e no momento que pender para minha identidade, uns quilos a mais - ou a menos -, Deus me chamará. A boa notícia é que ouvirei. A má notícia é que isso é apenas uma suposição.

Imagem: Portal Barueri

11 de setembro de 2011

Quanto tempo tenho


E se meu pai estivesse morto? Com ele tenho sonhado pouco, tenho falado pouco, pouco sabido de tudo. Nem a metade. - Alô, como vai, pai? - eu sempre tomo iniciativa para saber como anda aquele homem que agora já tem 60 anos, quase o dobro da minha idade. Ele me informou, com a voz tão mais tranquila, que o convênio médico autorizara seu procedimento cardiovascular. Aquela voz do outro lado da linha me trazia uma metáfora positiva, como quem dizia: "eu estou vivo e ficarei bem." Mas não era nada grave. Era o mais urgente, melhor. E eu como estou? Digo-lhe, pai, estou bem. Bem genérico.
E se minha mãe estivesse aqui em minha casa? Tenho falado todos os dias, ultimamente, para lhe dar certeza de que, realmente, estou bem. Ela se preocupa toda hora. É uma preocupação contínua. A pessoa que mais se preocupa comigo e que demonstra isso sempre que pode.
Estar bem é uma questão muito subjetiva. Devo explicar pormenores. Em pormenores, aliás, devo explicar cada pormenor; por maior que seja meu intuito de dizer que bem estou, falho.
A dinâmica familiar sempre foi um impulso vivo. Como é permanente esse olhar atrás só para saber que lá ficaram os que sempre à frente trago nos meus caminhos sob qualquer perspectiva angular. O mapa diz que estou embaixo. Pais, em cima. Questão referencial. Esses conceitos, blá, blá, blá...
No entanto, em cima de mim estão pedras pesadas. Eu tenho de quebrá-las no sonho. Acordo, vivo, para quebrar as do caminho. No trabalho, manufatura metafórica, pedrinhas, quase grãos confeccionados para soprá-los bem longe, espalhá-los pelo estado de angústia, e deixar que essa poeira se encarregue de carregar o vento ou que ambos desejem trabalhar em conjunto e daqui distar. Um sopro de paz, meu Deus! Um vendaval milagroso, com rajadas agressivas... É, já não sou mais crente.
Hesito em ver o caos, ainda que eu veja tudo muito turvo sempre. Mas não vou me enganar em ver as linhas paradisíacas que costumam cantar nesses festivais de estética temporária. O bonito há muito não me convence. Ele sempre tarda, atrasado e, quando chega, perecível, apodrece. Data limite. Tempo contado. Um dinossauro, indivíduo que jura, jurássico, conhecer tudo e determinar desfechos. Bonito descartável no tempo exato. Quanto tempo? Não sei quanto tempo tenho para ficar me preocupando comigo e com essa beleza que acaba.