31 de dezembro de 2012

Ensaio sobre a doçura


Este ano, que se encerra daqui a algumas horas, tem seu último dia recheado das mensagens mais diversas, sobretudo as que de esperança prevalecem à crença de um porvir muito melhor do que os dias atrás contados.
Tem gente que reclama, que clama por tantos sentimentos em falta, que silencia para escutar o que os outros querem, à preguiça a ver nesse rol de desejos humanos o que puxar pra si e dizer que já tem o que esperar.
Achei 2012 um ano muito filho da puta, meu ano vulgar, bem baixo calão, mesmo. Mas antes de sê-lo para comigo para com ele o fui.
Fui o mais determinado dos vagabundos (só menção a essa palavra que há dois dias me transtornou) dos dominicais que perpetuei por mais seis dias adiante. Levei a sério o que tinha de ser até a parte que parei e me enchi de gargalhadas. Recobri-me do ácido bem pessoal - esse se repete faz anos -, com amálgama obturei todos inconvenientes sorrisos danificados ao logo de doze meses. Tomei minhas últimas doses ultrajantes para fugir da sobriedade que me deixa com a carinha de bom moço de "quem não conhece que te compre"... quase me coloquei à venda.
Olha, quantos amigos fiz, mas esses vieram e a maioria permaneceu do outro lado da minha companheira tela de LCD! Cobrei mais que mil vezes que o amor via Facebook não é o suficiente pra me animar em ir ao baile de qualquer formatura, casamento... vamos-marcar-cerveja-no-fim-de-semana. Desacreditei no amor da metade dos meus "amigos". Hoje, nem um quarto deles considero. Ficaram bem pouquinhos, mas foram sempre os mais bonitos (em tudo). Ainda assim, também pude celebrar num barzinho, na esquina, ou no café o adeus aos dedinhos nervosos que teclam combinações de afeto e fomos abortando até chegar àquele um olho no olho tão gostoso, cheio de confidências que arrancaram sustos e até choros de alguns que não imaginavam minha historinha mais recente do mundo que desabou nas minhas costas e esse foi o que eu estava tentando levantar com todas os trecos apanhados. Aí, de súbito, eu já tinha o gancho pra meu maior patrimônio: vontade de chegar mais-pra-lá! Então voltamos a rir.
Este ano foi o que expus mais minha barba, meu bigode, o pelo do meu peito, a papada sobre o meu queixo, minhas indesejáveis gordurinhas, minha antes-vergonha de ser pouco mais pesado do que aquele cara da capa da revista que eu mesmo parei e disse: "ah!"
Então passou um semestre, o primeiro, e decidi o ganha-pão por meu mais absoluto esforço pode ser, ou melhor, será com o fermento que eu quiser. Até lá ainda tem um monte de padaria aberta pra eu chamar um amigo ou amiga pra brindar qualquer conceito "bom" de uma disciplina que cursei ou os 100 reais que ganhei revisando aquele texto de algumas laudas. Porque a semana se faz com dias... no estabelecido tem-se o ano, do mesmo jeito é a junção de moedas, de amigos, ou de folhas escritas até que um livro fique pronto.
E o melhor deste ano foi ter achado a minha metáfora, meio maníaca - tudo bem! -, mas ela será a minha surpresa pro próximo ano ou pra próxima atração que minha cabeça quiser montar e exibir, ainda que a plateia seja um quarto do montante que achei que compareceria.

13 de outubro de 2012

Eu matei um gato

Acho que tinha aproximadamente dez anos de idade. Era uma criança muito inconformada e precisava dispersar minha ira com algo que fosse mais frágil do que eu. Achei aquele gatinho e o atirei do terceiro andar de um prédio residencial. Lá embaixo havia um partícipe. Não lembro mais quem era meu amigo, mas ele queria comprovar se havia sete vidas naquele animal. Ele não morreu. No entanto, todo ferrado, ficou calminho, e com algumas partes detonadas esperando angustiadamente o que aconteceria depois daquela tortura que se escondia na ingenuidade de uma criança transtornada. Depois eu e meu amigo ficamos jogando de um lado pra o outro do muro de uma creche o gatinho, até ele morrer.
Sempre achei que um dia pudesse escrever essa confissão, muito triste pra mim, mas depois disso, eu tomei a vergonha de um crime, da maldade, menos triste do que as pessoas fazem umas com as outras mais frágeis. É um trauma que carrego comigo. Na verdade, sou aquele gato e fiz com ele o que acho que o mundo faz consigo mesmo. Tenho a necessidade de desmanchar essa memória, porque hoje sou apaixonado por muitos animais, sobretudo os felinos. Já criei muitos da minha adolescência até o começo da minha fase adulta.
Laura, um desses animaizinhos, achei na rua, trouxe pra casa e cuidei dela até o dia em que precisamos levá-la ao veterinário pra sacrificar, porque ela já estava velha e tomada por alguma doença pela qual não permanecia muito tempo em pé. Só na minha casa, ela tinha dado crias umas cinco vezes; e como era livre para sair, sempre voltava, sequelada, da rua.
Não consigo descrever a dor que tenho ao lembrar que eu já fui mentor e autor da morte de um animal indefeso; dor que não abstrai minha culpa por ter sido tão perverso e cruel como na infância, especialmente naquela situação que me martiriza até hoje, só em lembrar.
No ano passado assisti a Irmão Sol, Irmã Lua e me emocionei com a história de São Francisco. A canção principal até hoje, às vezes, ecoa na minha mente. Ele é o santo que os católicos acreditam ser o protetor dos animais... Estou sentindo que cada vez está mais confusa minha cabeça. Em alguns momentos, cheia de sons, miados sem apelo discreto, as palavras cortantes que ouvi de um amor sem razão de tempo, os toques escolhidos no aparelho celular e até mesmo as versões musicais mais escrotas que fazia de passatempo. Isso é confusão; é a única coisa que me resta de esperança em alcançar algo que não carregue o peso de ser imperfeito e de ter matado um gato.
Quem já leu Clarice Lispector pode lembrar com mais facilidade da metáfora construída em versos, em que norteia, dentro do túnel escuro, o caminho àquela luz do fim. Entre os ruídos, relembro e, aos outros, apresento, para concluir meu desabafo:

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

8 de outubro de 2012

O imperador está nu!


Fui buscar no conto de Hans Christian Andersen uma explicação que pudesse dizer do resultado das eleições municipais em Maceió. Em As novas roupas do Imperador encontrei a razão dessa cegueira que atingiu a população em nome da confabulada mentira que cristalizou a identidade de mudança da era Cícero Almeida, o prefeito forrozeiro, para Rui Palmeira, o vaidoso imperador.
Nossa cidade sempre recebe visitantes e seus gestores ultimamente têm se dedicado às questões turísticas com afinco, para manter a vaidade daquele império de belezas naturais (só isso). Maceió e seu imperador ocupa seu tempo se vestindo, em vez de cuidar dos seus súditos e frequentar reuniões com seus ministros, a fim de mudar uma cidade por completo, oferecendo à população uma vida melhor, mas o imperador estava preocupado com outras questões.

Na capital em que ele vivia, a vida era muito alegre; todos os dias chegavam multidões de forasteiros para visitá-la, e, entre eles, certa ocasião chegaram dois vigaristas. Fingiram-se de tecelões, dizendo-se capazes de tecer os tecidos mais maravilhosos do mundo.
Os vigaristas se acomodaram na cidade, trabalhariam incansavelmente na campanha política, tecendo os tecidos mais maravilhosos do mundo para que no dia 7 de outubro, o imperador pudesse mostrar aos seu povo suas magníficas roupas.
Para tanto o imperador tomou uma atitude determinante
Entregou a um dos tecelões uma grande quantia como adiantamento, a fim de que o dois pudessem começar imediatamente com esperado trabalho.
Os dois vigaristas prepararam os teares e fingiram entregar-se ao trabalho de tecer mas o certo é que no mesmo não havia nenhum fio nas lançadeiras. Antes de começar pediram uma certa quantidade da seda mais fina e fio de ouro da maior pureza e guardaram tudo em seus alforjes e depois começaram a trabalhar, isto é, fingindo fazê-lo, com os teares vazios.
Neste trabalho até a vitória, o desfile do imperador havia um porém que intimidava o legado que a cidade ficou: o descaso. E o resultado disso separava duas qualidades que fariam com que as possuísse não vissem as novas roupas, com seu  pomposo tecido, determinante.
E não somente as cores e os desenhos eram magníficos como também os trajes que se faziam com aqueles tecidos possuíam a qualidade especial de serem invisíveis para qualquer pessoa que não tivesse as qualidades necessárias para desempenhar suas funções e também que fossem muito tolas e presunçosas.
Havia um costume provinciano que ainda persistia na vida daquela população, o fato de cada um se preocupar com a vida íntima do outro, do vizinho ao parente. Importavam-se mais com as particularidades de cada um do que com a vida e a coisa pública, porque isso era até uma opção de entretenimento para uma cidade onde seu imperador não oferecia entretenimento mais rico do que a belíssima orla que a natureza já lhe tinha dado. No entanto, agora, com o advento das novas roupas, existia mais uma opção de lazer que viria no final daquele domingo, quando o imperador desfilaria a mostrar as qualidades daquela vestimenta.
Todos os habitantes da cidade conheciam as maravilhosas qualidades do tecido em questão, e todos, também, desejavam saber, por esse meio, se seu vizinho ou amigo era um tolo.
No dia 7 de outubro, os trajes ficariam prontos, aproximadamente às 17h, quando seria realizado o desfile do imperador. E a cidade só esperava o anúncio oficial daquela procissão, logo mais à noite.
O Imperador foi ocupar seu lugar no cortejo da procissão embaixo do luxuoso dossel e todos os que estavam nas ruas e nas janelas exclamaram:

- Como está bem vestido o Imperador! Que cauda magnífica! A roupa assenta nele como uma luva!

Ninguém queria dar a perceber que não podia ver coisa alguma, para não passar por tolo ou por incapaz. O caso é que nunca uma roupa do Imperador alcançara tanto sucesso.
Todos comemoravam as novas roupas do imperador, que desfilava na orla de Maceió, junto à população, festejando seu sucesso com as novas roupas, que sobretudo vestiriam a ideologia daquela cidade por mais quatro anos, no mínimo.

Mas uma criança, que rechaçada pela população que a julgava inocente, exclamou:


- Mas eu acho que ele não veste roupa alguma!

Ainda assim a criança persistiu por quatro anos com sua expressão máxima, que já era o prognóstico da vida do imperador.


- Não veste roupa alguma. Foi isso o que assegurou este menino.

E que este grito ecoe nos próximos dias, meses e anos, para que toda a cidade possa gritar um dia, todos juntos, ainda que o imperador ache que a procissão tenha de continuar. Porque na verdade, o grito da cidade precisa ser apenas um:

- O imperador está nu!

Foto: TudoNaHora.com

6 de outubro de 2012

Aquisição de um nome-título pra mim

Fazia tempo que não voltava aqui a fim de escrever qualquer bobagem em que eu pudesse exercitar uma escrita mais literária. Deixei essa prática de lado por falta de talento (exílio improdutivo) e meu engajamento em outros projetos. Minha vida virtual está cada vez mais fadada ao insucesso, mas continuo nela, por persistência em estender a mão imaginária e solicitar um abraço digital. Na verdade, preciso de digitais espalhadas no meu corpo, senti na memória tátil que um dia fui tocado e vestígios ficaram entre scraps e cutucadas fidelíssimas. Aproveito a tecnologia inútil de falar de si mesmo para olhos curiosos, perdidos em meio às fotos e o Esc que atualiza uma notificação de Facebook. É por lá que todos se encontram, felizes,  a contar suas vantagens; e eu não sou diferente.
Tenho escutados as mesmas velhas coisas e impulsionado a busca constante de me integrar socialmente por meio da escrita que sempre zelo, mas estou envelhecendo e o fruto mercadológico ainda não me rendeu cifras necessária para aprimorar meu discurso de sobrevivência em troca nas minhas letras.
Continuo criticando o definhamento do nosso idioma tão bonito e rico, cheio de normas primorosas que valem a pena, pela estética e imponência, quando levado mais a sério do que a rigor.
Estava comentando dia desses que há bastante tempo não escrevia no meu blog de derramamento sentimental, porque as últimas postagens tinham sidos endereçadas a um só ser no mundo que mudava nos intervalos delas, mas às vezes persistiam no mesmo foco consecutivas vezes até minha decepção. Eu me apaixono e escrevo, sempre foi assim, escrevo apaixonadamente para qualquer coisa ou pessoa que eu dedico grandes pensamentos e resumo em linhas, reais ou cibernéticas.
Normalmente sou um ser sem pauta própria e me entrego ao conjunto válido, seja ele de humanos ou circunstâncias, ainda que temporariamente seja o sonho. Desse lado onírico, subtraio minhas dores e sangro novamente em linhas, cuspindo metáforas insistentes, querendo brincar com o segredo como ele fosse algum nos dias de hoje. Segredo algum, tudo muito nu em mim. Mas ainda construo as metáforas em nome de uma poesia que seja válida até pra eu mesmo voltar aqui e ver que na feiura do espírito que me espanta, peneiro o caldo mais doce para oferecer a qualquer voluntário do meu gracioso fatalismo, que um dia pensei ilustrar páginas prefaciadas.
Deixei de ser jornalista, poeta, escritor para ser um abandono. Mas não deixei de me apaixonar, e vim aqui só pra embelezar a introdução do que considero possível de não me importar com os títulos que alguns amigos me deram e que celebram meu gosto por escrever.

22 de maio de 2012

Uma ridícula samambaia

Já havia pouco mais de uma hora que eu estava deitado e tinha uma outra trincheira dentro de mim a acometer sentimentos revisitados, depois de alguns meses esperando um recomeço com o relógio do avesso na mão. É o primeiro, e eu pensaria, o primeiro, enfatizo, após os últimos instantes que admirei uma ideia similar àquelas as quais discorri em outros intervalos da culpa. 
Quando não sentir culpado significa apoiar-se em partícipe é bem gostoso. Um crime doloso é, que a Globo já repetiu quinhentas vezes, quando há intenção de matar. Um dano comissivo para acabar de vez com a opressão das indagações com ausência de interlocução. Revolta, mesmo, dessa de querer assassinar as dúvidas infiltradas no intestino grosso e por todo resto do de comer para sobreviver, alimentar-se de ares frios da Campinas que nunca minha foi. 
Se você perguntar a um assaltante de geladeira qual a melhor hora de cometer seu crime, certamente, responderá que a madrugada, calada da noite. É que os desejos insalubres parecem brotar quando há silêncio na rua, quando dormem inocentes e quando criminosos, os rivais, também deitam-se na cama das mulheres, dos homens, das crianças, invariáveis gêneros de fantasia ilegal. É o caos!
Não consegui pregar os olhos porque a genética predispõe minha violência. Deu vontade de comer, de beber meus goles de rum doado, de vinho mais velho que eu, qualquer bebida que aqueça... Deu vontade de fumar, até me masturbar pensando em contos eróticos dos meus vinte e poucos anos que precisam (façam o favor!) invadir essa realidade em que hoje me encontro, querendo comparsa pra minha ira cuspir mais uma tragédia, a quem, carinhosamente, não chamo porque me escondo nos outros contos eróticos dos vinte e poucos anos. Contudo, o resultado foi a falta do que fazer, falta do que dizer e a ganância interminável de devorar dois artigos para falar bem sobre outro assunto que, também, faz meu coração pulsar, minhas mãos suarem, e me encolher nos desvãos das minhas particularidades. E tudo que consegui até o momento foi a parceria constante de confidente, a me incentivar em escrever uma agonia, a fim de despertá-la pro êxodo de mim. Há quem lhe queira bem e espere em você o melhor que se possa fazer pra não esquecer que as horas passam e há necessidade de se fazer algum útil por quem quer que seja, sobretudo pra você mesmo. 
Dois sachês de camomila garganta adentro, papos infelizes e felizes também, comentários de fim de semana, de cardápio casual, de doença, de maldade, do medo que me remete a este canto pra catequizar toda minha instituição laica.
Acredito que noventa e nove por cento da minha honestidade está bem resolvida, mas tem uma lacuna percentual que faz da hipocrisia - quando desconverso o centro do meu fractal - o melhor escudo e negação de poder aquém da similaridade que estou buscando.

20 de maio de 2012

Um canavial com um espantalho no meio

Eu não conseguia mais me reconhecer nas abstrações, até o conteúdo das minhas metáforas - jeito gostoso de falar, acompanhado por um tom mais brando de voz - não pareciam mais com aquele homem que germinou e foi cuidado como a relíquia do canteiro. Um caule cansado de sustentar as folhas murchas e sem um pingo de água pra beber, desde quando descobri que as águas, de janeiro, fevereiro ou março, qualquer estação, fizeram-me um ser com vida, mas sem brilho. Estou tão inerte que até me confundo com um vegetal. Consegui amar (o começo gostoso) de novo e, olha, não consegui nem as palavras mais bonitas que estudei por toda a vida. Não sei mais o que dizer.
Não dedico mais música em um só nome, como também não escrevo mais poemas e exalo minha pieguice pelos quatro cantos de uma vez, nem na quarta tentativa. Não sei acordar mais com um bom dia depois de uma noite maravilhosa de dizer coisas raras que parecem textos repetidos... Eu não consigo mais ouvir. E se escuto, não consigo responder que meu objetivo é o amor, porque passaram, muito tempo, dizendo-me que a si próprio é o melhor, mas nem esse, ainda. 
Vontade até tenho, sabe, de dizer mais, mas não consigo outra vez. Trava na garganta e o que assumo de risco é muito pouco pra convencer o outro do entendimento de que eu não sei de nada, mas adoraria aprender junto. Perdi muito tempo olhando pro nada, pensando em falar aquilo e aquilo ficava lá entre as garras de cimento que escondi no meio das minhas vísceras pra me proteger do caos. Vivemos calculando a entropia, no entanto não movemos um desgaste, o último suspiro por acreditar em ninguém, só nos lamentamos e o lugar permanece o mesmo: o não lugar. Dane-se o campo, a cidade, a cosmopolita satanização de todos os rurais que um dia desejaram ser cidadãos embaixo da sombra dos edifícios que arruínam! Nada desse projeto, essa análise das pessoas serviu pra construir um lugar comum: o nosso. Mas, desculpe-me mais ainda, eu não tenho espaço algum para oferecer. Acho que precisamos fugir daquela gente pra... eu não sei pra quê, mas a intenção é sempre ficar, quando está bom; fugir é verbo constante. 
E quando vem me falar do amor, da vontade de amar, da necessidade de encontrar-se no outro, eu nem consigo dar risada, não acho graça, não acho nada, está perdido, avalio. 
Sobra gente demais pra cuidar de mim em duas horas, um fim de semana, uma caminhada até os íntimos tetos e paredes que poderiam acolher cemitérios. até o significado das coisas usuais mudou, mas nada em mim continuou o mesmo, porque nunca foi nada mais do que a coisa mudada, alternada entre certo e avesso, sempre pelos outros olhares. Contudo de mim, só ficou o lado bom de ser fiel à vantagem, a minha, claro, de ser profundo conhecedor das angústias e parecer ter nas mãos o antígeno para produzir minha própria vacina. Mas, espantado com isso, eu não atraio uma infecção além da minha sinceridade recoberta de palavras que não são aquelas que um dia cultivei em papéis de lembranças das coisas bonitas. Não tenho a quem dizê-las e todas as vezes sempre fui mal entendido. Calado, um amigo me disse e eu concluo: quero a paz interior, algum valor, pra chamar de meu e não reconhecer-me no outro, jamais.
Sabe por que de tudo isso? Só fui reconhecido como o vilão ou a mocinha. Ninguém conseguiu me ver como aquele que passa tranquilo na calçada, como figurante dessa cambada de loucos cujo emprego em atuar precisa sempre de uma luz, de uma câmera e sua ação ensaiada, como quem fica em casa ou vai ao trabalho cumprindo o roteiro de um filme banal. 
Quer saber mais, tudo o que eu tinha de esperança no romance, eu perdi, não sei ser mais romântico. Assim, fica o penoso, o que conta decréscimos, o alimento de um animal não estimado. Tendo ainda já me candidatado a cãozinho qualquer e reprodutor das coisas pueris, até já brincando de ser dono da situação pra enfatizar domínios, eu só resumo proezas daquilo que somente eu vi e foi muita criatividade minha.
Quando tento evitar o olhar, o cheiro e o prazer de estar junto de quem eu quero para sucumbir essa vontade insaciável de ser mais do que eu fui pra mim e que lhe foram, também, eu consigo esquecer tudo, mas o danado do ciúme que eu tenho, preso e bem caladinho, fica me espetando os poros da solidão pra favorecer ainda mais a excreção dos meus transtornos, coisa necessária, mas que dói; bastante. Eu só preciso apagar esse ciúme de quem se aproxima de você, de quando você fala das possibilidades além de mim e daquilo que nunca lhe propus, mas que você já sabe, porquanto exatos foram meus verbos, mesmo atropelados pelos meus advérbios para engordar meu texto e eu ficar mais tempo perto de você, ouvindo tudo aquilo que você diz, mas que nunca foi, exatamente, o que eu queria ouvir. Não é. 
Eu não posso deixar que fique essa ideia enganosa de que meus outros dias com outras circunstâncias faz de você a mesma coisa que todo mundo pede e que eu pedi de todo mundo também e é, inclusive, o que você já tanto teve. Só não posso ir mais além porque tudo o que me resta ainda é o ciúme. E se ele for, vai ficar apenas a minha humildade. Com essa, eu vou alcançar meu horizonte cinzento, sozinho. E não vou dividir com você nem com ninguém qualquer mérito que possa ser mais bonito se motivado pelo afeto. 
Eu tenho uma semana, sei lá, para acabar com o meu ciúme. Mas, sinceramente, não é o que deixaria feito presa de caça aleatória, é mais bonito, eu não consegui lhe dizer, é que eu só vejo beleza em você e, todos os defeitos, converti num espelho parecido com o que sou.
Se eu conseguisse voltar uns anos só pra buscar a coragem de endereçar isso em uma carta, em uma semana, tempo-limite, pro meu ciúme pendurar suas botas, você saberia que se engana muito achando que o que eu quero de você é... Na verdade, eu quero tudo e até me mudo para o endereço onde possamos nos achar, felizes, mas ainda estou aqui com meu ciúme e a necessidade de abandoná-lo; acostumar-me com o que vem daqui pra frente, quer você veja ou não, sempre estarei deste lado aqui, porque esse é meu único lugar... desconfortável, pode ser, mas meu. 
Mudando de assunto... nesses arredores, quanta cana-de-açúcar e a vida não está doce!

3 de abril de 2012

Um engenheiro enganado e uma sociedade perdida

Encontrei a solução: 
angariar recursos egoístas e contê-los na represa da solidão. Isso sim, para o melhor funcionamento do ano. 2012, um marco de nada, mas vale a pena qualquer esforço para se manter sozinho e inabalável. 
Ruiu, porque as vigas não eram forte suficientemente para sustentar a pressão da falta de cumplicidade. Então o primeiro olhar perdido me prendeu. Em meio aos escombros, eu me propus a estar de terreno limpo e novamente construir alguma coisa que pudesse não ter nome, mas abrigar uma perspectiva... Nas devidas proporções da miséria, da perda e da dor-desabrigar, você acaba aceitando até resquícios de histórias mal contadas que façam valer qualquer similaridade com o botão da sua camisa mais surrada. Não é pensamento otimista, não; só uma necessidade repentina, medida emergencial e se tem o alimento para dias intranquilos. 
A peste, a fome, o cálculo mal feito, tudo de ruim sempre dizimou populações e, com elas, sua história concreta.
Meu pedaço de chão ainda não estava limpo para reerguer outra situação que pudesse dar sequência à humanidade convalida a qual já chamei de múltiplos de mim. É uma sociedade muito centrada no eu, é meu egoísmo funcional para construir exatamente o modelo de habitação sustentável e organicamente progressista. Assim, meu progresso teria meu nome sempre em capa e contracapa, sob a orientação do ideal pacífico, ainda que soberbo, de se encontrar, protegido, e ser referência bibliográfica, com orgulho, para quem estiver se sentindo sozinho e sem saber em que se apoiar. 
Nas primeiras linhas, eram concomitante, tanto na escrita, quanto na construção daquela edificação pretensiosa, havia certeza de que agora eu acertava na medida correta, nas citações necessárias... Eu estava feliz com aquela combinação de engenharia e humanidade. Ruiu. antes de inaugurar o novo habitat. E novamente foi um olhar perdido, uma cumplicidade mal engendrada, desconexões de propósitos: entre o que olha e quem olha para o outro lado. 
O ser humano tem desses desligamentos, ainda que pareça que está tudo conectado e que se encaixe. Vamos pôr a culpa no parecer técnico do desmoronamento: ilusão! Quando inicial, ela não tem grandes proporções de acidente, mas o ser desabrigado permanece sem lar, sem lugar dentro de seu próprio espaço. É um tal de desencontro de tudo. As atividades corriqueiras parecem desencontradas, também. Não dá para cuidar de jardim, de matinho ou qualquer porcaria que ornamente seu truque de bem-estar e lar, se efetivamente, você se sente (e toda a população que o acompanha: seu medos, instintos, razões - sociais e introspectivas -, cada pedacinho de sua emoção) desabrigado. 
Mais uma vez a história perdeu pra imprudência dos impérios sustentados por um só querer. Eles sempre ruem, até mesmo antes de você dar nome e ciência a quem você elegeria para ceder a coroa.

Imagem capturada da web

28 de março de 2012

Nada com nada lado a lado

Tem um lado meu que não conheço. Ao ver todos os outros lados, talvez fique mais fácil achar e reconhecer este lado desconhecido.
Primeiro estágio do ser, que se conhece aos poucos, a forma de ser, e ir sendo se torna um aprendizado desde pequenino. Ir reconhecendo trejeitos, modulando jeito e lapidando todos os lados errados a fim de se encontrar o que me cobravam como correto. Trabalho desperdiçado, nunca fui certo. Mas também não me dei aos erros gratuitos só para garantir que errar fazia parte do caminho que, eliminando equívocos, encontrar-se-ia a forma perfeita.
Achei, na adolescência, uma maneira de provocar insultos, parecendo nisso que os ouvidos se cansariam e o corpo procuraria notoriedade de valência positiva. Ou o silencio. Discretamente passei um ano mais calado, mais ouvidos; só Deus sabe os escritos produzidos, as metáforas companheiras a dizer tudo para quase ninguém, porque não quis ser visto, lido, amado. Eu só quis um canto, uma caneta e um papel. Depois fiz de amigos fãs, e depois perdi amigos. Não havia mais fãs. Aí surtei e gritei arrogância à menina, ao menino, ao professor, à mãe paciente... Eu explodia emoções incríveis, quase sempre reprimidas. E jamais deixei de ser poeta, como eu acreditava que poetas eram. 
Eu adulteci, doente, encontrei o ensinamento de se escrever certo por linhas certas. Fazer-se entender na ordem direta, uma linearidade para um fim profissional que eu já acreditei que seria formação minha, sobretudo, como pessoa. 
Aquela pessoa via seus muitos lados, os avessos, até. Conheci a pouca vergonha, nenhuma, a toda dela para quase nenhuma. E ficou uma sobreposição de lados que, no diário, trocava o dia pela noite, para escrever mais sobre os traços de uma personalidade contínua, de pedaços. 
Já adulto, fugi do mito. Daquele empurrão que a gente leva pra cair, eu vi um que me desmistificava e colocava a prova tudo o que minha consciência, enganada, cria de prontidão que pedaços me faziam todo certo para errar tão longe. Eu me formei em pedaços e encontrei as lacunas. E nessas lacunas, eu dei espaço ao que agora me desespera na hora que acordo, por todo o dia, até quando me deito e esqueço dos remendos. 
Do lado de dentro, existe um centro, tema central. Do lado de fora, uma face para cada face que se apresenta. Correspondendo. E me conhecendo em muitos lados, para todos os espaços, tem uma lacuna ainda. É o lado desconhecido, ainda que eu tenha crescido, acreditando que me conhecendo em partes, saberia todo... Mas sempre falta um pedaço, o lado de lá, que ainda está distante. 


Imagem: capturada de http://www.iplay.com.br

23 de março de 2012

Existência

Existe o risco iminente, no dedo calado que aponta segredo.
Existe o mito, o que não foi dito, paradigmático.
Uma ruptura cruel.
Ela vem em fases; ela não vem, às vezes.
Porvir sempre existirá.

Existe qualquer centelha de esperança, porque é viva.
Existe o absurdo viver, descrente,
Como "no creo en brujas pero que las hay las hay".

Existe a fé em alguma coisa que não existe,
Ou que já existe e é preciso crer pra fluir.
Existe fluido no sangue derramado.
Todo poder existente escorre, enfim.

Existe sua experiência e a minha
E a contradição das duas,
E a semelhança no horizonte que quatro olhos enxergam,
Como também dois corações que jamais serão um só.

Existe a repetição do verbo, o abrandado sujeito,
O objeto, de novo, a que se aspira.
Objetivo de vida, também existe.
Insiste a vida em querer continuar porque existe caminho.

Existe labirinto, e então a complicada orientação dos desejos.
Existem dois terços de qualquer podridão
Que não contamina tudo porque um terço insiste em não querer convergir.
Existem intersecções a clarear ideias ou esboços de comando novo.
Direções que surgem ao se revelar os rumos que o destino não disse antes.

Existe a necessidade de fundir,
Essa coisa linda que é unir esforços em torno de um prol só.
Mas há contrapartida toda vez que se lança um artefato de ação,
Pois se não reage é porque não existe vida,
E vida é o interesse comum.

Existe toda mistura
E um caldeirão imenso para despejar diferenças.
Existe, perene - mas existe -, liga de redundante ligar.

E para quando cozer o prazer em se deliciar,
Porque o sabor da vida está no que se prova dela.
Se se esquenta, se mexe, condensa
Quem pensa que alguma coisa mais lembra,
Tem o que se esquece no fogo,
Cozido no esquecimento...
Mas tudo, no calor da existência,
Uma hora, evapora.



6 de março de 2012

Arrependido

Lastimado conselho dos retaliadores de sonhos,

Terminei de sonhar. Pode, assim, emitir sua conclusão a respeito da minha realidade.

Por meio desse engano, gostaria de propor, à pauta, meu arrependimento jamais descrito em linhas de outrora. Isso sim, desejo explicar que estou arrependido de muita coisa, ainda que não faça sentido descrever, em linhas, tanta coisa que já ficou jogada por aí sem que eu possa buscar ou, aquelas que estão comigo até hoje, largar no passado, à época de sua aderência ao meu estilo de vida. Assim, meu maior arrependimento é, em resumo, pessoas. Pessoas essas que me arrependo por elas e por mim também.
Arrependo-me, pois, de ter dedicado tanto tempo a alguns que jamais prestariam atenção no tempo gracioso a que lhes dei espaço. Portanto, perda de tempo; arrependido, por desperdício, por deixar passar, estar, ou qualquer outro verbo de ação a quem merecia apenas a inércia (ou quem sabe a indiferença). Perco esse tempo, em linhas, para reclamar do tempo maior que passei com pessoas que jamais pensaram em mim de forma correspondente, que não posso as obrigar, mas não deveriam simular tanto por tão nada. Garanto que não for ideia perdida ou ilusão, por tantas vezes, mas sim a necessidade de audiência que elas têm, angariar plateia para seus espetáculos de simulação. Arrependo-me, assim, de cada palavra falada quando era oportuno somente o silêncio de uma desatenção ou desapercebido caso.
Arrependo-me ainda de ter desprezado o sabor da pimenta, de ter ignorado a fragrância e seu sabor picante. Somente saindo da terceira década de vida poder ter descoberto que ardor no paladar é melhor do que... na vida.
Arrependo-me muito pouco: pessoas, falta da pimenta e de não ter investigado a fundo a perspicácia do destino no momento em que apenas cria na coincidência.

Até à próxima etapa, quando eu dormir!

O Arrependido


1 de fevereiro de 2012

BUHR, Karina


A grande vantagem da música brasileira é que ela se renova e, sempre, sonora e muito bem apresentável, simplesmente encanta seus compatriotas, como também faz seu som apreciado nas terras forasteiras. Há uns pares de ano, no entanto, parecíamos entrar num ostracismo de produções musicais renovadas, nada aparecia que não fosse já visto, apenas com algum requinte de inovação na genuinidade vocal. E ponto. Vozes surpreendem, mas elas precisam de um acompanhamento tão importante quanto, para, juntos, fazerem o que, de fato, chamamos de música. E esse conjunto de propriedades que, unidas, causam sensações boas aos ouvintes; é o que faz vender - porque o mercado fonográfico como qualquer outro precisa sobreviver - e, quando tem um plus, seu valor agregado é o diferencial naquele produto. Sobre um novo produto é que rendo minhas linhas: Karina Buhr.
Eu falava da repetição, das novas vozes até muito boas, deslumbrantes, de arrepiar... Mas elas se perdiam nas entranhas de outros sons tão comuns, repetitivos - nada a ver com minimalismo -, mas... sabe os hambúrgueres dos fast foods multiplicados nas esquinas de cidade grande? Sabor-comum. A música precisa de vivacidade e não somente sobrevivência, precisa viver, até renascida, reencarnada, como queiram, mas com uma roupagem nova, uma pele diferente, um tempero diferente e bom, para aguçar sentidos, fazer-nos procurar ter outras novas e maravilhosas sensações sem assimilar à corriqueira semelhança: a nova Gal, nova Bethânia, nova Tetê... Que venha o novo, então, mas que não necessitemos dele como adjetivo. Que seja substância, substantivo, e até que seja composto, por nome e sobrenome. Que até assuste... Bu! Buhr, Karina
Tomei um susto quando vi Karina Buhr no palco pela primeira vez, em Campinas. Uma figuração sombria, escura, vestida de cor negra que engana, mas que à luz incidente sobre ela, o brilho de lantejoulas, tal qual a cortina do fundo que se misturava num delicioso sobressalto para poucas pessoas, pouquíssimas, diria umas cinquenta, que saíram de suas casas numa quinta-feira chuvosa, dia 8 de dezembro, para ver aquela baiana de sotaque e espírito pernambucano. E ela cantou... houve, então, nossa intimidade. É bom assim, quando a música parece íntima, mesmo sendo nunca antes vista igual. Esta antítese pode ser a fórmula do sucesso. No caso de Karina, sim.
Entendi então na intimidade do som com minha audição que a alma é profundamente tocada pela sua antítese, porque suas composições mostram a vítima e a vilã numa só mulher, pessoa que mente pra você, que morre depois de tanto verbo, que deseja que a ame, mas não tanto. É uma carência de pouco, é pedir pouco, porque muito é sobra demais para quem tem a suficiência, sob a ameaça de ir pro lixo. 
Entendi também de seu abuso da sonoridade, da confusão de palavras, às quais não encontrei figura de linguagem que alcançasse seu ineditismo; junta duas, forma um som esquisito, confrontador, resultante da verdade, apenas, e isso faz música, aliás, faz-se música. É a boa maldade esfregada na cara, letras pontiagudas, perfurocortantes, incisiva na pele e, continuadamente, provocando aquelas sensações como a água e sal, tempero simples, na carne viva; de provocar sensações incríveis e para não esquecer de repetir a música que não se repete entre todas as novas da história brasileira das músicas bem semelhantes. "E ganha um signovosignificado para mim"
Parabéns, Karina Buhr, pela sua inovação com muito boa qualidade! 




Para quem não a conhece e quem conhece e precisa saber onde encontrar um pouco mais: www.karinabuhr.com.br

Imagens: divulgação (site da artista)

24 de janeiro de 2012

Quando outro você

Estou me tornando tudo o que eu não queria ser.
Ovacionando cada vez mais a simplicidade
Quando outrora era afim da megalomania.
Eu sonhava tanto e tão grande
Que mal aguentava pouco tempo de sono:
Minha cabeça explodia.

Acordei doente um dia desses...
Eu morro um pouco
A cada abraço que dou sem vontade,
Porque aprendi a lidar com a mimésis.
Eu tive de passar por uma escola que não queria.
Aprendi a ser menor do que posso
Por vaidade avessa.

Quando descobri minha carga intensiva de nada a ver comigo
Quis pular ao módulo iniciante,
Talvez intermediário totalmente equivocado...
Então, novamente, com diploma de ideias sólidas
Liquidifiquei sabedoria que me servia para dois salários mínimos -
E olhe lá! -
Prestei desserviço à minha antiga tolerância.
Envelheci a saudade;
Coloquei-a num caldo grosso chamado mito.
E apareci na janela muito menos vezes...
Era uma poesia a cada Era Solitária.