27 de fevereiro de 2013

Da maternidade ao cemitério: o sabor do sal na mão.

"Nem muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem levá-lo na correnteza. Se alguém oferecesse todas as riquezas da sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado"
Cantares de Salomão 8:10

A quem acusar de traição quando o pensamento se prostra a entregar à lembrança, ainda que no descanso, o tempo que já não existe? Ainda posso atribuir a falha aos meus antigos desejos suscitados por um recente caso de observação de mim, por outros olhos, não meus? Entrego a Deus, o senhor misterioso de segredos, pro fim que nem como quem decide acalentar-se, toda minha agonia de sentir à memória de fatos vividos e um toque, meu pedido, a mais nesse corpo carente de saúde que, porém, exala a vitalidade da mente sã, traiçoeira das minhas noites, por vingar-se dos dias que encubro das demais coisas: sua necessidade de pedir aquilo que só o tempo curto soube decifrar para além dos dias.
Eu me entreguei ao divino poder por não achar razão que soubesse me enganar tão bem; por ela não decidir, por mim, aquele trato em cuidar de uma só pessoa, a necessária, numa casa insalubre: a minha. Ao pai eterno, como um filho tenro e temente, meus dias de caos sob suas mãos poderosas, só elas para aliviar meus aflitos e posteriores dias. Dou-lhe as horas mais sagradas que já perdi, em meio à inteligência que não me serviu de coisa alguma além de contestar minha própria existência, o deslumbre com a poeira farta, reluzente e que engana, e até minha coleção de papéis sofríveis certificando o obsoleto. 
Entro em crise anos após anos, por não saber narrar, por falta nome, por defrontar-me com o perdido - acho que escondi de mim mesmo - sentimento sem veredicto. 
Acordo no meio de cães latindo, vendo sempre o copo d'água e as duas doses de ânimo sobre o improvisado salva-vida das manhãs solitárias. Dois venenos completos que ainda conseguem me aliviar do anseio de ruir. Duas drágeas representando minha vida e a da coisa mais amada nesses instantes de perfídia, dela, novamente, a mais bela peçonhenta, a qual cria a imagem, remanesce o cheiro, ludibria o som dos cães inquietos para que sobressaia o sorriso daquele que desde ontem se calou.
Por assim dizer, trago do velho testamento, ressuscitando a minha vontade, de incluir diversas vezes o antigo no seio do cemitério. Se um lugar fosse perfeito, melhor que morrer velho, e me dado à escolha, neste mundo fora do útero: maternidade - eu diria. Porque só as mães são felizes e, com a minha, foi unicamente a melhor e mais confortável sensação do amor.

24 de fevereiro de 2013

Da porta fechada

O quase-lá, um falta-pouco
Desde quando não subtrai
Fica o sufoco!

De subtração
Perco as contas.
Dedo aponta pra há Via Não.
Rua das mazelas,
Número improvável.
Estabeleço meu endereço
E esqueço do passado.

Quando vejo lá em frente,
Novamente,
Falta pouco.
Repetidas vezes,
Um de grão em grão.
Estou cheio de papo reto.
Papo cheio, curvilíneo,
A sombra do meu pescoço aponta o nó.

Olha, jamais me acusaria de perdas
Se os danos causados eu contasse...
Pouco.
Eu perdi mais uma vez
Pra encontrar eu-outro;
Achar que é novo
O endereço que passei
À porta.

Se a vida fosse máquina registradora,
Em cada soma de pouquinho:
[sinal de igualdade]
Números díspares.

Quantos zeros à esquerda?
Quanta destra mão a bater nessa porta!
Uma maçaneta que canhotos braços,
Esticados, bem-vindos de frontais encontros,
Entrelaçariam nos meus ambos cúmplices
Braços estes que se lamentam:
"Dois são poucos."

Distribuir abraços,
De porta em porta,
Como se fosse um dia de boas-vindas
Infindas a aliviar sinais desabrigados.

Um pouco mais.
[sinal de soma]
Quanto melhores e mais forem sinais
E a razão pela qual se conta nos dedos...
O sinal de igualdade anuncia:
Fechado para conferir saldo.

23 de fevereiro de 2013

O réu imperfeito: dizente.

Cara Perfeição,

Faz algumas décadas que a procuro e não encontro. Vejo que muitos dos meus amigos andam comentando sobre sua estada com eles, e me sinto enciumado de não a ter tão próxima quanto eles. Aliás, acho até que são comentários absurdos sobre sua aparição, mas desconsidero, muitas vezes, por motivos meus, porque acredito que seja uma projeção banalizada de propriedade. No entanto, isso causa alguma tristeza por achar que a mim não leva a sério o reclame.
Assim, decidi escrever pretensamente esse sentimento de orfandade e entregar-me, por meio desta, para que, se não vier aqui, ao menos envie um de seus subterfúgios corriqueiros; porquanto me satisfizerem os desejos, estarei um pouco mais feliz.
Sei que não estou me humilhando em troca de seu olhar mais atento, pois tenho me esforçado, com a experiência de alguns anos, a espanar a poeira que sua antagonista insiste em deixar sobre meu cronológico empório de coisas vãs. Induze-me ao ato de proclamar uma liberdade alheia à sua companhia, caso não queira estar comigo um dia de vida sequer. Estou necessitado da independência ao seu abandono decisivo. Se for esse, em sua consciência, o máximo que alcançarei até o fim do meu calendário, permita-me então saber, de uma vez por todas, que seu sinal está longe, diante de suas observações, do meu aparato de captação em prol da nossa sintonia.
Ainda reitero que me esforcei pela conveniência de um dizer sem grande intimidade, visto que estou ciente que o seu canal dista de tudo o que alcancei até hoje. Portanto, desculpas, sinceramente, em contar de alguma maneira que lhe pareça pretensiosa.
Para finalizar, justifico esta necessidade, uma vez mais, porque a essa altura da pequenez humana, eu jamais ousaria engrandecer outro aspecto, devido às comprovadas evidências que tudo em mim foi falho. Desdigo, se necessário, representando qualquer grupo que me pertença, a soberba de garantir sua presença no semblante de um perfil o qual, indigente, relacione sua existência com a arrogância de não ser e querer aparentar.
Aqui, faço votos de sublime importância para estrada onde anda e que uma encruzilhada respeite sua passagem quando, da sua vontade, não for colidir.
Em trânsito, espero que não julgado,

Seu mais suplicante,

Réu.

19 de fevereiro de 2013

Falta nome

Tudo se chocando, o mundo perdido;
Cada um olhando pro próprio umbigo,
Alcançando seu monte de coisa,
Aglomerando situações e pedrinhas,
Criando gerúndios invencíveis
Para sentir permanentemente ativos.
Um nome não importa.
Dois nomes são qualidade coletiva?
Três é montante.
Quanto mais se vê,
Mais se engana.

Tenho tudo aquilo que eu quis
E não tenho o que preciso.
Ou uma coisa ou outra.
Opções.
Alternativas padecem
No meio das outras
Mãos perdidas
Tateando para encontrar 
Mão perdidas.

Quando me vejo cego,
Quando escuto tua voz,
Sinceramente,
Tu não és nada mais que eu;
Eu já não sou  -
Faz tempo -
O mesmo desde quando tu eras um pouco eu.
E atendias por outro nome.
Assim nem sei como me chamo
Quando pronuncio teu nome.

14 de fevereiro de 2013

Papo de Anjo


A canção de Baby ressoa
há dias na minha cabeça,
sem coro, coração folião relembra:

"Papaparicando um papo de anjo
Pé-de-moleque malandro
Papaparicando parecendo o tal
No meio de baile de carnaval
Cupido flechou meu coração
Menino, você é um artesão
Seu rei mandou falar de amor
Agora eu sei qual o sabor que tem."

O carnaval acabou.
Tudo aparência momesca:
Risos com dias contados
E dias passados se vão quando a máscara
de pierrô e colombina voltam pro fundo do baú. 
Um rosto qualquer um.
Qualquer dia desses terá carnaval
E um outro sabor.