16 de maio de 2013

O Abismo Prateado

Entre os fragmentos de sua dor, uma mulher se encontra abandonada pelo marido. Como pedaços espalhados, esses fragmentos emergem num cenário urbano de sons perturbadores e trânsito em contramão. Há lugar de passagem, um luto e um destinar-se a algum lugar, iniciando no resgate, sua busca. A perda é evidente, muito mais nas sensações do que em suas palavras, que estão presas e/ou engolidas pelas sofreguidão e hostilidade urbana.
Violeta, personagem de Alessandra Negrini, no mais recente longa-metragem de Karim Aïnouz, desloca-se num plano exprimido, num close-up nas suas feridas, no que sangra, e rodeada de turvo angustiante sem avais de liberdade, a priori. Existem, ainda, a permanente agonia, pergunta sem resposta, a ligação literal e metaforicamente não correspondida e a dissidência para emergir a vicissitude necessária  até alcançar o plano geral.
Baseado na canção Olhos nos Olhos, o roteiro do filme segue as estrofes da poesia de Chico Buarque, em que as sensações daquela mulher cujo marido a deixou, quase enlouquecida, exprime a linearidade do desconforto até o momento de refazer-se.
Violeta,  presa no mundo que parecia construir a dois e, em face ao abandono, sozinha - mas numa tentativa de recuperação do enlace - estabelece diálogo maniqueísta em que o bem e o mal travam disputa pós-abandono.
A protagonista mergulha nos arredores do caótico, aqueles espaços verdes (de cores da necessidade de um alívio) em contrapartida dos ruídos de equipamento odontológico ou de uma construção civil, fugindo da sua ansiedade; e o mal, que reside dentro do que está partido, entra numa regurgitação provocadora de choros intercalados, breves e, uma vez mais, engolidos, como refluxo que vem à tona e depois desce corroendo e expondo o olhar insuportável de quem sofre.
Aos poucos, Violeta, uma transeunte de destino incerto, traça uma linha reta de sentidos que se opõem: do desespero à tranquilidade.  Assim, ela toma iniciativa de controlar, através da respiração funda e na contagem crescente e cardinal, seu rumo e recompor-se nesse caminho aparentemente vazio, onde o ludíbrio ainda a remete, algumas vezes, ao pânico. 
Quando, então, as experiências fugidias da dentista poem-na nos recantos transitórios como hotel, boate, aeroporto, levando-a a encontrar(se) ou até mesmo despedir-se do sentimento corrosivo  por não conseguir permanecer em casa ou exercer seu cotidiano profissional. Então, nesse trânsito contínuo, suas observações e contatos lhe trazem a amplitude do mundo, talvez por soma de espaços e tempo, oferecendo-lhe um movimento com mais autonomia e, sobretudo, ampliando sua abrangência.