29 de outubro de 2024

Você é o meu proXeto

 Esses dias me disseste, com o teu acento inconfudível, que seria eu o teu proXeto...

Cá eu com meu incofundível desassossego, que projeto tenho eu, para a vida com tantos sujeitos, com tantos complementos e com este mundo inteiro de objeto? No auge do meu caminho mais certo, com a língua a meu favor, com o argumento a meu favor e como nada disso tivesse sentido, numa crise ou num desvio de atenção, eu me perco todinho em muitos desses meus trajetos. São brutais os atalhos que às vezes eu, desatento, perco-me em passos em falso, rota desiludida, tantos pontos de referência, olhar para trás só para ter uma ideia, por que me faço perder neste olhar: para trás: Quando em frente é que se deve ir. 

Deixa-me situar agora. Hoje, mesmo. Não te tenho ao lado na cama, porque é um lapso - semanas - em que te tens que ir por teus projetos, outros, que não eu aqui, sem que fiques lá, mas sei que voltas. E preciso entender que voltas, porque eu sou este projeto, em que mais confias em mim do que eu mesmo, tenho certeza, pois eu sempre tenho tanta dúvida, quando deveria ter a tua certeza, que é seta e aponta: nós e ir. 

Deixa-me ir, deixa-me ter certeza que estarás, deixa-me querer que vás comigo. 

E eu ainda sei que deixas, e ainda mais que queres. Eu já te vejo com mais quereres do que quero. Perdoa-me por deixar de querer, quando não há mais do que desconfiança em que me perco uma vez mais, em saber o que quero e o que(m) me quer. São possibilidades que vivo cogitando ante a dúvida - ela sempre - e que ela não permita mais uma vez que me desvie como antes, em que eu queria ir e não fui, por desistência, sempre do outro, nunca minha para escolher apenas por mim, primeiro; primeiramente, que fosse por nós, mas o nós como somos faz esses anos que somos nós de um jeito que conseguir ver-te mais sendo-me do que eu mesmo sendo-me.

Espero que eu acorde amanhã como mais certeza do que agora: em ser projeto. É melhor ser projeto do que não ser, pois não sendo nem projeto não há caminho a seguir, pois se deixa apenas ir sem destino. 


20 de agosto de 2024

casa-mãe

Hoje minha mãe faz aniversário. Eu gostaria de estar perto dela no dia de hoje, sei que seria um grande presente de aniversário. Infelizmente não posso estar lá, já que são quase 2500 km de distância. Para somar essa tristeza de estar longe, há mais de um ano e sete meses que não a vejo pessoalmente. Seria um presente e tanto, mas impossível. tenho oito horas laborais para cumprir e uma sessão de psicoterapia para fazer em algumas horas. Talvez isso será o tema presente: minha ausência na vida da minha mãe e a ausência dela e de minha família nos meus dias. No entanto eu escolhi estar aqui.

Hoje, tenho um emprego na área que investir algun s anos de capacitação e um casamento, não oficial para título de registro legal, mas estou vivendo com a pessoa que escolhi e que me escolheu para somar diante de tantas perdas e distâncias que a vida no Sul do Brasil me fizeram optar. Estou ao lado da pessoa que tem sido meu único ente querido, que não é sangue, mas é família,. A família que escolhi e opção única dos laços que apertam a o incômodo de grandes ausências. 

Eu deveria estar grato por ter um casamento estável, o relacionamento mais verdadeiro e longevo que pude viver. Afinal, são mais de três anos de convivências e partilha, e minha mão nunca está sem um toque quando todas as ausências vividas me fazem tocar o nada quando eu tenho tudo que tanta gente gostaria de ter: um lar, uma carreira profissional, um amor equidistante, tão pertinho e tão presente. 

Acho que eu não estarei nunca satisfeito pelos meus feitos pessoais, por conta de um gosto amargo e um sopro vazio que os ventos que cá esfriam relações e outras ausências movimentam ondas de baixa estima, gigantescas, que afogam e encobrem com águas imaginárias, pois também cá me falta o mar. E quando o tinha a minutos da residência reclamava do desespero que eu vivia em ter em falta as coisas que cá tenho e lá não havia. A tristeza muda de lado, endereço e nomes sempre farão falta em qualquer direção aonde esteja eu indo. 

O dia da minha mãe me fez recordar que viva ela está e é possível que ainda tenha em breve seu abraço. Significará muito porque agora, eu que tanto gotava de falar, e conversar, nos últimos tempo tenho preferido o silêncio. A minha voz se calou para minha mãe com a frequência que costumava, ao menos, telefonar. Conversa de qualquer coisa, trivialidade, porque o que importava era a constância do ato e não a substância da prosa, com a densidade merecida. O peso da minha cosciência, que nunca esteve tranquila. 

Acho que o melhor presente para ela no dia de hoje é que eu possa ligar, e que ela me escute falar coisas bonitas, porque, ademais do silêncio que eu optei fazer nesses últimos meses, quando preciso falar são todas as outras diversas queixas, que devem vibrar de forma contrária ao caminho da positivade - espero não ter descarregado tanta negatividade aos seus ouvido. Embora, para mãe, qualquer assunto é uma novidade, mesmo que sejam queixas corriqueiras, porque talvez às mães importa dar os ouvidos, o coração, o sangue e até a vida se precisarem para um filho que se sinta morto ou que a vida não tenha sido igual, à idade madura, aos planos de quando criança compartilhar os quereres a longo prazo. 

Se mãe fosse uma coisa, seria casa. Porque mãe é sempre a sensação de estar dentro de um lar com todo o significado que tem essa palavra, e seu sinônimomais perfeito: casa-lar. Como seria bom estar em casa. 

17 de março de 2024

Morre-se um pouco para poder viver

Não tenho esquecido o dia de agosto, do seu aniversário. Mas como você se calou desde, sei lá, talvez dezembro, no meu dia, retirando-se de uma vez por toda de todas as promessas feitas, do consolo, um prêmio no matter what que denomina a isenção à culpa. 
De lá para cá, dois anos, quase dois, acho, que não tenho notícias suas. Espero que tenha morrido. Desejo com minhas forças nas unhas o pequeno esmagar de uma cabeça de formiga, que se tenha estourado todos os seu miolos ao chão e, por sorte, eu veja sua morte de alguma forma existir. Porque dentro de mim nada morreu e vivo assombrado em qualquer lado que eu estou, a vida passado, todo dia estou morrendo e vivendo um dia de cadáver... cada vez!Ainda que saiba que meu nome já não deve vir à sua boca nem para dizer que espera que eu esteja morto, porque assim me faria vivo em alguma parte de você, até na migalha que você deixou de me dar, que era um pouco da sua lembrança em alguns segundos da sua vida inteira. Nem para isso! Nada mais existe, nem minhas cinzas existem com esses ventos do seu lado. Sopraram tudo dos meus restos, dos meus farelos, misturados àquelas migalhadas que você me dava, bem por acaso, talvez com a preocupação de que eu fosse tirar minha vida por você.
Olhe bem, não tirei minha vida por ninguém, jamais! Nem por você faria isso!
Veja só o quanto morri a cada dia e estou aqui depois de tanto tempo sem escrever algo idiota como eu fazia ao acordar e antes de dormir, esquecendo só um ou outro dia de fazê-lo, mas sempre escrevia, com frequência: para falar qualquer idiotice minha que eu achava que prenderia sua alma num corpo já de tantas outras pessoas, oferecido em vão sacrifício e tesão dos seus 30 e pouco anos.
Mas minha alma já morreu antes do meu corpo naquela missa de alma presente e o corpo ausente, porque depois de você, tive que oferecer meu sacrifício de carne a outras tanta pessoas que tiravam minutos, às vezes, horas do meu dia, e levava consigo os fragmentos da minha alma que ia e vinha de algum lugar por cuja paz ela buscasse. Retornando sempre cada vez mais cansada e morta. Um pouco mais morta cumprindo a penitência que um dia decidi devolver às religiões. Eu matei todas elas para não acreditar mais nessa conversa de alma. E o mais engraçado de todos esses assassinatos, crimes, negligências me trouxeram no dia de hoje: nem um agosto qualquer, tampouco um dezembro. Hoje, março, vivo aqui, olha só! Vivo para mim, como se isso importasse em todo este texto que eu escrevi para você, que já me matou alguns anos atrás!

21 de agosto de 2022

Acidente de percurso

Amanhã fará uma semana que operei o joelho, depois de um acidente me parar à velocidade de 1000 km/h. 

Rompi a patela do joelho esquerdo. Ela se quebrou em dois pedaços. Eu vinha colando uns cacos aí, da vida, mesmo. A gente se restaura a todo momento. 

Estava a 5 dias da defesa do meu mestrado, precisei buscar uma encomenda num shopping há algumas horas da terceira mudança de endereço que faria nos poucos mais de 2 anos morando em Curitiba.

Já estava com novos planos profissionais também, na finalização desta nova etapa - decidi seguir carreira acadêmica depois dos 30 anos - em que eu precisei mudar de cidade,  já na sexta cidade que vivo ao longo da minha jornada.

Os ânimos esquentados por muito sucesso entre percalços por aqui: uma pandemia, uma recaída depressiva, tratamentos medicamentos há pouco mais de um ano.., o inverno subtropical soprou forte, fez-me cir de joelhos, eu levantei com as pernas quentes e sangrando, apenas sentei, não consegui mais mover nada!

Passaram: um homem, que apenas olhou, um sorriso de deboche bem tímido, nada perguntou; uma mulher ao lado, que parecia ter pressa num sábado à tarde, sequer me olhou. Até que a terceira pessoa que passou por mim, finalmente, exerceu a conexão humana um pouco rara, sobretudo no inverno, no shopping, na cidade. Foi atrás de ajuda. Foram quase duas eternas horas dentro daquela sala - bombeiros civis, paramédicos e o Juan, que foi a primeira pessoa que liguei para contar do incidente, segurava a minha mão e repetia que tudo ia ficar bem.

Fui levado de ambulância a um hospital de traumatologia, tenho poucas lembranças do caminho, só vêm flashes do paramédico fazendo brincadeiras pueris para tentar - acho - descontrair.

Descobri, por fim, que a fratura precisava de uma intervenção cirúrgica. Tive medo de nunca mais andar, foi a primeira cirurgia de emergência que faria, foi o primeiro passeio de ambulância que fiz sendo paciente e estando consciente dos meus medos na fase adulta.

A técnica de junção dos pedaços do osso sem uso de pinos ou parafusos com a costura do tendão patelar foram feitas no meu joelho. Quatro canais furados na patela, fios que juntam e se seguram ao ligamento do quadríceps e, logo abaixo, ao tendão patelar. Daí em diante apenas o meu corpo vai regenerar, com a impossibilidade de pisar ou flexionar o joelho pelos próximos 40 dias. E os movimentos comprometidos de agora em diante, só os meses de fisioterapia para responder às muitas dúvidas.

Foi uma pausa. Dolorida. Abrupta. 

Foi um tempo. É um tempo. Avaliar métodos, técnicas, pessoa e a mim mesmo. E não há vontade alguma de ficar parado. Mas precisei diminuir a velocidade. Fecho os olhos e só me lembro das mãos que me seguram neste instante. Tenho sonhado com meus amigos distantes, esses dias. Vontade de ficar em pé e firme, e acho que cheguei a idade de desacelerar.

24 de agosto de 2021

Terra passageira

Talvez eu possa estar avariado das ideias, está muito louco esse tempo... Eu pensei esta noite na insensatez da minha decisão, de querer esquecer-me de uma data e os olhos ficarem fixos no calendário esperando o dia chegar, o aniversário de quem já morreu; não o de morte, senão o de vida: vida distante de todas que eu não tive desde quando subi naquele avião. Dizer o quê da inconsistência dos meus pensamentos? Buscar terreno firme para pisar. Atolar-me na lama, sorrindo, porque você me rouba sorrisos de vez em quando, sujos como duas crianças em dia de domingo. Um parque, toda a gente, pais fingindo serem pais, mães cansadas, mas sorridentes, como nós dois, num típico domingo fora de casa. Aliás, houve uma falha no calendário, não me lembro quando o seu aniversário, sei lá, dia de comemorar quando chegar, mas não lembro, desculpa! Volta e meia, penso o que prometi, faz alguns dias; dessas promessas de quem só fá-las para não cumprir. Uma arte de sabotar; um teste de fracasso. Fracassar para me sentir vivo e querer tentar outra vez. Estou tentando esta brincadeira de novo. Brincadeira de ir para o parque em dia de domingo. E se fizer calor, vou adorar deitar na grama e ouvir novamente o pedido: "posso deitar a cabeça na sua barriga?" O frio na barriga. Sou esse que ainda tenho borboletas no estômago, geleira ártica em todo o sistema digestório; eu regurgito a emoção que excede os limites da minha carteira de identidade. Em tal idade eu deveria apostar menos fichas num sorriso que se rouba ou numa cabeça sobre a minha barriga, mas aposto meio que uma fração do que guardo em meus bolsos cheios de fichas velhas que venho guardando ao longo desses quatro anos. O bolso é o lugar de esconder e ao mesmo tempo está em fácil acesso. Onde escondo minhas mãos quando não as quero dar; onde recolho do frio que faz após o contato com a atmosfera fria, dessa frieza que escolhi me meter. Assim, meto as mãos quando dá, quando posso ou quando preciso. Estou com as mãos livres, em contato com o tempo. Já tem um tempo que você segura a minha mão. E houve dias que você me segurou antes de dormir. O dia em que você veio a mim para eu colocar a minha cabeça sobre sua barriga e chorar até dormir. E assim dormimos no lugar mais seguro que eu achei e apostei: nesse terreno instável. Só de estar pisando com os pés no chão, já me dou por satisfeito. Porque você ainda não me fez voar. Até porque minha asas foram cortadas em última instância. Repito, talvez eu possa estar avariado das ideias. E se minha cabeça anda meio perdida e desfoca, é na outra extremidade onde repousa o meu cansaço: do tempo, da morte, do voo e do ar. Terra em que eu pisar já é uma vantagem tão grande! Fazia já um tempo que eu nem tinha mais chão. Ficou um pouco de poeira, terra rasinha e algum cascalho. Estão no bolso junto com minhas fichas. Tudo está guardado para que saiba que tenho fichas, tenho solo, tenho fragmentos de algumas coisas: suficiente para acreditar. 

18 de março de 2021

Pane no sistema

O impressionante lugar da gente é ambiente imperfeito com suas dilacerações e remendos. Tive que olhar para o conjunto da obra; os detalhes pequenos no tamanho de sua pequenez deve ficar. Um lugar lindo cheio de opostos para lidar, uma sucessiva alteridade a cada ato de fala ou escuta. Entender o outro mais do que contrapor-se, é um desafio, confesso. Décadas de vida me fizeram experimentar aliados e opositores. Quanta ameaça e quanta desunião! Tem gente vindo de todo lado com as armas que têm para matar, roubar e destruir. Ora, um arranhão; ora, um estilhaço, pedaço de mim arrancado com a  falsa fome de quem só quer morder e cuspir fora. Onde estava unido, eu, diplomata da paz e bem, reforcei laços para não sucumbir à prova. Minhas armas brandas de diálogo e contundência para, quiçá, fingir-me de morto, de louco ou de otário. No interior, uma erupção vulcânica de lavas paranoicas, na quentura do delírio e excesso de irracionalidade. Suportei aquele derretimento como a frieza que conseguia, mas a razão das oposições são contraposições. Eu estava sempre tentando o equilíbrio térmico. Não mais que estava sendo eu mesmo, mesmo que perdesse por vezes a racionalidade. Apenas não conseguindo equilibrar o fluxo de energia. Ontem foi um dia assim...

Há um ano em pandemia praticamente, tive meu quarto ataque de pânico. Há bastante tempo sofro de ansiedade e -  menos mal - já tive orientações clínicas para o assunto. Poderia ter tido mais, acredito, no entanto consegui controlar a ansiedade muitas vezes para não ocorrer uma descarga como a de ontem. As notícias sobre as mortes por Covid-19, as pressões profissionais às quais tenho me submetido, a distância dos meu entes queridos e alguns problemas pessoais dos meus dramas cotidianos me fizeram quase no fim do dia acelerar o coração, sentir meus membros dormentes e gélidos por mais ou menos cinco minutos. Senti-me apavorado como se estivesse tomando doses tóxicas de algum veneno. E estava!

Decidi escrever este relato para que possa ajudar outras pessoas que estejam sofrendo da mesma coisa. Se tiver a opção de ter acesso rápido a um profissional de saúde, faça isso. Eu já procurei alguns, revi os meus níveis hormonais e descartei a hipótese de desequilíbrio neles, mas o fator não é apenas bioquímico. Li um livro da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, por indicação de meu psicólogo em Maceió. Acho que o ponto interessante da leitura é a informação de um profissional com conhecimento do tema. Ali encontrei uma geral sobre os transtornos, no entanto algumas característica batia exatamente com a angústia vinha me sentindo. Pois dali em diante, tento evolui no autoconhecimento. Entretanto imagino que algumas pessoas devam ter dificuldades de ter uma acesso holístico a sua saúde. Alguns remédios são possíveis, como enfretamento e solução. Há aqueles de prevenção mais fáceis, como atividade física (sim, estou em dívida), produção ou suplementação de vitamina D (já fiz e acho caro, mas ainda bem que temos sol disponível; é bom sempre procurar se informar do tempo ideal para receber a luz sem danos à pele) alimentação menos agressiva (evitar alimento processados e ultraprocessados ajuda bastante!); e a conversa, um canal de afeto sempre faz bem para colocar pra fora o que esteja sentindo. O equilíbrio emocional é uma expectativa mais difícil, porque, sobretudo, em tempos complicados que estamos vivendo muito foge ao controle e alguma coisa não depende só de nós mesmos. O importante é procurar ajuda se você não souber como vencer isso sozinho.

4 de março de 2021

jiboias em março

nesta manhã não foi o ato de acordar
que me fez acreditar em novo dia;
nada foi tão novo,
pareceu até dia repetido
como tantos outros,
e à noite,
à espreita de minha mão tremida,
sosseguei-me dentro de mim
como uma jiboia após devorar galinha-
há alguns dias sem me alimentar -
mas de onde vem rara energia? -
porque a fome ficou ali no começo da paz,
no fim do sossego por esta mudez,
não se fala de boca cheia! -
e qual semana terei força ao acordar? -
ainda que eu tenha os cacos espalhados
para organizar este vidro partido:
o anel que ganhei no dia já esquecido.

22 de janeiro de 2021

Viver é melhor que sonhar

Alguém que me escuta, que se importa. 
Alguém que me disse uma grande verdade,
Não de satisfação;
Aliás, bem pelo contrário. 
Verdade é a de cada um: 
Engraçado é que a nossa foi parecida. 
Que sorte. 
Estamos vivendo esta verdade.
E é só mais uma, mas é nossa.

15 de janeiro de 2021

Nanopsiqué: 2021

Estou cansado das minhas convicções. Nunca estive tão cansado delas quanto no tempo de hoje. Elas têm me restringido a este mundinho absorto que me faz distrair quando mais preciso ser atencioso - com o outro, sobretudo. Estive tão empolgado com o meu jantar que muitas vezes me esqueci de quem tem fome. Estive tão imerso na minha insônia diária que me esqueci de quem estava dormindo e incomodei com agonias minhas. Sim, foram minhas convicções, os pensamentos - muitos disfuncionais - que me jogaram num comportamento incansável de ser eu mesmo e esquecer-me de quem ao lado esteve. E do lado da lembrança muito mais do outro do que de mim, foi na minha dúvida, esta incerteza que me fazia buscar, portanto, certificar-me da minha ignorância. Eu odeio permanecer na ignorância, no entanto as minhas convicções foram danosas; necessito atualizar todas elas. 

Fui convicto e nunca venci. Seria vaidade estar invicto, mas por quê? Tantas perdas, materiais, por minha mente cansada da convicção e outras questões mais graves: o vírus, o diabo que a gente cria como quiser para ter medo e se esconder debaixo da coberta escura que transfere a escuridão onde fica mais fácil justificar de não ter visto, de não ter mais opções do que sentar ou deitar e corroer até o fim do drama. É finalidade, pois, coerente transmitida pela culpa, um antígeno plausível e mais justificação, e mais, até nos encontrarmos doentes. 

Estou doente faz alguns dias. Mais perdas. Tem a pressão de aqui e de acolá, onde dirija o olhar, os ouvidos para ouvir mais cobrança: um cacho de uva, um casco de cera, um copo de água, uma vela para iluminar o buraco onde vou me meter, cansado, e comer e beber, derreter com o calor do momento e me arrastar pelo chão como lava de parafina que se deslancha no mais ridículo material que resseca e se desfaz com qualquer intempérie. A convicção não me fez forte. É verdade.

Estou com o rei na barriga e falta tanta coisa que nem uma coroa de espinho, nem um trono de folhas secas e armação de gravetos. Nada da natureza eu tenho conseguido reaproveitar para criar um império fajuto, para destronar culpa, segredo, mito ou essas metáforas que vão nos colocando num cercadinho e nos empilhando como discípulos de submissão e temor. A convicção não me fez sábio. 

Agora preciso sanar tantas dúvidas: reavaliar esses dias, essas palavras, essa correria. Tudo escolha minha, tudo, convicção em xeque. Agora ficar uma pulga atrás da orelha, coçar para achar a necessidade vital; e na hora que vencer o cansaço: vem o sono e, ao acordar, arrumar esta bagunça até aqui. 

Obrigado pela tua parceria; e a gente ter se encontrado, convictos, no que restou: novas ideias para novos rumos, bem longe das convicções que nos passou rasteira. A convicção que sobreviveu, que me fez prescrever o remédio para minha cura. Como quem escreve, curado. Será o texto mais importante do que essas lamentações que andei a escrever. Já fechamos uma boa parceira para uma história nova (nem melhor nem pior: nova; basta).

30 de novembro de 2020

Receita de mito cozido

Eu não sei por quanto tempo a gente se interessa por esta vida às pressas para tudo ocorrer e correr bem. Quantas vezes forem necessárias, repetirei os bordões de um cansaço há muito já cozido, ecoando nos versos-grito. 

Da quinta-feira em diante, a de antes, quando eu te falava sobre sangue e sal, passei a discordar de tudo que não fosse contribuir para os ingredientes. Então veio uma disfonia com acordes de resistência, medo, e teus olhos pedindo mais biscoitos da sorte. Na sexta-feira um alcance maior, aquela experiência de gaiato no navio mais sofisticado em seu passeio pelas Bahamas... vieste no sábado, em teoria, mas na prática, o domingo estava na sala de estar - já entrando, mais que estando - quando pediste socorro naquela agonia toda da tua mais-valia, do teu cuidado, do teu carreiro e o teu apego ao destino.

Eu fiquei agonizando na experiência de fronteira: do meu lado certo, já tinha incerteza; do teu lado, eu só queria caminhar... sabes, ouvir tua voz em meio a esses ventos coloridos de tinta em pó incomodando que eu olhe adiante, como a promessa do arco-íris. E não soubeste da metade das agonias, ainda: do domingo, da madrugada, da vida inteira intercalada como furos no navio em que vão doutores, ex-amores, o armário de outrem, o terceiro sentido do movimento de translação. Transladam corpo, alma, crenças: vaivém das chegadas e partidas.

Poderia pensar no futuro com a ansiedade de sempre, em querer criar cálculos de memória, anotar cada moeda que eu investia, citar Camões e algum pretexto. Poderia, mas não. Chamaria o presente tempo dos justos buscando ajustar horários, conciliar as dívidas com o fornecedor de lucro. Já esteve passado mais que cru o envolto tempo em banho-maria. Ouve o relógio na parede rebocada. Só isso.

Quem disse que tua mão não encontra a luva? Quem me disse que a cabidela salgada dos sonhos cozinhou a mais de cem graus? Quem partiu depressa ao Oeste foi atrás do que não tinha. Quem ficou no continente quando eu parti já arrumou dois tamanhos diferentes para seus trajes. 

Não sei de quanto tempo se fez o perecível.  Esta comida pelas beiras foi alcançando o prato frio. Porque andei pra lá e pra cá sem notar a circunferência. Deu-me prazo o oráculo das friezas para que eu devolva cada cubo de gelo que pedi para conservar: eu, a minha verdade e a vontade de te ver fora deste caldeirão.