Sempre fui carnavalesco, sempre me orgulhei de ver nossas origens brincantes, as alegorias diversas, o desfile de belezas folclóricas, a história viva e resistente a caminho numa trajetória tão iluminada e ruidosa, como um grito de sobrevivência. São descendências eurocêntricas transformadas em mitos e canções que refletem nossa vida em uma aparência mais colorida e vibrante. Tudo revisitado, remendado e apropriado, é um orgulho danado ver tantas ruas cheias de povo, ruas ocupadas, gente celebrando de diversas formas e matizes brasileiras, de misturas de todo lado, uma mesclagem do passado ruim com o bom, projetado do jeito certo: o nosso.
São muitos carnavais que brinquei aqui e acolá. Muitos, mesmo. Mais um transeunte, mais um folião na multidão... Até que ponto cheguei: a este carnaval de solidão e monocromia. Não, estou cinza, estou sozinho porque quis, porque não quis brincar, porque não me faz sentido este ano brincar diante de tantas outras preocupações, mas não me consome. Não me dei ao consumo. Preferi o silêncio do apartamento, a cama vazia no verão tropical. o espaço só meu, não por egoísmo, mas por necessidade de estar em paz em dias tão barulhentos como esses.
Decidi não usar máscara. Não me disfarçar de alguma coisa vil por quatro dias. Fui obrigado a aceitar que a economia de outra forma que pudesse apenas encurtar a folia, servir ao patrão para garantir pão, sem circo. Neste lugar não é dia de folga, ainda que haja festa por aí, mas não há outra meta que não produzir os mesmos números, o que é cinza será a quarta-feira, porque estarei cinzento sentado no meu posto produzindo tudo aquilo que me pedem. Decidi não sonhar esses dias. Decidi não me embriagar do frevo, nem da marchinha, nem acompanhar alguém tão carnavalesco como eu fui.
Não sei que tipo de perigo se corre em correr da massa momesca, no lento apagar de algumas luzes da avenida, as luzes de dentro, acesas a poucos esforços por assim dizer. Silencioso, apagado e monocromático. Deixei de estar de um lado para estar do outro; consciente do meu cansaço, preferencialmente deitado como agora, sob a única luz acesa do meu lar. O barulho apenas de um ventilador refrescando o subtropical efusivo tempo que se faz. Pois todo carnaval tem seu fim, mas o ano que vem haverá sempre outra fantasia desenterrada.