9 de junho de 2025

Transbordo

Não cabe ninguém em mim.

Eu estou transbordando...

As abstrações são pesadas e flutuantes,

Meu chão firme que parece me engolir às vezes

Faz meus pés afundarem em imaginações diversas.


Não cabe mais de mim em ninguém.

Sou denso e completamente cheio de mim mesmo.

Transbordo por vastidão de desconhecimentos,

Já que sou apto a conhecer todos os lugares possíveis.

O mundo tem ficado mais apertado,

Mais perigoso e infinito de história.


Não cabe a América Latina em mim,

Com suas tradições invadidas,

Com suas abstrações apagadas.

Não cabem mais memórias destrutivas -

É um novo momento para todos nós.


Não cabe uma gota de orvalho 

Neste mar de lama sob chão firme.

Água e terra se entrelaçam:

Que meleira fizemos da noite para o o dia!

Que sujeira fizemos ao descartar nossas memórias!


Não cabe o oceano de mágoa.

Não cabe o vento que soprou em direções distintas

O muro com tintas escapa à superfície,

O que separa não tem cores.

Ausência de cor, o preto absoluto, acabou a luz.


Não cabe em mim a escuridão.

Todos os dias, de manhã,

O céu é convencimento ditador.

Não cabem coronéis em tempos republicanos.


Não cabem aqui talvez duas dores.

Não cabe um. Não cabe ninguém.

Existem dois lados sempre.

Existem, sobretudo, outros lados.

Não conhecemos muitos lados, nem lá fora.

Este medo constante do lado de lá.

Tempo de enfrentar o desconhecido.


Não cabe, por fim, este drama.

Não serão sorrisos fáceis, piadas superficiais.

Camadas de sonhos, de abstrações, não serão penetradas.

As placas se apertam e se chocam

Para jorrar o magma para o lado de fora:

Este denso peso das dobraduras e movimentos

Que escorre em calor e luz,

Em poeira e cinzas.

O chão será firme com uma camada a mais de história.


2 de junho de 2025

O amor acaba

O amor não é um conto de fadas, em que tudo fica bem no final. O fim, pelo menos, para mim, sempre machuca; é doloroso, como um pedaço pontiagudo de alguma coisa enfiado por trás da unha, que fica dias e dias ali: incomoda, dói, inflama; depois de criar pus e um inchaço horrível, visualmente fica feio, e por dentro continua ferindo. O corpo, pouco a pouco, vai cuidando de expulsar e sanar a ferida. Enquanto isso, a sensação é cruel. Mas, com o amor, é um milhão de vezes pior. A gente não sabe onde dói, e é insuportável. 

Nosso quarto ano de relacionamento recém-completos não houve nenhuma comemoração, não existiu nenhuma palavra da memória... Como se nada houvesse, não é uma data qualquer e ao mesmo tempo foi. Tanto que passou assim despercebido. Com o vazio e o frio que fazia aqui, eu te vi saindo, só; eu fiquei como ultimamente tenho ficado só. Na verdade aquela companhia cotidiana, até em uma sexta-feira - à noite, sempre o teu momento de liberdade. Ainda tinha a gripe que tomava de mim qualquer energia para sorrir ou celebrar, uma mistura desprazerosa de tudo que existe de contrário, como nossos caminhos estavam. 

Dia seguinte, meu comentário foi provocativo. Sei que fiz isso e deveria ter feito há algum tempo, mas parece que o pretexto foi o nosso aniversário esquecido. O-não-tivesse-havido. A inexistência de interpelações nos dias passados, aquele silêncio rigoroso de não-tivesse-havido, ganhou o supiro de um pretexto de um pedaço pontiagudo de alguma coisa; a coragem que veio em meio àquele rigor do excesso da palavra vazia, das abordagens ridículas - uma fofoca ali, outra acolá - e a distração que empurrava adiante tudo que a confusão mental e a decisão interminável que não chegaria. Chegou, enfim. Por mim, e agora a tua vez de dizer que queria estar só, e eu na ânsia do volume de queixas que estavam em algum lugar do meu esôfago, sufocando qualquer ar que eu respiro e que nunca foste tu desde que deixe o conto de fadas a sete palmos na terra onde nosso amor frutificou por quatro anos, finalmente concordei. E agora o ponto final para o que já tinha reticências desculpáveis.

Depois disso, o quê virá, além desse choro incessante com uma perda incalculável e uma decisão sóbria como essa? Assim mais silencioso que sempre como estou, minhas lágrimas têm sido os argumentos omitidos ou os momentos explosivos em que eu reclamava de tudo, porque nada era como antes. Sei que te devo desculpas por isso, minha omissão que durou sei lá quanto tempo. Sei que te devo desculpas porque eu achei que uma queixa, duas ou mais eram o bastante para mostrar que eu não estava satisfeito com nossa vida junta. Lembro que cheguei a ameaçar ir embora se as coisas não mudassem, mas aonde eu iria? Não me perdoaria se tivesse simplesmente ido como um covarde fugitivo mais do que essa tristeza por ter demorado tanto a dizer que já não te amava mais e sei que te fiz sofrer porque silenciei. 

Mais uma vez o amor acaba. Da forma que era. Porque ressignificado já está a caminho faz um tempo enquanto silenciávamos. Restaram a culpa de nós dois por este amor ter chegado ao fim e a minha culpa por não ter escutado tão bem os sinais de alerta desde os primeiros dias nossos. E nesta jornada até o quarto dia e o dia posterior, tudo o que vivemos foi tão maravilhoso e amadurecedor. Foram tantas agonias que descobri junto a ti como acalmá-las no teu abraço, a minha cegueira por falta de bravura foi limpando a visão com os olhos abertos de mão dadas contigo nesses anos em que aprendi a provar de tudo um pouco. Mas o amor acaba. E depois disso vem a dor. E depois disso, sara. E depois disso, surgirá outro amor e o processo sempre será o mesmo, embora com outra forma sempre mais graciosa de quem acumulou outras perdas e até o final de tudo, nós dois só temos a ganhar.