18 de dezembro de 2014

Sheherazade e a polivalência fundamentalista: jornalista, advogada de defesa e juíza do caso Bolsonaro

Existem coisas que não são novidades e que muita gente está cansada de saber. 
Não por acaso começo esse texto com uma frase genérica e quase jargão.
Falar o óbvio é tão fácil quanto apontar com o dedo para que se olhe aquilo para o qual se aponta. Improvável seria, após o ato, dizer: não, é para que olhe meu dedo! Quando se trata de Rachel Sheherazade, isso não seria tão improvável assim.
Considerada contundente jornalista, de opiniões polêmicas, a paraibana deve amar holofotes sobre sua voz e ser porta-voz de si mesma. Até aí, tudo bem... Que atire o primeiro advérbio de negação quem nunca teve seu momento de vaidade! No jornalismo, é habitual a notícia se tornar coadjuvante porque o indivíduo digeriu uma pauta inteira e se sentiu com o rei na barriga. Até aí, mais uma vez, tudo bem... Vanitas vanitatum et omnia Vanitas. Entretanto, para além da vaidade, há, naqueles holofotes que falei anteriormente, uma característica peculiar: a mídia.
Atualmente, Sheherazade lança suas teorias fundamentalistas (e gramaticistas, no episódio de Opinião sobre o caso dos deputados Jair Bolsonaro x Maria do Rosário) na manhã do último dia 16, pela Jovem Pan. Para quem ainda não escutou as teorias dela, é interessante acompanhar o áudio disponível na página da rádio. 
Eu preciso ir um pouco além, novamente, e analisar minuciosamente a curiosa gravação sobre cada substantivo, adjetivo e claro, o advérbio narrado com uma entonação empolgante pela jornalista. Farei isso por partes, quando já inicia usando a expressão "cinco gatos pingados do PSOL..." para se referir aos parlamentares daquele partido. Sucede, ela, dizendo que  "agora estão todos contra Bolsonaro", classificando os partidos de esquerda, "as feminazis, ou melhor, feministas" - evidenciando ironicamente o trocadilho com neologismo pejorativo para qualificar as ativistas do movimento -, as organizações de Direitos Humanos e congêneres (na minha leitura, "congêneres" segue a mesma linha de ideologia imputada a seu texto). 
Depois das adjetivações dadas ao grupo que se opõe nesse episódio, Sheherazade, começa a advogar por seu réu, sempre tratado como "deputado", e quando decide usar outras qualificações, ouvimos ex-militar e parlamentar, claro, depois de justificar e trazer à tona os dados quantitativos da eleição por ele vencida e até a quantidade de votos angariados na última eleição, que "não por acaso entrando em seu sétimo mandato" para muita gente que, assim, se sente por ele representada, segundo a jornalista. Ela se esqueceu de que o processo eleitoral brasileiro é obrigatório e que opções podem ter diversas razões, das mais apaixonadas às impostas, persuadidas ou mesmo compradas.
Assim, ao tratar Bolsonaro como deputado e, em contrapartida, referir-se a Maria do Rosário, por duas vezes, trata a também deputada como "Dona Maria" (apelando para o genérico feminino que coincide com seu prenome). Na sequência, usou a concessão pública - para se ter uma rádio precisa de que o governo conceda tal atividade - enaltece o currículo parlamentar do deputado remetendo à defesa do projeto de lei de sua autoria que pretende reduzir a menoridade penal para punir estupradores com castração química. De tão empolgante, a analise análise curricular audível suscita necessidade de que seja aprovada sem discussão minuciosa, a fim de resolver o problema das mulheres vítimas de violência sexual, proposta pelo deputado em 2013; salienta, ainda, a oposição da deputada Maria do Rosário a esse projeto.
Como não bastasse os elogios, ora sutis, ora aquecidos de significados claros, Sheherazade parte para a análise morfológica de apenas um termo do período dito por Bolsonaro. Elementar como sua opinião, a jornalista se detém à morfologia da nossa gramática para justificar que o deputado "pode ser tudo menos um estuprador", porque disse "eu jamais iria estuprar você porque você não merece", quando imposta seu discurso e sua análise gramatical limitada a encontrar sinônimos para o advérbio "jamais" e, então, inocentar o deputador que "nunca" iria estuprar Maria do Rosário. 
Uma jornalista que, a partir desse momento usa seu aparelho fonador com letargia botânica a tirar a vida de nossa "última flor do Lácio", com padrões elementares de conhecimento em língua portuguesa, ficou concentrada na morfologia de apenas um verbete e se esqueceu de, como profissional com nível superior de educação, destrinchar sua observação para um patamar que foge à classificação de palavras e poderia usufruir de considerações gramaticais menos elementares, como uma análise sintática do período composto por coordenação, já que Bolsonaro usa uma oração coordenada sindética explicativa, a qual determina o motivo de supor que o estupro não era válido tendo um porquê, finalizado com a negação do verbo "merecer". E, a advogada do réu, digo, jornalista da trupe de tantos réus inimputáveis, complementa o desfecho de Bolsonaro "porque você não merece.",  Sheherazade põe uma extensão: "nem ela nem ninguém!", como uma prova cabal unida aos autos. E o que se segue até final de sua opinião é o veredito que inocenta um estuprador em potencial.

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