15 de janeiro de 2010

Temporários

Hoje uma voz me fez falta. Eu já estou me acostumando com seu timbre, com a distração que me oferta nestes dias cruéis. É quase um abrigo ao sem-teto. A hora de folga de um trabalhador de caminhos quilométricos percorridos. A sola para um andante cansado. Mas ela não é nada disso; não é tudo isso. É a pena não poder escutar a voz que soa educadamente através de perspectivas comuns, implícitas nessa atmosfera de sedução que nos traz entusiasmo cavado no chão de marasmos e agonias.
Eu não posso suportar todas as manias alheias, nem ler contos do que passou, tampouco confiar nas expectativas de um grande valor a ser acordado entre o mão individual e a mão de quem lhe estende e permite sonhar. Laços bilaterais são improváveis sem que haja um pouco mais àquela alma menos frágil, máquina de poder ou mando. Tudo é força e disputa sem equidade. Então, quão bom é imaginar a voz! Parece-me lembrar que haverá as cantigas que a mãe, já cansada do dia, embala, à noite, seu bebê que não quer dormir. Algo incondicional, mas não é. Ao menos, eu duvido que seja.
Ó, patamar ruim que delineia a vida, sempre apresentando camadas! Aí, vem à lembrança tal voz, a qual não é minha. Antes fosse, de mais segurança que faria. Segurança de projéteis sem necessidade de defesa, mas de situação ofensiva porque o tempo parece incitar-me a mudar táticas e não esperar apenas reagir. Aí, vem a voz... A voz não é minha.

[silêncio semanal]

Eu estou metido num albergue provisório, olhares novatos entre veteranos igualmente observadores de fragilidades e esperança na mobilidade lenta de uma camada para outra. Nós poderíamos querer um milhão de dólares para nos divertir. Mas não sabemos muito bem o que queremos; a certeza é apenas o que não se quer. Eu, mesmo, sei apenas aonde vou, mas não arrisco dizer onde fico. Permanência é solúvel em água lacrimal e cansaço total que se aproxima. Eu escuto as “mulheres”, as “senhoras” sem intimidade, participando apenas da nossa única afinidade. Aí, eu vou escavando, procurando e, por insistência, vou percebendo conexões. E, no mais, estão as afinidades primárias. Elas não transcendem, apenas ligam. Ligação é o que foi preciso apenas para eu dizer: vim de longe e pouco tempo estarei. Construímos diplomacia, delimitamos solidariedade apenas com um pronome possessivo, em tempos egoístas que até um verbo é raro acompanhá-lo.

[gritos diários]

Sejam vozes, de tantos lugares que vieram cantar o mesmo hino de alforria. Premiação: um sorriso e um convalescente olhar para o prazer no mesmo foco, que some na esquina. Meus gritos foram dissipados para não haver maiores ruídos, não incomodar. Pedacinhos de “ah”, “ai” e “ui” separados com intervalos de 'cala-boca' para não confundir. Eu vou prender mais um grito e libertá-lo em um quarto e sala incomuns, um dia em que gritos diários sejam apenas escutados por quem será fiel ouvinte. E desabafarei, pois. O dia não chegou, todavia.

[dia santo]

A voz chega ao meu ouvido.

[dia mórbido]

Os tolos tentam me fazer alguns gracejos e mesmo assim... que merda! Um agradecimento em poucas linhas e uma estúpida esperança semestral. Foda-se! (menos um)

[amanhã]

Um segredo guardado entre dois amigos. Uma ajuda financeira para prosperar, Carolina! Uma esperança que não é estúpida mas tem prazo de estupidez. Assim, amanhã é mais improvável do que astrologia para um cientista convicto. Amanhã, “responda quem puder".


Imagem capturada de http://www.lostdesign.net/glossario/ampulheta.jpg

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