10 de dezembro de 2018

Só Lázaro pôde ser feliz


Se há um pouco de maldade em mim, tive certeza por haver dor. Faz alguns dias. E a forma como encontrei no mal a libertação da qualidade de santo, homem bom que tento ser, não caio mais no conto da assunção. Nunca ascenderei, seja qual for o modo; qualquer passo acima, esse movimento vertical ascendente não é dignidade que condeno, é descrença total pela recompensa que não me vale a pena. Não obstante justo e bom vale ser pelo conforto no valor, cuja força que faço para que o calor social não faça derreter esse congelamento de ideia. Precisei transformar numa pedra firme de gelo para que não se talhe à inocência de que vai ser algo cultivado pelo roubo ou furto. Não será presente, senão objeto que cabe na mão fechada e fria, por não culto, por apenas deixar estar.
A quem eu vier a dar graças, seja lá qual dia for, sei lá, por medo ou por redenção, por esta bondade que, creio eu, não se finde, mas que permaneça na balança necessária que a dor me traz. Se dói, é melhor saber que há maldade, mesmo que pouca, mas endereçada a mim, para não fugir à realidade. Se eu vivesse cem anos presumindo a ingenuidade sobre o pilar de cem por cento bom e justo talvez não reivindicasse o mesmo tratamento com o qual lhes dou sem precedente, potencializado pela forma constitucional penal de presumir a inocência até a prova contrária.
A mim mesmo, já repetitivo, não é o culto que convence. Aliás, que esteja distante porque a espera delonga. E como prenunciei que a dor me fez ter certeza de qualquer maldade, mínima para sobreviver, já vou explicando, porque foi ao assistir à história fantástica de um protagonista, instante em que percebi que me machucou e, por mais empático que fosse eu, jamais toleraria tamanho sofrimento de ser tão bom e justo por tanto tempo e sob tantas circunstâncias. Obrigado, Alice.
Outra coisa a revelar que há maldade em mim, foi a tristeza, ela sempre advinha da insatisfação. Se há regra, e por mais que esta privilegie no topo de uma pirâmide uma parcela dos piores desastres, eu a confrontarei porque a noção de quão interior a mim está a oposição ao capital. Justamente porque optei em levar comigo a maldade com rechaço à maldade sob leis e essas regras que um sistema impôs há muito. Existe, então, boa maldade? Não sei. Mas sei que há a necessária, para álibi ou para que não se deixe toda cor absoluta infiltrar um pano branco e deixá-lo não ser tanto alvo quanto de outra única nuança. Há de ser tantas, ao menos duas, porque é necessário que haja no mínimo metade para se dividir - ou colorir - porque tudo que é absoluto nunca foi verdade. Assim, temo que estejam sempre emplacando absolutismos, com nomes diferenciados. O acordo, por mim, sempre será, no mínimo, meio a meio. Não é justo?
Foi por três vezes que vi a mesma obra que reconheci e ratifiquei a maldade, talvez para evitar empate, precisei de ímpar e, como se diz por aqui, a vera. Maldade justa de um homem justo. Maldade boa de um homem bom que me fiz ao reconhecer, ratificar e, até agora, desempatar. Continuar neste ponto de vista para caminhar mais horizontal do que verticalmente. Para mais além de cultuar qualquer santo, mas, de suas alegorias, tirar o suprassumo. Ninguém é bom, afinal. Totalmente bom, não. Ou totalmente feliz. A fome faz até lobo o homem lobo do próprio homem. Alguma situação faz o ladrão, já sabemos, e foi a maldade que fez outra alegoria chamar de pecado, mas tirar a inocência de um ser para que não se permita nem corromper-se tampouco enganar-se por outro. Serei, por fim, bom e justo, mas o suficiente. Há de ser feliz, quem não quer? Hei de ser feliz na proporção suficiente da bondade e da justiça. Contudo jamais serei feliz como Lázaro.


Este texto é uma crítica de cinema + eu lírico de Lazzaro Felice 

20 de outubro de 2018

Caminho

No álcool da noite, o efeito-sabote
E o café da manhã com gosto forte:
Eu quero mais um dia!
Eu quero a noite toda minha e só.

Se eu dormir durante a tarde
E o gás vazante da parede sufocar;
Asfixia para acordar aos últimos raios de sol.
A noite novamente sem propósito,
Sem amigos, sem sorte, sem querer...

Alô! - Quem está do outro lado?
Quem queira eu ainda que esteja.
Se não quiser, um silêncio pontual.
Eterno, talvez, caso queiramos:
Eu e o tempo, senhor tão bonito.

Fração de vida, 
Frações que perdi a conta.
Fortuna de quem perdeu aqui
E ganhou, ali, mais uns minutos
Em contas perdidas de novo.

Foi um pé direito à frente,
Mas atrás estava o outro
Segurando e equilibrando o destino
E foi mais um passo,
Mais um, mais um, mais outro...

Eu vou andar; por que não andaria?
Se à tarde sob leve sol das cinco horas
Eu quiser parar para descansar...
Logo às seis, continuo mais um e mais outro
Passo para entrar à noite e passar
Mais um dia caminhando.

25 de setembro de 2018

"Isso poderia ser o final de tudo." Ainda não é.

Comigo estavam pai, mãe e minhas duas tias. Estávamos sentados lado a lado naquela fileira de cadeiras diante de uma cerimônia sóbria demais, demagógica demais, mas com um significado pessoal para cada uma das vidas que estava ali.
Meio desalentado, eu estava com sintomas da falta de expectativas que um sistema me presentou. O mercado que me empurrou de um lado para o outro; sacudiu em mim promessas e ao mesmo tempo migalhas condecorativas, eu cansei, poucos compreenderam, e eu apenas larguei as mãos que apertam com crueldade: bolsos, estômago e até sonhos. Elas estrangulam. Tinha um peso, uma medida; dois pesos e duas medidas; eu tinha o equilíbrio distante de onde eu nunca pude chegar.
Cheguei ali com a força de umas palavras, umas agonias, textos, livros, trabalho, crença e mais uma vez descrenças. Cheguei porque me vinham da boca pra fora um hálito reforçado de praxe, de boa educação ou de cumprimento de agenda. Vinham também do lugar mais verdadeiro que só bastou eu olhar para trás e perceber que eu não estava sozinho. À frente, na fileira de cadeiras verde-escuras, nem atrás com o sinal de força que recebia com um silencioso "presente" e um sorriso desfechado. Muitos dos meus. Os mais verdadeiros, talvez. E depois tive a certeza.
Obrigado.
Eu não estava feliz, eu estava só neutro. Acho que neutralidade foi uma das maneiras mais estúpida e corajosa que consegui sobrepor à luta que não acabou, mas após minha última derrota, tantas possibilidades ficaram turvas. Escurece o amor, depois do espaço que dei para que mentiras me descreditassem como amigo, como amante, como qualquer ser humano verdadeiro que pudesse exercer uma atitude responsiva e vice-versa.
Eu não acredito mais em vice-versa.
Contudo há coisas para acreditar. Essas são bem melhores, valiosas.
Quem sabe estou aqui para ser o primeiro a discorrer sobre o pódio, seja o melhor ou o pior índice. Onde quer que eu esteja, estarei verdadeiro. E posso olhar para trás e ver aquela pessoa maravilhosa que a vida me apresentou. Que depois que eu fiz um monte de coisas desagradáveis e é possível que nos desagrademos. E depois nos perdoamos porque sabemos que em nenhum momento deixamos de ser verdadeiros um ao outro. Aliás, da minha parte sei que sempre agi em sua direção com a verdade, mesmo que ela fosse má. E sei que a sua verdade foi tão dolorosa quanto importante para eu entender o espaço que se criou entre o que um ou outro acreditou ser e não era.
Estas palavras não falam de amor eros. Eros não convém. Teve seu tempo numa mitologia, no Lácio.
As palavras que eu gostaria de dirigir àquele ser humano que estava encostado na porta com um sorriso, porque dos poucos amigos que tenho foi o que me deu prestígio. É o que nunca mediu nenhum abuso meu para determinar que estou certo ou errado. É o que o tempo já se vai em alguns anos e eu um dia fiz questão de quebrar o silêncio de um ano para agradecer por estar em outro lugar e estar ali com a oportunidade que sempre sonhei e consegui, a contrapartida de hoje em dia.
É bom sabermos que protestamos pelas mesma causas, lutamos cada qual à sua maneira, combinamos um tempo desses, sei lá, uma tequila para ver como mexicanos veem também a morte e saber que tempo é significados.
Obrigado novamente.
Nunca um capricho ultrapassou nossa amizade. Não seria uma parede mofada, uma cadeira velha, onde eu sento e caio. Tampouco um quadro com pintura estragada, um restauro de Cecilia Gimenez... E quando você aprendeu a lidar com meu pessimismo espirituoso e a também não retaliar meu timing. E aprendi que, sob quaisquer circunstâncias, nossa amizade é um lugar muito bonito "and if you have a minute, why don't we go? Talk about it somewhere only we know."
Obrigado, por fim.

18 de setembro de 2018

#EleNão

Desta manhã que um rio entrou no meu sonho com corpos boiando sem origem, sem nomes... sem entender, eu estava mergulhando diante do absurdo onírico. Uma estrela de Hollywood queria me seduzir com seus olhos tão lindos. Logo eu?! Não dei oportunidade. Havia uma mãe e um pai que também me seduziam com o olhar,  e a filha me seduzia com uma conversa. Sonho louco. Acordei quando preteri, era uma chance que iria dar a um pó-porvir da constelação.Que insano! Despertei sozinho e revoltado porque só no mundo dos sonhos eu tenho visto a sedução que vem à minha maneira, talvez um jeito que me dou de fazer as regras e contar com elas para mim, mesmo quando meu corpo descansa. O dia não foi em vão, mas foi tão nada a ver com o sonho que me entregava à uma segunda-feira com uma agenda mínima e umas objeções.
Tudo bem, tinha que encarar a cardiologista e receber notícias - foram animadoras. Não destruíram meu coração, desta vez. "Está tudo normal com você e tem apenas dois inimigos..." nomeadamente soltou uma piada e me deu um atestado para colocar o corpo em mais movimento. A piada veio porque há muito tempo que não chamo médicos por "doutores" e seus nomes são iguais ao meu, relação de paciente, cliente, de qualquer coisa que quebre essa doutrina de sobreposições sociais. Ela sorriu e se despediu; disse que próximo ano faríamos uma nova avaliação cardiológica.
Mas a boa notícia era sobre a saúde física. Eu ainda tinha de enfrentar uns textos perturbadores, quando vi que a Embaixada da Alemanha em Brasília tinha sido contraposta ao publicar um vídeo explicando o nazismo, enquanto muito compatriotas meus negavam o Holocausto, acredita? Um vídeo que expunha o reconhecimento do nazismo e sua relação com a política de extrema direita, o qual aquele país em suas escolas educam os adolescentes a não reverenciar um dos episódios mais horrendos do mundo para que não se repita. E do Hemisfério Sul, América Latina, nestas terras que, pouco mais de quinhentos anos atrás foi invadida e nativos dizimados, ao passo que outros foram obrigados por ideologia de supremacia racial a vir como escravos outros povos, servir ao eurocentrismo e colonizar. Fizeram aqui um cemitério de gente, de cor diferente, de outra língua, outra cultura e também distintas formas de se organizarem como sociedade: o que deu origem ao que é o Brasil, essa grande miscigenação de povos. Impuseram, sim, sob armas e medo, a civilização da qual, tanto tempo depois, faço parte com miscigenação a dar-me nome de brasileiro e não identificar minha etnia num simplismo de (e entre) três povos predominantes. Sou apenas brasileiro e tenho consciência de que nasci de uma mistura histórica. Sou do mesmo país que tenta reparar atrocidades com leis diversas e contrapostas por muita gente, normalmente insatisfeita por não reconhecer erros (direcionados a todos os lados) mas que remédios constitucionais fazem parte do trâmite para reparar nossos equívocos judiciários.
Uma discussão que chega ao terceiro poder a fazer reparações e recorrermos por admitirmos que erros são passíveis de acontecer.
Volto à discussão mundial que reconhecida pelo próprio Estado protagonista de uma grande catástrofe humana implica em suas medidas de não favorecer nenhum pesamento ou atitude que remonte a desgraça de diminuir pessoas por suas convicções e costumes. Eu li comentários odiosos, negando e considerando fraude ou mesmo combatendo, ao passo que responsabilizam uma corrente contrária, para minimizar o que o conservadorismo e a a supremacia étnica alucinada, causa de perdas morais e vitais.
Eu só tinha uma resposta contextual para me opor a essa evocação de ódio no ensejo de uma eleição presidencial em que faces do crime e do horror tentam acomunar com ideias retrógradas e novamente tentarem torturar e dizimar num século onde novas pautas precisam corrigir mais e mais os danos que ultrapassam o ódio, mas combinam com ele e reproduzem agressões a pessoas, a indivíduos e o ambiente que todos estão biologicamente adaptados, nunca finalizado como evoluções. Temas como sustentabilidade, direitos humanos, ambiente saudável, tecnologias a auxiliar desde o bem-estar de ecossistema a cura de mazelas com difíceis respostas e inalcançáveis até hoje: Aids, Alzheimer, outras doenças degenerativas, vírus que antes erradicados começam novamente a protagonizar mais tristezas às vítimas que perdem acesso por questões econômicas e até as mesmas denegações irresponsáveis em nome de conspirações sem fundamento.
Encerro aqui posicionando-me, é claro, contra o terror destemido de um nome oportunista, como dizemos: aquele cujo nome não devemos pronunciar num contesto de Inteligência Artificial que turbinam algoritmos, fomento da propaganda que não precisamos para se matar mais, para se oprimir mais, para segregar mais minha terra que já carrega uma mácula de discurso do descobrimento que não passou de uma supremacia racial detentora de muita ganância e maldade. Quando ela se aperfeiçoa com mecanismos cruéis, como as atuais redes sociais, onde a democratização era para favorecer diálogos, mas incita ódio. Aliado a isso, a tradicional imprensa sempre conectada com a face alva da hegemonia doente e aliciadora e tantos golpes disfarçado de revolução. O avesso dos ponteiros, as horas que tentam voltar no sentido anti-horário, o relógio-bomba que mete medo e tensão. Há um nome protagonizando este espírito na trajetória do tempo, que chega ao século 21, olhando e minimizando crueldade, Para isso, ainda temos opção, em que expresso na minha liberdade sem ódio e dizer apenas: ELE, NÃO.

24 de agosto de 2018

Bíblia, boi e bala

Jogaram a bíblia bem na minha cara,
Rasgou um pedaço da minha testa. 
Sangrou tanto que me senti um boi sacrificado.
Lógico, irritei-me.
Um homem qualquer chegou ao pé ouvido
E me disse:
- Logo terás uma arma e poderá responder em tua legítima defesa.-
Foi tanto desamor em cinco minutos de experiência que desacordei.
Pouco tempo depois uma chuva fina me fez levantar para a realidade;
Despertei.
Eu não havia sonhado.
Todos esses homens estavam sempre ali,
Sentados numa bancada legislando em nome do ódio. 
Só vi tristeza adiante, 
Enquanto a chuva se misturava ao sangue escorrendo no rosto.

7 de agosto de 2018

Mais nada


Deve ser uma morte horrível 
Essa de viver sem mais palavras:
Uma estrofe no meio de tudo
E não conseguir dizer mais nada.

26 de julho de 2018

Sem futuro do pretérito

Por que tão longe de mim? - eu tinha razões suficientes para acreditar que quatro dias foram assim suficientes; uma viagem de não demarcações e despretensão extraterritorial. Como se não bastasse o abismo entre mim - há uma rodovia para marcar quilômetros sem eixo - e um sorriso novo de novo. Das maneiras mais assertivas de um contato físico somado a horas de prosa além do que não se conhece bem e o desejo de conhecer alguém... Perdi o medo, olha só! Aquele medo de passar por idas e vindas, altos e baixos, opostos e, porque ela sempre vem, despedida.
Não tive desgosto, afinal, foi pouco, e foi tanto quanto precisei para ver além da zona confortável de uma sequidão na garganta e nos olhos. Não queria olhar mais para além, nem usar a força das minhas palavras em vão. Sabe que nada foi em vão? Sabe que não posso esperar mais que aquilo! Mas aquilo foi tudo e foi bom. Não tivemos vergonha, a certo instante, de demonstrar o que já estava esperando algumas horas sair de dentro de nós e ter uma plateia para assistir. É... não foi tanto assim, não foi ilusão, não. Foi real quanto surreal.
Tempo para aguardar com uma pequena ansiedade o compromisso com os outros e depois o tempo só nosso, para que? Para estar. Estar é uma decisão. Quando um homem é livre para decidir onde quer estar, já é uma vantagem tão grande de liberdade num mundo preenchido de cercas. Imagine quando são dois por decidir... Estar preso é uma situação grave, pode ser agravada ainda mais quando se é livre e não se aproveita a liberdade, ademais, naquela do silêncio, que foi minha última forma de ser livre.
Amiúde, era divertimento e ele se esgotava numa só brincadeira, uma brincadeira de adulto, mas tão sem graça que dá vergonha ao ver crianças ensinando a adultos que brincadeira é coisa bem valiosa. Engraçado é sentir graça nisso tudo, que já disse, contudo, foi pouco e foi mais que isso por ir além.
A certo ponto, pergunto o que pode ser além quando determinado momento da vida já se acredita ir longe demais com tudo isso. Retorno ao começo, que já teve fim e, portanto, só ficam lembranças que pingam feito rejunte líquido quando esse cobre numa dança escorregadia as lacunas entre peças e cacos amontoados de uma pessoa que se via aos pedaços, sem saber, o pior, que era o porquê.
Agora parece um chão rejuntado para pisar firme e, o melhor, em pé, uma vez mais, com certeza de que há muito chão ainda a caminhar e descobrir que não há cacos se, aos pedaços, não se vê tal qual um objeto partido. O mais interessante dessa experiência - boa e - nova transcende o desvalor que se fora na última limpeza de casa.
Quando templo se fez para cultuar fantasma e obscurantismo, quando não se precisa de mitos para viver de verdade. É uma fórmula simples: não ter regras e não olhar demais para o que não existe, como quem procura algo que é, às vezes, imaginação pura, pois que é um culto.
Sou agnóstico e parecia mais um embriagado de fé alguma em mitos, pretextos e objetivo final sem saber que começo tinha nem me importar com meio, meios de justificar testemunhas de dogmas, ritos e velas acesas sob o sol. A razão ilumina a todo instante uma cabeça consciente de sua importância. Boas e novas lembranças são muito melhor do que o que caiu no esquecimento e me fazia me importar demais por achar o que estava perdido. Consciência danada esta de que se se perdeu é porque não precisa, mesmo, ser achado. Ou leve demais que o vento levou. Ou pesado demais que não sai do lugar onde ficou bem lá atrás, onde não sei, onde talvez nem precise voltar.
A mente que perdeu a memória pode, enfim, celebrar um intervalo singelo de beleza: agora já não esquece enquanto nem podia se lembrar.

14 de julho de 2018

A minha língua não é morta


Pelo tamanho significado que deste a minha pequenez de ouvinte;
Pela consciência que aprendi com uma só canção sobre a responsabilidade que tenho,
Onde quer que o meu direito de ir e vir me faça querer estar,
Acima de qualquer julgamento, o corpo é meu e é somente ele que paga.
A António Variações, todo o mérito da travessia que faço:
Entre o desvario e a sanidade absoluta por uns instantes.
Pelo Norte descoberto e não explorado Trás-Os-Montes;
Pela Vera Cruz ainda não emancipada;
Pela Independência duvidosa e até comprada;
Por algumas outras lutas, em papéis ou até mais agres;
Pelo promontório preponderante de expansão dali de Sagres;
Por laços de língua e jardins - a dizer desta Última Flor do Lácio;
Pelo palácio onde reina, absoluto, todo imperialismo de todos os tempos;
Pelos ventos que fazem soprar velas e planar os motores da tecnologia;
Por essa travessia, por aquela maneira toda própria e menos anasalada em dizer ditongos de duas formas;
Pelos encontros vocálicos, os desencontros numa separação - este tipo, o hiato.
Pela quebra da regra monogâmica e em formar tritongo.
De uma vez por todas, do garbo do homem, animal alado,
Eu me recomponho e me expresso nesta língua, modéstia à parte, a mais bela,
Pronunciando cá e agora, por esta demora do translado.

22 de junho de 2018

Vazio gourmet

Veja só que coisa louca essa ideia de posse,
Essa ideia de propriedade e prévia determinação
Hoje, nossas casas, antes de serem casa
Já são terrenos murados.

Eu caminho pelas ruas e observo,
Todas as casas enfileiradas
E, entre elas, há casas que ainda não são casas;
Estão ali só os muros,
Cercando o que um dia será alguma coisa.
Sei lá... se pode chamar-se de lar.
Sei que essa ideia me perturba.

Não sei se ali terá um gato ou um cão
Ou um animal de estimação;
Se terá jardim ou quintal,
Como, de fato, será?
A arquitetura nos dias de hoje:
Faz espaços para não servir,
Faz de conta,
Faz aquilo que também há e não serve para nada.

As cidades estão cada vez mais
Parecendo com a cara da gente.
Lugares onde há mais muros para separar.
Lugares onde ambientes são desenhados
Talvez para se fotografar
Talvez para que sejam vendidos
Com uma leve impressão
Como a primeira impressão é a que fica:
Não fica ninguém e fica vazio.

Tem um vão enorme bem à frente de mim
Um espaço que caberia muita gente.
Não tem ninguém nele.

Que nome devo chamar?
Que espaço é esse?
Pode dizer, alguma-coisa-gourmet.
Não serve para nada.
Pode servir para uma fotografia, um dia.
Hoje, não serve para nada.
E eu nem sei se estarei aqui amanhã.

20 de junho de 2018

O esquecimento

As palavras têm me ajudado bastante desde o acidente. A tecnologia também favoreceu o caminho até eu estar aqui para resgatar um pouco de mim e da minha memória. A essa, eu nem preciso mais arrolar um esforço sequer, mas preciso me esforçar pelas palavras, porque foram elas que me trouxeram até o dia de hoje. Na minha mente confusa por perdas e danos, a bagunça que ficou  nas palavras salientes, a ponto de ferver o juízo, como recortes em papéis em chamas para um jogo de montar história: frases, parágrafos, as partes de um todo.
Havia aquela coisa inquieta para saber que muito mais do que as fotografias que algumas pessoas têm me mostrado; precisava reler tudo o que já escrevi para tentar encaixar, noutro jogo, a fim de formar alguma opinião. É sobre mim que deposito tudo e todos que passaram nas linhas escritas, ainda que eu me esqueça de nomes, lugares, coisas, sei lá... vou encaixando até me achar com todas as peças. Se tem alguém a que eu devo venerar, transformarei o verbo em carne e adorarei até o fim dos meus dias.
Quantos nomes ainda são estranhos a mim! Gente de sorriso sincero que, vergonhosamente, preciso retribuir com outro, mas peço desculpas por não me lembrar do nome. Sem vergonha, só tenho o perdão para distribuir. O pedido por ele, claro. Perdoo a mim mesmo e, assim, acho que consigo perdoar qualquer outra coisa ou pessoa. Está tudo perdoado.
Se eu esqueci até o meu nome uma semana atrás, todo o resto não será fácil lembrar. Mas há um esforço conjunto. O médico que me ajuda, uma senhora dedicada que me chama de filho, e eu sou seu filho por sorte! Aquele olhar dela não esconderia que jamais seria outro senão de uma mãe. Há outro olhar forte que, apesar do esquecimento, invade-me com ousadia e verdade junto a ternura de uma criança. Tem o cheiro mais gostoso que me faz reviver as melhores coisas que já não me lembro. O cheiro bom, como das rosas que ganhei hoje - não sei quem é porque me falha ainda a memória - de quem me trouxe outro perfume bom para este quarto inodoro. Eu ganhei rosas brancas e vim pesquisar o que elas significam. Alguém que me trouxe a pureza; eu gostei.
Bem, são alguns mimos que alguns me ofertam; como recusar oferta que traz cheiro, cor, sensação de bem-querer? Se eu não fui uma pessoa grata, só daqui por diante é o que mais devo ser. Então estou eu transformando tudo em retratos, mas não é minha intenção fotografar esse momento. Meu intuito, e volto a ele, é reverenciar as palavras. A quem as inventou, aperfeiçoou, enfim, a nós, humanidade, temos uma tecnologia crucial a meu favor nas atuais circunstâncias, vida longa!
Eu sei que iria a algum lugar onde saberia que lá mais estava eu; assim, caí aqui, por um empurrãozinho que deslancharia muita lembrança. Como dizer que não vivemos de passado? Nas palavras, encontrei o máximo, até aqui, onde minha identidade foi mais genuína diante de uma tragédia, que é esquecer.
Eu vi minha letra escrita em uns papéis avulsos, a força com que escrevo a fazer relevo na superfície da folha, achei bruto, acho que é a parte de mim grosseira. Gostei porque mostra a força que eu tenho no ato de escrever, dá para sentir do lado oposto a violência da minha expressão. Palavras são as minhas principais verdades, estou feliz por recuperar isso, com a selvageria de um letrado, irônico, não?! Mas a forma não ultrapassa o conteúdo e tive que entrar numa dimensão em que não faço ideia  por onde andei, mas os pés sempre estiveram em solo firme, outra coisa que consegui de mim descobrir: gosto de firmeza.
Firme no propósito de me encontrar, foi bom passear pelo passado escrito pelas minhas próprias mãos. Algo que já não lembro, mas me traz boas sensações, como o abraço que recebi de muitas pessoas e ali me senti acolhido. Aos poucos vou fazer mais do que imaginar, vou lembrar de cada coisa, cada conselho recebido, cada olhar que eu vejo e me transmite tudo o que por ora posso alcançar de bom. O que for de recordar para me fazer melhor, reconhecer-me em mim e em alguns que são parte de mim, vai ser meu esforço, como escrever mais memórias daqui em diante. O que for para ser esquecido - já consigo ver o lado bom disso - vai ficar no esquecimento. Eu só quero escrever um parágrafo, que seja, para que consiga firmar na minha história o que for suficientemente bom para ser lembrado. Agradeço a cada um que se lembra de mim mais do que eu possa fazer. E, por fim, vou me agarrar às memórias que me deem essa que é a melhor sensação: a história da gente é essa que a gente mesmo escreve, cada um com sua maneira de expressão.

27 de maio de 2018

Vamos viajar?

Trabalhar com o Turismo tem me rendido frutos de esperanças e desgostos ao ver todo o cenário político do País afundar nas contradições a que o Brasil aspirou nos recentes tempos. Olhar para a atividade econômica que envolve interdisciplinarmente questões de muitos vieses com uma capacitação para a indústria turística me dá um fôlego imenso, uma vez que tem sido um setor que vai na contramão da crise econômica. Não dá para vivenciar o fluxo de turistas sem se deparar com os entraves de planejamentos errados, golpe de Estado e com a carnificina capitalista que devora os estratos sociais de baixo para cima.
Num simples trajeto de casa ao trabalho, já tinha visto os seres humanos mais vulneráveis se multiplicarem velozmente nas esquinas e semáforos; pessoas com cartazes escritos em bom português desesperado e pouco educado, denúncia do desemprego crescente e a consequência que os levaram àquele posto de ambulantes quando o sinal vermelho anuncia um pedido de socorro. São famílias perdendo o trabalho e, em consequência disso, as expectativas que proporcionam a ocupação mental no setor produtivo: uma reação em cadeia com a velocidade de uma avalanche de amarguras. Primeiro, brasileiros perdendo seus postos de trabalho; depois tendo que se humilharem nos pedidos de socorro para quem ainda não foi devorado pelas consequências dos jogos nojentos do mercado. A criminalidade que atinge há muito tempo uma população predisposta à violência desde a colonização, agora recruta mais e mais meninos e meninas às drogas, à prostituição, aos desvios de caminhos, à mendicância... Para muitos, isso pode até passar despercebido, porque são os responsáveis pela desocupação dessa gente ao passo que são os mantenedores dessa relação exploradora e frágil para o globalizado escambo da informalidade, sem respeito aos direitos que vêm se afrouxando como desculpa de recuperação da economia brasileira.
Se pensarmos direitinho e questionarmos o serviço a dois senhores - como pode? - foi uma estratégia assertiva e perigosa, porque falhamos sempre no caráter, do mais rico ao mais pobre, mas vínhamos conciliando bem no sistema emoldurado pós-Revolução Industrial. Lembro-me bem do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que, na sua estrutura, contemplava também a mobilidade urbana. Eu vinha sendo seduzido pela perspectiva de priorização do transporte coletivo, a atração de tecnologia para produção de energias renováveis, e esperando os resultados que pudessem ajudar a aliviar o caos das cidades cada vez mais abarrotadas de gente. Ficou a maioria na promessa, mas o projeto era elogiável, pois reduzia tempo e traria conforto e dignidade para se mexer no dia a dia já movimentado demais. Nunca tivemos o nosso trem-bala... os metrôs tiveram suas linhas reduzidas e muito dinheiro jogado fora, as obras ainda estão paradas; e eram promessa para um Brasil que se apresentaria ao mundo de um jeito diferente em dois grandes eventos: a Copa do Mundo de  e as Olimpíadas de 2016. Na combinação multifocal do PAC, apareceu o pré-sal nosso, fruto de muitas pesquisas, poderia nos trazer autossuficiência no combustível mais queridinho do mundo, e ainda daria para vender ao mundo e fazer dinheiro para acelerar ainda mais o nosso crescimento. Até que ele foi saqueado e fatiado, e oferecido, é claro, muito interessante para a poderosa Exxon. Vieram os leilões e deixou de ser nosso combustível e motor.
Então, agora, vivemos os dias mais alarmantes sob esses olhos mundiais pelas riquezas do mundo e defloração de quem precisa estar por baixo, subserviente. E começou a ferir a classe média, quem comprou carros novos ao custo de IPI zero com a vantagem dos subsídios governamentais para abastecer seus tanques com combustível mais barato. Já tem mais de uma semana que o preço da gasolina, etanol e diesel subiu, começou a faltar o líquido nas bombas. Já são tantas filas para abastecer e os preço subiram numa velocidade avassaladora. A gente já nervosa agora peleja para meter combustível no carro e sair por aí atropelando a mobilidade urbana e deixar nosso tráfego mais desconfortável.
Essa desestruturação não só afetou transporte individual e cotidiano para pequenas distância. Já chegou aos aeroportos e os aviões começaram a parar também. Voos cancelados, fim de férias (até o começo) com uma frustração de não poder sair de onde estar. Classe média que viaja nas férias, até os mais ricos que viajam sempre a negócios: todos afetados por falta de combustível. Confusão nos saguões dos aeroporto e hotéis, prorrogação de estada, prejuízos, amargos montantes por uma bagunça dos especuladores - tremendos abutres - e pela luta daqueles que pararam porque viver transportando o que move o País tem se tornado perigoso e antidemocrático. Protestos nas rodovias porque também tem gente que depende mais do que para se mover para negócios ou lazer, mas depende do movimento para manter sua vida cotidiana e suas férias, quando der: os operários do transporte.
Então eu volto ao meu dia a dia como operário do turismo, lidando com o estresse de todos, tentando esquecer o meu para sair de casa ao trabalho e melhor servir à agonia dos turistas e homens de negócios. Continuo a ver os pobres nas esquinas, abandonados e esmagados porque lhes fazem desimportantes. Chego ao meu local de trabalho - foi duro encontrar, certo?! - e vejo aqueles que se acham mais importantes sofrendo com o cansaço e a frustração de uma viagem toda interrompida por uma série de erros, mas culpam apenas os caminhoneiros e se esquecem de que a culpa é toda nossa. Por que não cobramos os projetos de aceleração como se deveria? Por que muitos apoiaram o lado que quer sempre ver o outro mais fraco cair do lado onde a corda arrebenta primeiro?
Foram às ruas tirar a presidenta Dilma manipulados pela mídia, e então onde ficou todo o resto mais fácil de resolver? Lula na cadeia, e tudo ainda está do mesmo jeito, como ele ainda estivesse solto, como acusam-no de mentor dessa corrupção, que, na minha modéstia leitura, existe desde os tempos de Brasil Colônia. Muita gente saiu comprado pelo "Fora, corruPTos", gritou e bateu panela. O PT saiu do governo, já tem dois anos, e todo mundo ficou em silêncio até a carne cortar no lobby de um hotel, a cara cansada e as feridas ardendo. Ainda nem acredito que estão gritando que é culpa só de um partido, com a cara cansada, quando estavam pintadas de verde e amarelo, vestindo a camisa da seleção brasileira, apenas produzindo essa situação atual. Agora continuam procurando outros culpados ou culpando quem nem está mais no Poder. E o turismo brasileiro que poderia e vinha sinalizando um fortalecimento tem seus dias mais pesados, enquanto eu ainda estou cansado, mas apenas fazendo parte da equipe operacional. Também estou cansado, mas não frustrado pela minha viagem empacar. Mas com a mesma esperança de ir trabalhar amanhã e tentar ajudar quem está cansado também.

25 de maio de 2018

Terra adorada

Uma bala perdida. Uma pátria amada. Um peso, uma medida, um olho por olho, dente por dente; talvez um homem que plantou semente, semeou-a como quem pacientemente esperava que longos dias, estações adversas, várias delas, tudo sob a lei e a mais importante da honestidade: o fruto de sua semeadura. Justa. Correta. O que vem depois, será por lei, sempre, um filho.
O País que em pecado, no passado, herdou de si mesmo a terra roubada, há séculos, dos filhos que fogem a luta enquanto sofrem os que se armam de fé e remissão, dívida herdada por tabela, pisam forte o chão, uma vez que aperta o coração, e produz a lavoura para alimentar os mesmos caras-de-pau que cometem tudo que são de cometer por tempos, em tempos e tempos.
Filho órfão da União, do terceiro setor, de quaisquer adoções; são filhos cegos, geneticamente influenciados por estúpidas vezes que se deixaram, em nome deles, o pão ir-se esfarelando numa vitrina onde, aqueles que podem e não querem, aqueles que sofrem com fome e não podem, o ar seco e a luz que oscila degradar o alimento de quem plantou e não pôde escolher.
Estou vendo o Brasil há poucas décadas sentir coragem e travar escolhas mais certas, e voltam a repetir o mesmo erro com nuanças de uma moda que passa por colônia, império, república, ditadura e democracia, no pote de mistura, a batedeira faz da força colorida da nossa etnia uma lama escura e horripilante. Estou vendo há três décadas os erros se repetirem conforme minha leitura um dia me mostrou que toda aquela ganância só passar hereditariamente para uns nomes cuja bênção é promulgada por quem se levanta como sacerdote pronunciando seus ritos.
Faz algum tempo que quero, na agonia, partir, vejo mãos por aí, dadas furtivamente, das premeditadamente... vejo mãos separadas, não alcanço de tão longe que estejam aquelas em que um dia achei, por ingenuidade, querer com as minhas andar, dadas, em nossas forças. Faz algum tempo que olho minhas mãos trêmulas quererem apertar as mãos verdadeiras de homens íntegros, que queiram como eu, não fugir à luta, mas sentir um aperto de mão forte e digno. Faz algum tempo que perdi um pouco da memória de ir ou ficar, e permanecer entre aqui e acolá, ligado aos irmãos cujos nomes são tão simples como o meu. Foi na simplicidade que encontrei a solução: eu estendo a mão e a mão que, se a minha se junta, quer andar para onde for sem questões banais de terras em meu ou seu nome, porque a terra fica para todos, afinal. Todos terminam por escolher como tratar a terra sem perceber que a escolha tem feito, do chão, propriedade, sem jamais querer que outro semelhante, seja filho, seja irmão, seja amigo, seja querido ou não, tenha a mesma oportunidade de caminhar num lugar seguro, como um porto em que se lança e se volta, quantos homens passarem e quiserem desbravar. É aqui um lugar seguro? Temos aqui um porto para ancorar nossas barcas desbravadoras de bons corações? Não tenho a resposta, infelizmente, mas tenho um posto e nele aposto com um aperto de mão e, talvez, abraço sem patriotismo medíocre, sem a ganância por terra que o vento leva tão fácil quando poeira.

16 de maio de 2018

Alcunha para um bandido à espreita

Ladrões! Ladrões! Ladrões! Por todas as partes, em qualquer lugar do mundo. É preciso redobrar a atenção, é preciso ter noção e firmeza nas suas palavras. Não reagir, porque, a um passo, são assassinos, pois que estão doentes. Infiltram-se nos escritórios, nas escolas, no Congresso e, sem perceber, sob o olhar doce da dissimulação, lá está o ladrão na sua vida. Roubam projetos, sonhos, dinheiro, paz, fazem pirâmides, fazem qualquer geometria analítica porque tem dimensão de sobra para enganar até satisfazerem suas necessidades. É preciso estar atento, sim; é preciso não se deixar atentar. As tentações são muitos, jogam de todo o jogo da sorte e do azar, usam palavras cheias de emoção, quiçá com um sorriso de felicidade forçada ou um choro de quem pede pena porque precisa da sua, mas não é mais que um ladrão, e se for, adoece e contamina.
Há aqueles que roubam merenda das escolas; outros saciam suas fomes de mentir em busca do que, até pouco que se tenham, impiedosos, tira-o com a mão leve que afaga, quando se há duas, para a segunda, num movimento de distração, retiram a paz, o dinheiro ou a vida.
Há ladrões de ideias, jamais confie nas promessas; nunca se deixe iludir por uma colaboração, pois normalmente eles já têm comparsas. A não ser que sua vocação também esteja para o trabalho sem brilho, com apenas um querer egoísta de se dar bem e passa a perna numa rasteira de qualidade duvidosa. São treinados ao custo de suas vidas dedicadas às sombra e frieza de atos a querer a vantagem sobre todas as coisas. O País está cheio deles; o Planeta é povoado por gente assim. Já levaram ouros, pedras preciosas, mulheres inocentes, homens igualmente ingênuos, dizimaram tribos... A cada época, possuem uma alcunha relativa: ratos, sea dogs, ministros, mestres, até.
À esquina da rua, eu vi um amontoado de gente desfavorecida, repercussão do roubo; a taxa de desemprego nada mais é que o resultado do mesmo caminho terrível de suas práticas. Conheço vários tipinhos, Aparecem na televisão, estampados em outdoors, mesmo ainda o que entram em seu coração com a querência do sossego dele mesmo, mas bagunça cada átrio levantado com uma arma infalível no percurso da História: o discurso. A fala pode ser calma, os olhos podem brilhar como quem se solidariza, mas, não se engane, não... É tudo ladrão, é como um arte equivocada, mas existente. Acima de qualquer suspeita, guarde seus nomes para que não se vingue, mas que se proteja, porque até, essa cega porque já lhe levaram os olhos - que tristeza! - está também infectada com o mesmo mal... Pobre Justiça. Dê-lhe uma alcunha, porque numa lista, isso aprendi com eles, estão todos escondendo seus rostos, seus nomes, mas apelidados de alguma referência. Refira-se a ele, sobretudo, como ladrão, nada além disso, só mudam de tempo em tempo, o nome. Fixe-se nas alcunhas. Esteja à espreita da sua correção.

18 de abril de 2018

O Brasil não é para principiantes

Se calhar, o apartamento pode ser meu.
Eu adoro quando a imprensa internacional decide repercutir sobre os acontecimentos no Brasil. Não por ser melhor que a nossa, mas por ser mais imparcial do que se tivesse negócios sombrios dentro do mercado brasileiro; aliás, fomento político há tanto tempo. Acho que a piada sobre "burrice" pode ser invertida em tempos líquidos. Continuaremos apenas sambando, só que sob o compasso dos outros, a melodia dos outros, até que sejamos mais nós mesmos, quando reduzidos a nada. Falta quanto?
Adeus, daqui a pouco terra que passou de Vera Cruz para  MediaCorporation by US rules e 15 + 45 que nunca digitei numa urna.
Segue a reprodução do texto divulgado ontem no Jornal de Notícias:

De tanto ouvir dizer que Lula da Silva tinha sido condenado sem provas decidir ler a sentença.

A lei brasileira ensombra o julgamento imparcial pois permite que Sérgio Moro seja o juiz na instrução e no julgamento. A falta de distanciamento mostra-se na sentença de Moro, sendo vários os momentos em que se diz "ofendido" com a defesa, ou se refere a "interferências inapropriadas do defensor", denotando ânimo e falta de distanciamento indesejáveis num juiz.

A decisão de Moro suscita várias perplexidades. A mais notável é porque não estão claramente identificados os factos provados. Toda a decisão é uma redonda motivação. Lula desconhece rigorosamente as circunstâncias em que lhe dizem que praticou o crime. É ler para crer.

Outra perplexidade: as notícias da Globo são consideradas matéria probatória. Aliás, dão-se por provados factos noticiados pela Globo - sem qualquer confirmação da sua veracidade, e só porque foram noticiados pela Globo. No ponto 376 diz-se: "Releva destacar que, no ano seguinte à transferência do empreendimento imobiliário para a OAS Empreendimentos, o Jornal O Globo, publicou matéria da jornalista Tatiana Farah, mais especificamente em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, com o seguinte título "Caso Bancoop: tríplex do casal Lula está atrasado (...)". E no ponto seguinte: "a matéria em questão é bastante relevante do ponto de vista probatório".

Notícias da Globo são convocadas noutros pontos da sentença como determinantes para prova da propriedade do apartamento, sedo-lhes mesmo atribuído o valor de documentos.

Isto não é de somenos, se pensarmos que se trata de um dos jornais mais lidos no Brasil. Ora, Sérgio Moro atribuiu grande peso ao facto de funcionários do prédio, sem nunca justificarem porquê, terem declarado que viam em Lula o proprietário do apartamento. Impor-se-ia ao julgador perguntar se não poderia ser assim em virtude das sucessivas notícias da Globo que repetidamente o afirmaram.

Um outro eixo central da condenação são as mensagens transcritas.

As duas primeiras conversas são de fevereiro de 2014. A primeira decorreu entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, respetivamente o empreiteiro e o engenheiro da OAS e ambos arguidos:

Paulo Gordilho: "O projeto da cozinha do chefe tá pronto se marcar com a Madame pode ser a hora que quiser".

Léo Pinheiro: "Amanhã as 19h. Vou confirmar. Seria bom tb ver se o de Guarujá está pronto".

Paulo Gordilho: "Guarujá também está pronto".

Léo Pinheiro: "Em princípio amanhã as 19h".

Paulo Gordilho: "Léo. Está confirmado? Vamos sair de onde a que horas?".

Léo Pinheiro: "O Fábio ligou desmarcando. Em princípio será as 14h na segunda. Estou vendo. Pois vou para o Uruguai"

Paulo Gordilho:" Fico no aguardo. Leo Pinheiro: OK" .

A segunda decorreu entre pessoa não identificada e Leo Pinheiro:

- Ok. Vamos começar qdo. Vamos abrir 2 centro de custos: 1.º zeca pagodinho (sítio) 2.º zeca pagodinho (Praia)

-Ok.

- É isto, vamos sim.

- Dr. Léo o Fernando Bittar aprovou junto a dama os projetos tanto de Guarujá como do sítio. Só a cozinha Kitchens completa pediram 149 mil ainda sem negociação. Posso começar na semana que vem. E isto mesmo?

- Manda bala.

- Ok vou mandar.

- Ok. Os centros de custos já lhe passei?

- Conversando com Joilson ele criou 2 centros na investimentos. 1. Sítio 2. Praia. A equipe vem de SSA são pessoas de confiança que fazem reformas na oas. Ficou resolvido eles ficarem no sítio morando. A dama me pediu isto para não ficarem na cidade.

- Ok.

A terceira mensagem é de agosto de 2014, e foi trocada entre o empreiteiro e um executivo da OAS:

Marcos Ramalho: "Dr. Léo. A previsão de pouso será por volta das 9.40, alguma orientação quanto ao horário do compromisso. Obs.: Reinaldo acredita que chegará no local que o Senhor indicado por volta das 10.30".

Leo Pinheiro: "Avisa para a Cláudia (sec) do nosso Amigo para que o encontro passe para as 10.30 no mesmo local".

Marcos Ramalho: "Ok. Leo Pinheiro: Avisou?".

Marcos Ramalho: "Falei com Priscila. Ela tentou transferir no celular de Claudia, mas ela está no banho e ficou de me ligar em 15 minutos. Pelo horário ela já deve está me ligando. Aviso o Senhor assim que falar com ela".

Leo Pinheiro: "É urgente".

Marcos Ramalho: "Dr. Léo. Alterado para 10.30. Falei com Claudia e agora falei o Fábio (filho)".

Marcos Ramalho: "Dr. Léo. Segue o celular de Dr. Fábio. 04111999739606".

Leo Pinheiro:" Avisa para o Dr. Paulo Gordilho".

Marcos Ramalho: "Acabei de avisar Dr. Paulo Gordilho".

Marcos Ramalho: "Dr. Léo, Dra. Lara só pode atender o senhor as 14.30. Deixei confirmado e fiquei de dar OK pra ela assim que falasse com o Senhor".

O teor das mensagens é simplesmente anódino. A segunda delas será a mais comprometedora. Mas Sérgio Moro não explica por que razão conclui que Lula da Silva é "zeca pagodinho", limitando-se a concluir que é assim. De todo o modo, estas mensagens não são suficientes para se concluir que o apartamento foi oferecido a Lula da Silva, que nem sequer intervém em nenhuma daquelas comunicações.

O elemento de prova crucial foi o depoimento de Léo Pinheiro, que aceitou colaborar com a investigação para ter a sua pena reduzida. Fê-lo perante a perspectivava de passar, pelo menos, mais 26 anos preso.

Este arguido foi detido pela primeira vez em novembro de 2014. Em junho de 2016, já em prisão domiciliária, dispôs-se à colaboração premiada. Esta disponibilidade é contemporânea com a sua primeira condenação, por sinal ditada por Moro, em 16 anos e 4 meses de prisão efetiva. A proposta de colaboração foi rejeitada.

Em setembro de 2016, Sérgio Moro ordena a prisão carcerária de Léo Pinheiro, que entretanto também vira a sua pena agravada para nada menos do que 26 anos de prisão. Em abril de 2017 Léo Pinheiro muda de advogados e propõe nova colaboração, desta vez confessando ter oferecido a Lula da Silva o apartamento tríplex. A proposta de colaboração foi, então, aceite.

Atualmente, e ainda sem qualquer acordo de colaboração premiada concluído, a pena de Léo Pinheiro no processo Lula passou de 10 anos a 3 anos de prisão - em regime semi-aberto e grande parte da qual já cumprida. A colaboração trouxe-lhe enorme benefício, sendo a diferença entre passar o resto da sua vida preso ou apenas uma pequena parte. Quando o prémio é desta grandeza será muito tentador contar o que a acusação quer ouvir. O julgador não pode deixar de ter presente esta lei da vida.

Em termos de documentos, a prova queda-se com a cópia carbono de "Proposta de adesão sujeita à aprovação" assinada por D. Marisa em 12/04/2005 relativamente à aquisição do apartamento 174 (o "apartamento tipo"); e com o original daquele documento, que foi rasurado para o numero 141 (correspondente ao tríplex), ambos apreendidos em casa de Lula.

Entre 2009 e 2014 o apartamento foi visitado duas vezes pela família de Lula de Silva, que não acompanhou os trabalhos de remodelação. Não será plausível que as remodelações tenham sido feitas para seduzir o ex-presidente à aquisição do imóvel? Na altura, Lula era uma figura de prestígio mundial, cuja presença garantiria valor não só ao imóvel, mas até a toda a área. Por outro lado, não sendo Lula, em 2014, presidente do Brasil, por que razão haveria o empreiteiro de se sentir obrigado a remodelar-lhe o apartamento?

Tenho para mim que Sérgio Moro levou o conceito de prova indiciária demasiado longe. Nenhuma das provas é suficientemente consistente e conclusiva. Não afirmo a inocência de Lula. Mas entendo que a sua culpa não ficou suficientemente demonstrada para a condenação. E, tal como muitas vezes se repete pelos tribunais, melhor fora um culpado em liberdade do que um inocente preso.

Rita Mota Sousa - magistrada do Ministério Público de Portugal

15 de abril de 2018

Curriculum vitæ

Enquanto um governo golpista acaba com as esperanças da população brasileira a cada canetada que dá; decreta o infortúnio na vida das minorias que sempre alimentam as estatísticas favorável e desfavoravelmente neste solo fértil que se degrada a cada pilastra que se levanta em nome da fortuna de bem poucos, eu jamais desisti do caminho mais justo, para mim e para seguir a regra que determinei para minha passagem por este terreno com muita injustiça. Frequentei faculdade, não foi uma apenas, não foi fácil, mas foi meritocracia. Consegui concluir uma faculdade há uma década, frustrei-me na profissão que um dia sonhei para mim. Escrevo cada vez pior, escrevo mal, eu tenho motivos para me desmotivar com o jornalismo de caras lindas, de bons contatos, como se chama fontes, mas das que envelhecem e apodrecem uma desvergonha que não me permiti: escrever mentiras ou dizer por alguém sob a cara-e-pau que se chama imparcialidade da mídia. Sou um jornalista fraco, apenas tenho um registro do ministério do trabalho que me deu um carimbo na carteira, mas nunca consegui assinatura para trabalhar para homens de bens, políticos com seus muitos bens: Mercedes-Benz e coisinhas, mimos acumulativos angariados com muita publicidade e sangre alheio.
Então tentei provocar em mim um novo desejo, o de me tornar parte da mão de obra da população economicamente ativa do Brasil, fazer algo por mim e pelo mercado, e mais uma vez me profissionalizei no nicho do Turismo, no qual em pouco tempo estarei graduado, e já alcancei algumas metas no País que há pouco tempo parecia andar por caminhos mais gentis. Capacitei-me ali, nas cadeiras e estrutura ruindo de uma universidade pública, tentei e consegui ter o melhor coeficiente de rendimento do corpo discente; com isso tive oportunidade, que muito podem julgar sortilégio, privilégio, mas eu me dou por satisfeito de conseguir por métrica curricular: as chamadas notas. Em primeiro lugar, em 2016, logrei uma bolsa de estudos para cursar um semestre fora do Brasil, fui com muito medo e com aquela expectativa de adolescente sonhando com eiras e beiras mais ornamentadas. Nem tudo foi de graça, mas foi com a graça de permanecer com meus valores intactos que frequentei cadeiras mais confortáveis e entendi o quão meu país segue aquém da qualificação necessária neste globo bem globalizado; só tentei acompanhar. Consegui um estágio depois de voltar, mas não foi fácil, mesmo primando o currículo, só três meses depois do meu retorno do velho mundo cheio de coisas novas, como sempre europeizadas, fiquei nove meses servindo ao patrimônio dos outros e aprendi o máximo que pude, ao custo de tão pouco pela minha capacitação: uma bolsa, um almoço muitas vezes mal cozido, até podre (tive infecção intestinal, inclusive), um auxílio para transporte. Eu aprendi tanto e fui algumas vezes desmotivado, mas fui. Fui cansado, choroso, medonho, irritado, mas fui. Voltei mais entristecido com a desesperança que até ofuscou o que aprendi de novo, por dia, e pela noite, muita insônia e mais choro. Acabou, e onde estava o reconhecimento por tudo que deixei em troca de aprender e dominar a técnica? Estava apenas num "obrigado" bem formal como se formalizam as relações de trabalho. Saí reclamando, eu sou de reclamar, ao passo que procurava uma oportunidade, mesmo que de peão fosse para servir, porque minha casta só é de serventia quando se tem saúde e disposição.
Então...
Consegui que assinassem minha carteira de trabalho, passo a semana atrás de um balcão, com a mesma dignidade de sempre e o desejo incansável de mais aprender e servir, e tentar melhorar tanto para mim quanto para a quem precisa de melhoria em serviços.
Ontem, estava indo trabalhar e, no caminho, algumas lágrimas que eu derramava por algumas questões que ainda persistem na minha rotina de pensamento, sonhando com o dia em que essas, por esses motivos, não mais haja, em toda a qualidade do verbo "haver", embora o sentido de existir não tenha um efeito sequer na existência. Debrucei-me no labor com uma satisfação incrível de mente ocupada por algumas horas boas. No final da jornada, ao contrário do choro da ida ao trabalho, um sorriso por saber que, honestamente, consegui mais um passo à frente, enquanto o governo golpista acaba com as esperanças. Eu só tinha gratidão dentro de mim, por ser honesto, por estar ocupado, por não chorar na volta a casa por motivos banais, que definham no caminho de volta, diminuindo constantemente e dando espaço a novos projetos.
Este texto é de gratidão. Acho que viver com gratidão tem me ajudado a encontrar uma resposta satisfatória para todas as indagações que tenho quando me deparo com injustiça. Grato e satisfeito é melhor do que o estado vulnerável das coisas e das pessoas inúteis que nutrem sensação de mal-estar.
Tenho todos os nomes na memória, e um dia escreverei nominalmente a cada um deles que ajudaram nesta sensação. Ainda que eu escreva cada vez pior, mas não carrego mais a culpa de ser jornalista.

8 de abril de 2018

Usuário em defeito

Esquece o dia de ontem,
Anteontem e todas as semanas atrás.
Perde-te de mim nas horas das tuas fraquezas;
Esquece a franqueza com que eu sorri com força
Mesmo com o pranto entalado no cerne da minha metástase.

Tua doença não é mais minha, 
Não posso absorver angústias pessoais
E saudações impessoais depois de ter sido pessoa,
Casa, pilar, terreno e raiz concretada.
Minha cura vem por minha dúvida,
Minha palavra jamais será equivocada.

Desvios de sentidos, força esvaída no caos da Revolução
Patos amarelos em meio ao fogo de artifício
E bons dias artificiais, praxe dos covardes de plantão,
Etiqueta e opinião brandas como ondas de mar sereno,
Como dívidas a longo prazo e, custe o que custar,
Saberás, assim, o valor de uma demolição.

Esquece rotas e ruturas, de supetão, tuas
Tontas passagens por lado qualquer, lado a lado
Ponte entre mim e coisa nenhuma, unha encravada,
Dedo doído de apontar para o horizonte
Em que uma linha escura abastece o transtorno.

Deita-te ao som da fúria das gaivotas,
Cortando o silêncio de um ecrã frio e dissimulado, 
À palma da tua mão gélida sem saber por onde começar,
Emudeço num clique obstinado por novo lar.

Estou calado; saio lesado; caio caiado; marco ousado
De quem está em pé para sorrir novamente a quem estiver à frente.
- Bom dia, senhora. Seja bem-vinda... 
Gastei todo meu dicionário por um doentio e supeito
Utente de um hospital onde nem são nem salvo
Adoece completamente para remédio nenhum fazer efeito.

6 de abril de 2018

Pragmático

Um homem, quer por instinto de sobrevivência,
Quer, com o passar da vida e aquisição de consciência desintoxicada,
Aprende, além de mudar seu rumo,
Não seguir os rumores daqueles que se deixam levar por desvios de tudo quanto é ordem,
Percebe que o destino é uma praga rogada,
Uma arma roubada ou uma espécie de gás poluente e estratégico.
Lave seus olhos com a verdade que aprendeu nas páginas da vida.
O contexto faz de qualquer um arquiteto e também quem põe a mão na massa.
Tem massa de sobra, ela pode estar contaminada;
Quando esta falta, é hora de angariar novos insumos.
É o momento de fazer da sintaxe e da semântica apenas parâmetro.
Sobre melhor construtor, ele mesmo se constrói,
Não sob argumentos, mas sobre o terreno da coerência.

2 de abril de 2018

As palavras que eu coloquei em tua boca

Estou percorrendo quase 160 km em busca de um caminho onde desconsidero todo o percurso. Até aqui, foram alguns minutos e algumas desculpas. Mais de uma hora e meia no trajeto, tudo o que vi era a merda do caminho que eu não tenho em outras vias. E volto, com a sensação de que me enganei por muito pouco, com mais mas dezenas de quilômetros à frente para o meu porto seguro, minha caixinha confortável e sossegada. Minha paz reina ali, no meu império dos sentidos de até-aqui-o-suficiente. Um mimo, uma vida animal na bagagem, uma lembrança para alguns anos posteriores, e mais uma série de equívocos e... lá estou eu de volta à caixinha segura e confortável.
Melhor esquecer e disfarçar a realidade desses tempo ruim, de muitas nuvens e ventos gelados; chuva, agora que choveu, eu me embalo ao som das águas sobre as coisas para não ouvir as demais vozes.
Quando me apetece ser desta forma que venho sendo ao longo de muitos tempo, eu viajo a destinos incansáveis, chegadas e partidas, e nenhuma oportunidade de... sei lá, eu sair daqui de dentro deste box de silêncios e alguns sons da natureza ou da intervenção humana. Pode ser a chuva a molhar o chão, pode ser a neve para esfriar minha cabeça quente, um miado de um gato, um motor de uns carros de aventura ou a torcida inteira vibrando ao canto de uma vitória no campeonato. Qualquer ruído que passe à frente da minha miséria de homem. ´
Se calhar, meu destino nunca será numa nação-irmã, num abraço-irmão, num aconchego familiar, porque os pilares que me sustentam, apesar de familiares, apesar de metáforas de sangue, são fibras de fácil rompimento, porque a verdade que tenho ocultado de mim mesmo e aos meus, são garantias de uma paz interior dissimulada. O sangue se espalha sobre as coisas, as pessoas e as cartas. Está tudo melado de vermelho intenso, mas, eu sei que brando é o meu limite. Não há fronteiras a ultrapassar porque, simplesmente, meu lugar sempre será um só no universo. Talvez isso diga muito de onde escolhi por terra e não foi o lugar onde nasci. Eu sempre fui um estrangeiro dentro de mim e jamais consigo admitir que tenho vínculos com terras além de um céu azul em que acredito ser o lugar de deus. É, portanto, uma outras mentira bem assimilada para não temer tanto esforço de me olhar no espelho e ver como sou.
Eu não tenho coragem de dizer essas coisas de mim, assim, tem uma incerta tempestade que possui nome e sobrenome, para derramar todas as verdades que, no fundo, é apenas um ponto de vista. Estou cego, enfim, não olhe para mim e esqueça quem sou. É melhor para você, sobretudo nesta etapa que você precisa olhar para o seu destino e não o meu. Faça bem mais de seu caminho do que se limitar esperar pelo cruzamento das nossas vias.

18 de março de 2018

NÃO HÁ VAGAS

Perdi minhas melhores memórias que eu tinha antes dos meus quinze anos, parece, então, que tenho vivido pouco mais da metade da minha vida, um pouco de cada experiência, se eu pudesse fragmentá-la num contador absurdo. É sério, pois digo que gostaria mesmo de resgatar essa lembrança como um debutante cafona em sua festinha cheia das coisas mais ridículas que consigo imaginar. Há coisa mais ridícula que uma festa de quinze anos? Para mim, não. Eu nem sei porque chamam debutante?
Aos quinze anos, fugi de casa. Roubei uns trocados que minha mãe guardava no guarda-roupas da minha irmã. E também seu cartão de crédito (sem saber a senha). Andei às quatro horas da manhã pelas ruas do bairro à espera de um táxi que passasse pela avenida. Apanhei o primeiro e cheguei até a rodoviária. Naquele tempo era tudo mais difícil para se locomover, mais inseguro, quanto à acessibilidade, e mais seguro, porque a cidade era menos violenta.. Eu consegui embarcar no ônibus das nove ou dez horas, já me esqueci--. Nenhum documento; um menor de idade indo para a capital mais próxima de Maceió, desacompanhado, sem autorização legal, sem orientação, perdido.
Na noite anterior, tinha brigado feio com minha mãe, e, como todo adolescente revoltado, fui buscar os adjetivos mais estúpidos, atirei-os nela por trás de uma porta que me separava de uma boas e merecidas porradas. 
Cheguei àquela cidade em pleno movimento de fim de ano. Seria a passagem para um novo... 
Da janela do hotel que eu consegui me hospedar, eu vi os fogos no céu pouco depois de uma ligação telefônica em que minha mãe chorava do outro lado da linha apenas desejando que eu voltasse são, e preocupada o quanto se pode imaginar, ela fez tudo para que eu voltasse bem no outro dia. Esta foi minha festa de debutante, visto que uma semana atrás - eu faço aniversário numa outra data ridícula -, no dia de Natal. 
Todo Natal estávamos na casa de algum parente, comendo aquele monte de guloseima cheia de uvas-passas; as mulheres mais velhas falando de deus; os homens mais velhos embriagando-se e falando de um assunto qualquer. E ali sempre cantávamos os parabéns. Sinceramente, eu sempre achei patético o dia do meu aniversário. Não apenas o de quinze anos. 
Juro que tentei resgatar as boas lembranças agora, não consigo ver os detalhes, nenhum que me animasse. Eu só guardei os pesadelos da minha infância, uma terapia ainda vai me ajudar a descobrir o porquê disso. 
Dessa data para cá, já me lembro de tudo: veio minha tentativa de ser cristão por decisão até o momento em que ultrapassei todas as tentativas e decidi viver sem pecados.
Foram anos de muito estudos, eu consegui um certo destaque nas salas de aulas por que passei. Gostava de ler e crescia para sair daquela fase e entrar na vida adulta cheio de conhecimento. Eu acreditava, honestamente, que tudo se resolveria quando a mobilidade social fosse fruto de meus esforços intelectuais.
Nunca tinha beijado na boca até os quinze anos, nunca tinha namorado, nunca tinha bebido álcool, fumado, nenhum tipo de droga, nada. Até hoje, todas as experiências foram passadas, mas, foi nos estudos, onde me debrucei mais, com aquela gana de um filho de dois trabalhadores cuja honestidade se transmitia como valor, princípio. Ainda que eu tenha abandonado a primeira faculdade. Eu conclui a primeira; depois dela, especializei-me. Veio a segunda que estou para concluir nestes idos balzaquianos. Socialmente, não movi.
Minha família teve certa progressão financeira na Era Lula. Sim, conseguimos sair de um conjunto de apartamentos populares para morar num bairro melhor; conseguimos algumas conquistas materiais, isto nos proporcionou também a realização de alguns desejos pessoais, muito além da medida de cifrões. Meus pais nunca precisaram pagar uma faculdade minha, porque estudei para entrar sempre numa universidade pública. Para nós, nem tanto mérito, apenas uma responsabilidade de dar o retorno por todo o investimento feito em Educação Básica. A isto, devo todas as honras a perene e incansável luta de uma professora, hoje aposentada, minha mãe.
2018. Estou desempregado.
Amanhã concluo com êxito meu estágio em um hotel, foram nove meses de muito aprendizado. Mas NÃO HÁ VAGAS. Brasil está em crise, e eu ainda não fui atrás de nenhum político para pedir favores, tampouco me apadrinhei dessas maneiras mais sórdidas, nem quero. Talvez porque meu ato criminoso, o mais podre de mim ficou nos meus 15 anos, e lá justifico minha inexperiência com a ética. No mais, estou a procura de trabalho, como milhões de brasileiros que, como eu, quero executá-lo com dignidade. Não me importaria com o esquecimento de coisa que vivi até os quinze... Faria, quiçá, tudo outra vez.

4 de março de 2018

Ano tóxico

Nem tudo tem que dar certo. Não há regra. Nem para mais nem para menos. Pode até parecer o mais pessimista dos meus pensamentos, mas não o é. Juro. É o mais incrível que tenho dado a mim como opção de superar palavras enganosas, promessas vis, ventos que sopram baixinho - sinto até a altura do joelho -, tempestades em copo d'água, lobos em pele de cordeiros, sacrifícios de uma moeda pigando num cano longo e de raio longo a perder de vista, uma indução calma e uma leve pluma ante à coceira agonizante nas costas, que pede unhas firmes, forte, para sanar... Sim, superar é olhar para minhas necessidades e preocupações, ver o quão meus gris, que já foram motivo de vergonha, são resultado de uma meta persistente; à altura da minha cabeça pensante, agora, fazem-me entender o quanto me custaram neste espaço todo de tempo, neste espaço todo de gente, nesta hora sozinha, só eu e o tique-taque de um relógio mental. Minha cabeça continua erguida, cada vez mais tingida de cinza, a andar sobre meu corpo.
Fui e voltei. Fiquei um tempo, depois fui por menos tempo e voltei. Se fico? Não sei. Há apostas para todos os lados: nem para mais nem para menos. Eu aposto todos os dias; são jogos invencíveis quando se tratam daquela linha em diante. Eu vim, vi e venci deste lado de cá. Não foi jogo, não foi brincadeira, não tem mais azar ou sorte. Levo a sério cada lágrima e ainda assim esses sorrisos que me roubam algumas pessoas que permito darem graças ao cotidiano, sabem elas que até rio de mim mesmo. Levo a sério o mundo todo e tenho dele uma parte que me cabe confortavelmente onde não estou ainda. Estarei, sabe-se lá quando. Estarei para mim todo o tempo necessário para ires e vires, tanto faz se confortáveis ou não; situações fazem até mudar a direção de muitas vias minhas. Entretanto gosto mesmo do que balança, sacoleja tudo, estremece e eu sinto tudo sem duvidar se é verdade. Sim, porque a sensação de reviravoltas estremecidas não deixa por duvidar. Sentir é mais que tudo, para que argumentos?
Na verdade, sou um homem simples de anseios sofisticados. Argumentos ficam apenas nos meus sonhos. A realidade mostra que, nem maldito nem bendito, sou apenas este que comunga da pragmática cada vez mais comum para quem viu algumas teorias ruírem. Procuro corroborar só para sentir um pouco mais o sabor - pode ainda agridoce ser - da certeza. Não há degustação melhor!
Cultivo bons modos entre meus semelhantes: regras da casa, eu respeito. Se for a dos outros - sempre foi, nunca tive uma todinha só para mim - é uma honra poder entrar e sair de cabeça erguida. Não por orgulho, mas por saber que lá estive e que, certamente, ao convite a voltar, serei bem-vindo. Boas-vindas nunca vão me esconder em porões. Por sinal, sala de visitas pode ser até o quintal, um jardim ou um cantinho no coração que bem-me-quer. Coleciono relações, gosto de pessoas. Das quais não gosto, exercito ao máximo a indiferença. Por que elas vão me incomodar por muito tempo se não preciso cultivar desgosto até minha melhor idade? Chegarei ali? Bem, estou aberto sempre a convites. Aonde quer que eu vá, saberei que sou o mesmo homem disposto a melhorar, a incrementar algo mais... sobre excessos, vou eliminando aos poucos, como um corpo excreta para desintoxicar. Apenas o útil, o necessário e um pouquinho de paciência; eu estou no caminho.
Pode parecer um pouco confuso, mas aprendi com uma leitura que é melhor ser exato e prateado. Ouro em meio à inexatidão é mesmo como dois passarinhos voando. Tenho aqui o meu à mão, não em cativeiro. Seu canto sempre entoa para que eu acorde e esteja pronto para cantarmos juntos, cada qual no seu tom. Todo dia, uma canção; posso, se gostar repetir a mesma em alguns dias interruptos. Hoje, um dia a mais; poderia escrever sobre um dia a menos, mas é a mais, sempre será, porque contagem crescente foi tudo que me fez adulto e vivo. Estou reabilitado; já não acho. A certeza, como disse, é a melhor coisa. Todas as outras dúvidas, a gente inventa, para crer em algo sem nada concreto, voltaria à época de teorias e muitas delas falharam.. Há quem goste, não é problema meu. Tão bom viver aproveitando apenas o contexto... Pois é claro! O corpo excreta o que não serve, ainda que precise forçá-lo a isso.

PS: Impossível não me lembrar do meu último texto, totalmente o contrário desta ideia. 
Desvio de rota, de rotina. Um beijo.

18 de fevereiro de 2018

Briga de cão e gato

Quando começo a sentir cheiro estranho fuça adentro, do homem rancoroso e amargo que me tornei, igual cachorro desconfiado, de raça de origem duvidosa, arrepiam-me os pelos da alma e expiro a má sorte de novamente farejar estranhezas malditas, como também pretextos que o azar impõe em suas faces brandas. Diz-me logo o equívoco de tua casta! Sou o ouvido imperfeito, embora atento, mas, quanto ao ofato, de longe alcanço o faro canino, porque só me restou, em pé de igualdade, a desconfiança, já que me traiu o apurado cheiro de outros animais. 
Não sou tampouco da família dos canídeos, e, aliás, prefiro felinos, que, embora pérfidos - se há doze anos conheço o meu filhote adotivo, não fujo à expertise de um pai convicto -, são bons exemplos de caça e bote à hora certa. 
Quando tentei domesticar-me nos silos profundos da consciência, ficou um pouco da minha selvageria nas garras aparadas por pequena ética; sim, a etiqueta que minhas senhoras passaram em graus evolutivos até quase agora, próximo ao lobo que em alguns anos me tornarei, faz-se polido mais que o necessário, até; no entanto, ensino bom me vem às pressas da fome, da sede e duma fisiologia medonha, fico pulando nos galhos, entro no dilema de uma briga de cão e gato, porém sempre preciso suprir a necessidade prioritária. Não há aura, embora brisa boa mata dia a dia minha confiança em sortilégios, venho a ser humano em dois minutos de garantia. Espiritualista da casa dos sem-paz, recuso-me a recorrer às fontes de bênçãos enquanto encho minhas mãos com o estoque para o resto do dia. Fome não mais passo, pelo menos por ora; e a sede, ao me encontrar em nervos à flor da pele, tal qual um gato lambendo todo o corpo, sacio, de verdade, a boca seca de sorrisos roubados. Quanto às outras necessidades, costumo dormir algumas horas e esperar o tempo delas.
Desta vez, encontro em estado de ronrono. Aproveita a calmaria da noite e já chegue fazendo um carinho na pelugem, pois aqui até que veio a aragem para encerrar a circunstância. Se eu latir, não me leves a mal, um pouco de esquizofrenia me coube como instinto de defesa, fingimento e própria estima. Preserva também este ambiente de boa vizinhança, porque as cercanias estão tão incrédulas quanto eu e todos os bichos sempre vão entrar no modo de sobrevivência... A que ponto chegamos! Não gosto de especular esta qualidade, ela seria como o sentimento que dizem por aí: alguns de nós pressentem a chegada de desastres naturais. Dá medo só de pensar o caminho até o fim sem arca alguma para que todos nós caibamos de uma só vez, ao menos um par de ímpares. Mas esta história passa por mitos que eu nem vou me alongar; voltaria ao idos da minha última fé e duvido grandemente que saíamos menos ilesos do que a cadeia natural já nos legou. De qualquer forma, ainda bem que acredito na evolução das espécies, pois não é à toa que estive sentado alguns minutos refletindo sobre este dilema todo de ser apenas um animal, qualquer um que seja.
 

15 de fevereiro de 2018

Poeira

Ana Beatriz,

Estava aqui pensando como falar de muitas coisas para ti, uma menininha de apenas cinco anos, a quem, por devoção e único amor sem propósito desta década advém como uma avalanche de razões para que eu siga em frente neste caminho com algumas curvas sinuosas, faz-se de tão pouco, que ainda tenho a contar nos dedos alguns outros motivos, tudo que é motivo para não caber algum mais.
A última vez que chegaste a mim e perguntaste sobre "aquela conversa que só nós dois conversamos", eu tive que te falar que não era mais o momento, e que deixaria para outro dia. Um abraço encerrou o dia em que, quando vais, já não há mais o turbilhão de amor in loco, e volta o "ai", de tanto repetido, deixa-me em dúvida pelo ditongo decrescente, em que eu poderia acrescentar o acento agudo e transformar no hiato que me separaria da dor e me levaria aí, ao teu lugar, este que encontro todas as maneiras, razões menos breves, cada detalhe de um ser e, como se não bastasse, a sinalização do caminho que uma velha amiga chavista continuamente me diz pa'lante y naa'mas. Sou afeito às línguas, já sabes, com minha a feroz e, sempre, entediada serve de busca tua para me pedir treino de novas palavras. Eu simplesmente encho o peito de alegria ao saber que confias em mim e me tens como um mestre das coisas tolas, das brincadeiras cibernéticas e da seriedade que pouco a pouco já estás entendendo.
Esta noite pensei em explicar de uma forma mais lúdica sobre poeira e pedras, para que saibas que  grãos, quando há coalizão, podem ser objeto para que sobre o tempo, ou uma folha de papel, faça o peso, segure, confluam ou divirja, mas, jamais, colida. Posso te ensinar a tacar a pedra longe, ou percebas a força dela sobre o papel e até diferenças. Posso pedir para que guardes, em tua própria necessidade de um dia ter o peso junto às tuas mãos cada vez mais fortes, e te defendas.
Só que, linda menina, eu preciso parar e pensar melhor como explicar na efemeridade da poeira, se solta ao vento, mas que tão reticente ou resistente, possa significar, como um maniqueísmo simplista, ir incrédula ou ficar para soprar aos olhos cruéis uma cegueira repentina. Incomodar é um dom de poucos; acho que é o teu, mas no bom sentido. Incomodar para tirar mais do que um vento pode soprar e acusarem trivialmente o destino, a quem costumam dar conta de resolver toda a situação, dando-lhe apenas a competência sem nos deixar contrapor. Põe-te, aqui, sempre que quiseres contrapor algo, estou a ouvidos ansiosos para escutar tuas razões pequeninas, mas saberás um dia de qual poeira que falo. Sabes, os grãos numa mão aberta cheia de vontade pode fazer milagres desses que em minhas três décadas ainda não vi. E porque fechei a mão, tenho o porquê, querida: ainda não quero te acenar em despedida. Essas mãos fechadas minhas guardam a poeira dos meus dias em cada terra por onde andei, trouxe um pouco de pó do chão, pois sou de terra.
Minha língua sempre há de dizer muitas coisas, sabendo que confias. Vamos, então construir muitas tempestades, vamos causar litometeoro, desconstruir algumas ideias desaguadas, lamacentas, escorregadias, porque, já faz tempo, percebi o quanto és filha da terra, poeira incômoda nos olhos estúpidos de um bocado de ignorantes.

10 de fevereiro de 2018

Caeté

Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha, com algumas diferenças. Um caeté de olhos azuis, que fala português ruim, sabe escrituração mercantil, lê jornais, ouve missas. É isto, um caeté. Estes desejos excessivos que desaparecem bruscamente... Esta inconstância que me faz doidejar em torno de um soneto incompleto, um artigo que se esquiva, um romance que não posso acabar... O hábito de vagabundear por aqui, por ali, por acolá, da pensão para o Bacurau, da Semana para a casa de Vitorino, aos domingos pelos arrabaldes: e depois dias extensos de preguiça e tédio passados no quarto, aborrecimentos sem motivo que me atiram para a cama, embrutecido e pesado... Esta inteligência confusa, pronta a receber sem exame o que lhe impingem... a timidez que me obriga a ficar cinco minutos diante de uma senhora, torcendo as mãos com angústia... Explosões súbitas de dor teatral, logo substituídas por indiferença completa... admiração exagerada às coisas brilhantes, ao período sonoro, às miçangas literárias, o que me induz a pendurar no que escrevo adjetivos, que depois risco...
Diferenças também, é claro. Outras raças, outros costumes, quatrocentos anos. Mas no íntimo, um caeté. Um caeté descrente.
Descrente? Engano. Não há mais crédulo que eu. E esta exaltação, quase veneração, com que ouço falar em
artistas que não conheço, filósofos que não sei se existiram!
Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo - uma estrela no céu, algumas mulheres na terra...


Texto extraído de: Caetés, Graciliano Ramos

9 de fevereiro de 2018

Cuide de você

Sophie,

Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito.
Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as “outras”, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas.
Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e “generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você.
Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as “outras”. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar.
Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.
Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.
Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.
Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.
Cuide de você.
G

Texto reproduzido de Prenez Soin de Vous (CALLE, Sophie)

30 de janeiro de 2018

Convida

Alguma justificação precede mentira
Ela, novamente, advinda da culpa,
Reafirmada com tantos porquês,
Para quê? - pergunto eu - se não te peço,
Se não creio em pecado, então não peco,
Mas me perco, cá, em um por cento,
Quase nada, nada ou até um terço.

Metade de mim, que já foi a fim,
Chegou ao fim, intranquilo, perdido de mim;
Metade de mim que se foi, ali;
Encontrado num despropositar,
E propositalmente, depois, recomeço
Encontrando um cuidado de outro "e se..."
Sobram de mim duas metades que já sei juntar .

Sou inteiro, verdadeiro, ainda que omisso,
De quando em vez, eu meço milimetricamente
Meu juízo de trinta e seis responsabilidades.
Logo neste janeiro que custa acabar
E fevereiro chegar: para ver outro mês?
Para vir outra vez, o completo de mim,
Para me ofertar a mim e a quem mais?

Neste mundo de uma cidade só,
Da minha cidade; do natal do ser que escreve
Em si as linhas para que leiam:
Avulso, interessado, interessante, determinado
Deus, diabo, coisinha confusa, sem-glória;
Ser diferente de mim e com sua história.
Amanhã nunca será tarde para ouvir e menos falar.

Ganhei grande presente esse dia, sei lá qual foi...
Mas só de ser presente, estar presente, já é muito mais,
Já é muito melhor que passado e culpa.
Futuro, já não sei se: janeiro, fevereiro, março...
Dia chega sempre para viver mais um.
Não quero nada mais que isso:
Após hoje, deito, e amanhã vem outro.
Eu já espero que outro venha. E vou convidar.

25 de janeiro de 2018

Ela sempre vai entender

Minha adorável criança, me permita ser piegas, me deixe desnudar de minhas vestes sujas do dia em que lobos devoradores morderam meu corpo inteiro e que os sapos degolados esperando se afogarem no sangue de suas próprias gargantas dentro da minha garganta, obrigada a os engolir de fé e de propósito, balançaram meu estômago, como de praxe. Tudo hoje me fez esquecer a gramática normativa, mandar se foder a fundamentação taxativa, deixar a língua ferrenhamente choramingona entre meus dentes rangentes de dor e um pouco de piedade de todos nós; um dia qualquer feito um traço a lápis, naquela folha arrancada do meu caderno onde apenas você escreveu meu apelido, nunca mais será qualquer coisa feita. Nada está pronto. Minha pequena galáxia de mundos completos de coisas que brilham da sua luz neste coração esplêndido. Eu quero misturar o mais puro cacau ao leite da pedra que estava no meu caminho da quarta-feira e adoçar com minhas lágrimas que derramam o amor que cresce em mim cada dia por ter uma nova amiga crescendo e olhando, viva, nos meus olhos... quanta graça a vida sem merecimento e eu ganhei você de presente até no dia em que só pude retribuir sua grandeza com meu enorme abraço e goles de chocolate, pois já cantaram que dele o amor é feito. Há espaço de sobra para que você caia livre e vá de uma a outra ponta das mãos neste território que abro a você com meu caminho de toda vida: cabe você e só você sabe o calor verdadeiro que ninguém talvez tenha experimentado. Vou acordar todo dia com esta vontade de ouvir qualquer coisa que você diga, e responder a qualquer pergunta que você faça, deixando sê-la singular a mim, no plural de todos nós, diversos nós a desatar com a força das nossas mãozinhas. Estarei sorrindo no dia que você queira me fazer uma "trollagem", menina, pois eu adoro quando você fala dessas tecnologias banais emprestadas à fala, como o sujeito mais importante da oração que me nego a repetir desde alguns anos atrás, eu, eu talvez às vezes me esqueça de mim, mas jamais de você. Se eu me calar por necessidade no momento em que o silêncio foi apregoado pelo arauto da sala de estar, não estando... Então virá gás que dá entusiasmo, me fará respirar seu cheiro bom, sentir a cabeça doer e ainda me render a lhe dizer algumas palavras doidas. Não seja apenas uma princesa, por mais linda que esteja posta no castelo, mas saiba que os braços continuam abertos, na casa simples, mas que pode saber que é sua e jamais irá à leilão, nem cobiçada por quem não vê que o rei está nu. Casa minha e sua; nosso lar é maior que uma bíblia inteira de promessas caducas, de nojos que indesejados ventos sopram ao seu ouvido. Quero com você deitar, agora, ouvir sopros de sonhos que, na verdade, nunca morreram, mesmo que tenham me matado três dias seguidos. Eu sonho por nosso carinho inocente, pois não sou pai, sou irmão em nosso conceito de alma densa e plena, tipo, polos atraídos de tudo que for grande e nada nos alcance. Quem quiser invadir nosso terreno que suporte, então, seu próprio peso sobre esse chão que só nós dois sabemos de que matéria se constitui. Pisa com força, miúda moça; torça comigo, que eu oscilo, mas nenhum abalo sísmico fará que eu desista de mim e de você. Nunca. Tá entendido, Bia?!

16 de janeiro de 2018

"Nesse cansaço da vida que passa por mim"

Ah, se acreditas ainda em alquimia, sorte a tua! Azar, mesmo, é estar na Medievalidade, onde a mística converte toda a sua sabedoria a fim de te prometer um derramamento dourado sobre tua vida cor de sabe-se-lá-o-quê! Teu destino é viver neste legado até o fim dos dias: banho-Maria. Limpa-te de toda a bijuteria presenteada por umas declarações momentâneas, à oportunidade valorosa da joia rara a qual está a pouco centímetros de uma miçanga.
"Não há almoço grátis", pensei nisto esses dias, até pelo teu trabalho te pagam para o compromisso imediato, para que tenhas à mão este escambo de papel ou plástico com um chip que, se tiveres sorte, vem reluzente e enganador, como tudo que reluz, sempre. Podes pensar nas pérolas, nas pedras preciosas ou no tesouro onde piratas há tempos esconderam dos donos obcecados e um tanto quanto danosos, tais quais os piratas, os sacerdotes eos alquimistas. Quem sabe ainda agradeças a Constantino por alguma coisa interessante para a posteridade, no caso, agora.
Se fores mais detrás da pedra filosofal, descobrirás que és um tribal metalizado. Esta obsessão constante, até antes de Constantinopla, por brilho, porque brilhar tem sido o sinal mais coerente desde a invenção do fogo. Dele, a luz veio para fazer sombras dos mitos, inebriar uma caverna inteira ou queimar senhoritas pagãs, um tempo depois, sob égide de um conhecimento materno de minha própria língua, esta última flor fascista com a qual fui doutrinado, dos escritos do Malleus Maleficarum Maleficat & earum haeresim, ut framea potentissima conterens, um assassino tão fascista, sexista, machista, racista, periculoso e opressor quanto a língua sobre a qual Barthes ensaiou. Ainda que eu falasse iorubá, como um nagô vencedor sobre o português escravista que aqui invadiu, matou também o tupi-guarani, disputou com a menos evoluída do Lácio na Península Ibérica, e nos deixou marcas além da nossa comum próclise, no português brasileiro. 
Qual seja o livro que reja uma vida rija de fonte, de contos e alucinações... Que tal acreditares que Davi derrotou Golias, mas hoje ninguém consegue derrubar Temer ou sair ileso após às dezoito horas? O cansaço da vida passa por todos os caminhos físicos que um sobrenatural aí criou ou, contradito, na Seleção Natural, que afinal, finda na mesma hereditariedade que me impôs a língua portuguesa para sobreviver ou pedir um x-burger antes de ser devorado por uma reprodução diferenciada. Antes que seja "voilá", haja  "top" entre nós para entender melhor Darwin. 
Amém? Saravá!

8 de janeiro de 2018

Feminino

Luciana,

Perdoa-me este sono tardio, perdão também por um português meio arcaico, que já me julgaram purista da gramática, como sabes. No entanto eu precisava escrever-te algo assim, do jeito mais debochado do fundo da minha arrogância quase morta para os confins de uma união de mais de uma década em que nos reconhecemos sempre um no outro da forma diferente que somos mas convém amar a diversidade desta maneira que nós tanto conversamos.
Pensar no feminino, sem consultar o substantivo sagrado, por fazer valer a força que ele tem em grande valorização, a me fazer pensar na minha mãe, na minha irmã e na minha sobrinha; a fazer continu; continuemos assim no meio deste trânsito oposto todo a soprar tanta estatística oprimente às mulheres, e também aos homens afeminados, por trazerem do gênero feminino características que, por aí, costumam dar menor valor no mercado, no antimercado, em todas as facetas que os negócios se nos chegam com um disfarce terrível e devorador, com o resumo a palavra "preconceito".
Sei - e nunca vou discordar de ti - que o patriarcado, junto às moedas de troca, tem feito de nós pessoas mais ansiosas e problematizadoras, porque é urgente. Porque dói e, sobretudo, mata. Na violência que pode começar com a voz e terminar nos atos de crueldade contra todas os sufixos geralmente terminados por "a". Já notaste que quando fazem dos grupos, quando a língua se refere a eles, deste último, mais comum, a fazer das aglomerações, de pessoas ou coisas, o substantivo masculino? Sejam eles, novamente eles, advogados, bandidos, monarcas (ainda que termine com a letra "a"), empregados, desempregados, servidores, mesmo que seja 99,99% mulheres e 0,01% homem, o gênero sempre será o feminino numa ditada e promulgada por: homens. Continua, Luciana. Mesmo que te bata o medo do assédio, da violência, fazer parte de uma estatística medonha, que denuncia ao passo que nada muda. Queima este sutiã todos os dias! Abra a boca com um bom "caralho!" pronunciado, ainda que te digam quão feio é um palavrão sair da boca de uma mulher. Fala como uma mulher, pensa como uma mulher e resiste sempre, porque é o que nos resta e eu me apoio sobre tua causa, que me carregue ela pelos caminhos de um homem melhor que eu possa sempre me tornar para meus... digo, minhas queridas pessoas - para usar o feminino - das quais neste últimos dias foi à tua presença que conversamos sobre futilidades, amenidades, mas nunca esquecemos das verdades políticas, nosso compromisso, por pensar e querer pensar sobre - e sim - em demasia, porque fica tarde em 2018 ainda estarmos em sei lá qual ano mental nesta sociedade! Eu sei que a dor de ser homem, nem sei se ainda usam o termo "terceiro-mundista", portador de várias dificuldades; poderia elencar todas elas e desnudar a real pessoa que sou, mas acadêmica, a palavra-símbolo de nosso orgulho, faz na gratidão que olhamos pelo retrovisor da vida e sabemos que somos hoje, balzaquiano e balzaquiana, eu, cá com minha melancolia de sempre, respiro um pouco nesta terra onde o calor me sufoca e me faz suar, querer um pouco de ar fresco sem o ter, sob efeito de dois miligramas de dignidade furtada da minha mãe. Sinto meu corpo descansar numa madrugada quente, sinto minha mente relaxar forçadamente. Sim, celebrando o teu sono anunciado duas horas atrás, venho cá, preencher-te numa caixa de texto branca com as ideias fluindo, cada vez mais lentas, desejar-te serotonina, continuação e parceria, uma tríade do gênero feminino para que alcancemos, quem sabe, não todo o fim de uma luta que já se arrasta com sangue, esôfagos cortados, cenas de estupros, mais estatísticas do governo e outras situações às cegas por muita ignorância aplaudida e cantada pelo próximo hit de carnaval que trará o evento mais uma depreciação em festa do corpo e da alma de uma dama. Fevereiro é já, já. Mas são vários dias do ano além de momesco letal, pagão e perpétuo nos mesmos erros.
Eu vou me deitar e pensar em ti. Neste dois dias em que, na minha solidão em casa, deste tua companhia tão inteligente, provocativa e risonha, mas com os dentes a ranger com este ódio que comprometido está em minhas ideias que articulam a produção dos meus sons, no aparelho fonador, e nos dedos nervosos, que já se estressaram com rasos conceitos e sentimento, a completar e inciar o oitavo dia do anos 2018 com o símbolo infinito para a luta da finitude dessas questões que nossa companhia tanto partilhou do meu e do teu coração em confluência. Para todas as ideias, continuemos o fluxo, mas jamais por nada nem tão pouco, tampouco repetir olhares turvos às vítimas que se alinharam ao patriarcado e deixaram de viver, comigo e contigo, outro conceito muito além da felicidade de uma publicação numa rede social.
A guerra é para estar bem; a felicidade, já sabemos e deixamos para quem mergulhar no mercado que lhes vende e embrulha para presente um mimo de ignorância.