18 de março de 2018

NÃO HÁ VAGAS

Perdi minhas melhores memórias que eu tinha antes dos meus quinze anos, parece, então, que tenho vivido pouco mais da metade da minha vida, um pouco de cada experiência, se eu pudesse fragmentá-la num contador absurdo. É sério, pois digo que gostaria mesmo de resgatar essa lembrança como um debutante cafona em sua festinha cheia das coisas mais ridículas que consigo imaginar. Há coisa mais ridícula que uma festa de quinze anos? Para mim, não. Eu nem sei porque chamam debutante?
Aos quinze anos, fugi de casa. Roubei uns trocados que minha mãe guardava no guarda-roupas da minha irmã. E também seu cartão de crédito (sem saber a senha). Andei às quatro horas da manhã pelas ruas do bairro à espera de um táxi que passasse pela avenida. Apanhei o primeiro e cheguei até a rodoviária. Naquele tempo era tudo mais difícil para se locomover, mais inseguro, quanto à acessibilidade, e mais seguro, porque a cidade era menos violenta.. Eu consegui embarcar no ônibus das nove ou dez horas, já me esqueci--. Nenhum documento; um menor de idade indo para a capital mais próxima de Maceió, desacompanhado, sem autorização legal, sem orientação, perdido.
Na noite anterior, tinha brigado feio com minha mãe, e, como todo adolescente revoltado, fui buscar os adjetivos mais estúpidos, atirei-os nela por trás de uma porta que me separava de uma boas e merecidas porradas. 
Cheguei àquela cidade em pleno movimento de fim de ano. Seria a passagem para um novo... 
Da janela do hotel que eu consegui me hospedar, eu vi os fogos no céu pouco depois de uma ligação telefônica em que minha mãe chorava do outro lado da linha apenas desejando que eu voltasse são, e preocupada o quanto se pode imaginar, ela fez tudo para que eu voltasse bem no outro dia. Esta foi minha festa de debutante, visto que uma semana atrás - eu faço aniversário numa outra data ridícula -, no dia de Natal. 
Todo Natal estávamos na casa de algum parente, comendo aquele monte de guloseima cheia de uvas-passas; as mulheres mais velhas falando de deus; os homens mais velhos embriagando-se e falando de um assunto qualquer. E ali sempre cantávamos os parabéns. Sinceramente, eu sempre achei patético o dia do meu aniversário. Não apenas o de quinze anos. 
Juro que tentei resgatar as boas lembranças agora, não consigo ver os detalhes, nenhum que me animasse. Eu só guardei os pesadelos da minha infância, uma terapia ainda vai me ajudar a descobrir o porquê disso. 
Dessa data para cá, já me lembro de tudo: veio minha tentativa de ser cristão por decisão até o momento em que ultrapassei todas as tentativas e decidi viver sem pecados.
Foram anos de muito estudos, eu consegui um certo destaque nas salas de aulas por que passei. Gostava de ler e crescia para sair daquela fase e entrar na vida adulta cheio de conhecimento. Eu acreditava, honestamente, que tudo se resolveria quando a mobilidade social fosse fruto de meus esforços intelectuais.
Nunca tinha beijado na boca até os quinze anos, nunca tinha namorado, nunca tinha bebido álcool, fumado, nenhum tipo de droga, nada. Até hoje, todas as experiências foram passadas, mas, foi nos estudos, onde me debrucei mais, com aquela gana de um filho de dois trabalhadores cuja honestidade se transmitia como valor, princípio. Ainda que eu tenha abandonado a primeira faculdade. Eu conclui a primeira; depois dela, especializei-me. Veio a segunda que estou para concluir nestes idos balzaquianos. Socialmente, não movi.
Minha família teve certa progressão financeira na Era Lula. Sim, conseguimos sair de um conjunto de apartamentos populares para morar num bairro melhor; conseguimos algumas conquistas materiais, isto nos proporcionou também a realização de alguns desejos pessoais, muito além da medida de cifrões. Meus pais nunca precisaram pagar uma faculdade minha, porque estudei para entrar sempre numa universidade pública. Para nós, nem tanto mérito, apenas uma responsabilidade de dar o retorno por todo o investimento feito em Educação Básica. A isto, devo todas as honras a perene e incansável luta de uma professora, hoje aposentada, minha mãe.
2018. Estou desempregado.
Amanhã concluo com êxito meu estágio em um hotel, foram nove meses de muito aprendizado. Mas NÃO HÁ VAGAS. Brasil está em crise, e eu ainda não fui atrás de nenhum político para pedir favores, tampouco me apadrinhei dessas maneiras mais sórdidas, nem quero. Talvez porque meu ato criminoso, o mais podre de mim ficou nos meus 15 anos, e lá justifico minha inexperiência com a ética. No mais, estou a procura de trabalho, como milhões de brasileiros que, como eu, quero executá-lo com dignidade. Não me importaria com o esquecimento de coisa que vivi até os quinze... Faria, quiçá, tudo outra vez.

4 de março de 2018

Ano tóxico

Nem tudo tem que dar certo. Não há regra. Nem para mais nem para menos. Pode até parecer o mais pessimista dos meus pensamentos, mas não o é. Juro. É o mais incrível que tenho dado a mim como opção de superar palavras enganosas, promessas vis, ventos que sopram baixinho - sinto até a altura do joelho -, tempestades em copo d'água, lobos em pele de cordeiros, sacrifícios de uma moeda pigando num cano longo e de raio longo a perder de vista, uma indução calma e uma leve pluma ante à coceira agonizante nas costas, que pede unhas firmes, forte, para sanar... Sim, superar é olhar para minhas necessidades e preocupações, ver o quão meus gris, que já foram motivo de vergonha, são resultado de uma meta persistente; à altura da minha cabeça pensante, agora, fazem-me entender o quanto me custaram neste espaço todo de tempo, neste espaço todo de gente, nesta hora sozinha, só eu e o tique-taque de um relógio mental. Minha cabeça continua erguida, cada vez mais tingida de cinza, a andar sobre meu corpo.
Fui e voltei. Fiquei um tempo, depois fui por menos tempo e voltei. Se fico? Não sei. Há apostas para todos os lados: nem para mais nem para menos. Eu aposto todos os dias; são jogos invencíveis quando se tratam daquela linha em diante. Eu vim, vi e venci deste lado de cá. Não foi jogo, não foi brincadeira, não tem mais azar ou sorte. Levo a sério cada lágrima e ainda assim esses sorrisos que me roubam algumas pessoas que permito darem graças ao cotidiano, sabem elas que até rio de mim mesmo. Levo a sério o mundo todo e tenho dele uma parte que me cabe confortavelmente onde não estou ainda. Estarei, sabe-se lá quando. Estarei para mim todo o tempo necessário para ires e vires, tanto faz se confortáveis ou não; situações fazem até mudar a direção de muitas vias minhas. Entretanto gosto mesmo do que balança, sacoleja tudo, estremece e eu sinto tudo sem duvidar se é verdade. Sim, porque a sensação de reviravoltas estremecidas não deixa por duvidar. Sentir é mais que tudo, para que argumentos?
Na verdade, sou um homem simples de anseios sofisticados. Argumentos ficam apenas nos meus sonhos. A realidade mostra que, nem maldito nem bendito, sou apenas este que comunga da pragmática cada vez mais comum para quem viu algumas teorias ruírem. Procuro corroborar só para sentir um pouco mais o sabor - pode ainda agridoce ser - da certeza. Não há degustação melhor!
Cultivo bons modos entre meus semelhantes: regras da casa, eu respeito. Se for a dos outros - sempre foi, nunca tive uma todinha só para mim - é uma honra poder entrar e sair de cabeça erguida. Não por orgulho, mas por saber que lá estive e que, certamente, ao convite a voltar, serei bem-vindo. Boas-vindas nunca vão me esconder em porões. Por sinal, sala de visitas pode ser até o quintal, um jardim ou um cantinho no coração que bem-me-quer. Coleciono relações, gosto de pessoas. Das quais não gosto, exercito ao máximo a indiferença. Por que elas vão me incomodar por muito tempo se não preciso cultivar desgosto até minha melhor idade? Chegarei ali? Bem, estou aberto sempre a convites. Aonde quer que eu vá, saberei que sou o mesmo homem disposto a melhorar, a incrementar algo mais... sobre excessos, vou eliminando aos poucos, como um corpo excreta para desintoxicar. Apenas o útil, o necessário e um pouquinho de paciência; eu estou no caminho.
Pode parecer um pouco confuso, mas aprendi com uma leitura que é melhor ser exato e prateado. Ouro em meio à inexatidão é mesmo como dois passarinhos voando. Tenho aqui o meu à mão, não em cativeiro. Seu canto sempre entoa para que eu acorde e esteja pronto para cantarmos juntos, cada qual no seu tom. Todo dia, uma canção; posso, se gostar repetir a mesma em alguns dias interruptos. Hoje, um dia a mais; poderia escrever sobre um dia a menos, mas é a mais, sempre será, porque contagem crescente foi tudo que me fez adulto e vivo. Estou reabilitado; já não acho. A certeza, como disse, é a melhor coisa. Todas as outras dúvidas, a gente inventa, para crer em algo sem nada concreto, voltaria à época de teorias e muitas delas falharam.. Há quem goste, não é problema meu. Tão bom viver aproveitando apenas o contexto... Pois é claro! O corpo excreta o que não serve, ainda que precise forçá-lo a isso.

PS: Impossível não me lembrar do meu último texto, totalmente o contrário desta ideia. 
Desvio de rota, de rotina. Um beijo.