8 de abril de 2020

Sobre saudade

Sobre saudade, algumas coisas pontuais: alguns textos com pontos finais, vírgulas; cartas com remetente dito e certo; o português convalido até na voz que expõe a menos de dois metros de distância, numa circunstância que favorece ao pé de orelha. Alguns nomes anunciados sob o convite à Garça Torta; um canga de praia forrada na areia e os risos dos outros rapazes veranistas no terreno todo pintado de branco com um verde ao fundo; no canto superior da imagem, o azul bem-mais-azul do que todos os azuis já vistos. Alguns abusos: da Bia querendo a atenção a si e todo o planeta redondo dando voltas em torno de sua luz própria, a menina-sol, quando já eu fazia quarentena num quarto escuro por dois anos de vida. Apenas existindo. Saudade dos abusos de uma mãe solitária e testemunha daquela agonia. Não faltava uma preocupação: era em excesso, e valia. Eu tinha um posto só pra mim, nas noites em que a sede e a solidão decidiam sair de mãos dadas à esquina, e ali eu fui conhecendo as mais diferentes divagações, todas legítimas; umas absurdamente desprezíveis; outras, de guardar com todo o cuidado da memória e preencher linhas de tornar gente simples em herói, mesmo que de uma noite em que a sede se saciou, foi embora, ao egoísmo do imediato, e a solidão continuava transeunte no raio de poucos metros. Alguns diálogos fecundos; de 'bom dia' embrionário, dali a tanto ou a um bocado, nascia mais uma companhia. De algum 'bom dia' com direito à resposta com mesmos adjetivo e substantivo, por educação, que seja, mais por humanidade. Saudade de alguns poucos nomes que deixei e que não me deixam esquecer; tão poucos que na minha agenda de chamadas sempre estão presentes, os mesmos, repetidos, leais, do mesmo jargão, recíproca é verdadeira, sabe? Alguns que vão e vem, assim como venho e vou, mas estamos indo todos nós e sempre haverá uma vontade grande de dividir um café com cuscuz à mesa, e não há mais tristeza se a barriga está cheia e o coração preenchido.