13 de outubro de 2012

Eu matei um gato

Acho que tinha aproximadamente dez anos de idade. Era uma criança muito inconformada e precisava dispersar minha ira com algo que fosse mais frágil do que eu. Achei aquele gatinho e o atirei do terceiro andar de um prédio residencial. Lá embaixo havia um partícipe. Não lembro mais quem era meu amigo, mas ele queria comprovar se havia sete vidas naquele animal. Ele não morreu. No entanto, todo ferrado, ficou calminho, e com algumas partes detonadas esperando angustiadamente o que aconteceria depois daquela tortura que se escondia na ingenuidade de uma criança transtornada. Depois eu e meu amigo ficamos jogando de um lado pra o outro do muro de uma creche o gatinho, até ele morrer.
Sempre achei que um dia pudesse escrever essa confissão, muito triste pra mim, mas depois disso, eu tomei a vergonha de um crime, da maldade, menos triste do que as pessoas fazem umas com as outras mais frágeis. É um trauma que carrego comigo. Na verdade, sou aquele gato e fiz com ele o que acho que o mundo faz consigo mesmo. Tenho a necessidade de desmanchar essa memória, porque hoje sou apaixonado por muitos animais, sobretudo os felinos. Já criei muitos da minha adolescência até o começo da minha fase adulta.
Laura, um desses animaizinhos, achei na rua, trouxe pra casa e cuidei dela até o dia em que precisamos levá-la ao veterinário pra sacrificar, porque ela já estava velha e tomada por alguma doença pela qual não permanecia muito tempo em pé. Só na minha casa, ela tinha dado crias umas cinco vezes; e como era livre para sair, sempre voltava, sequelada, da rua.
Não consigo descrever a dor que tenho ao lembrar que eu já fui mentor e autor da morte de um animal indefeso; dor que não abstrai minha culpa por ter sido tão perverso e cruel como na infância, especialmente naquela situação que me martiriza até hoje, só em lembrar.
No ano passado assisti a Irmão Sol, Irmã Lua e me emocionei com a história de São Francisco. A canção principal até hoje, às vezes, ecoa na minha mente. Ele é o santo que os católicos acreditam ser o protetor dos animais... Estou sentindo que cada vez está mais confusa minha cabeça. Em alguns momentos, cheia de sons, miados sem apelo discreto, as palavras cortantes que ouvi de um amor sem razão de tempo, os toques escolhidos no aparelho celular e até mesmo as versões musicais mais escrotas que fazia de passatempo. Isso é confusão; é a única coisa que me resta de esperança em alcançar algo que não carregue o peso de ser imperfeito e de ter matado um gato.
Quem já leu Clarice Lispector pode lembrar com mais facilidade da metáfora construída em versos, em que norteia, dentro do túnel escuro, o caminho àquela luz do fim. Entre os ruídos, relembro e, aos outros, apresento, para concluir meu desabafo:

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

8 de outubro de 2012

O imperador está nu!


Fui buscar no conto de Hans Christian Andersen uma explicação que pudesse dizer do resultado das eleições municipais em Maceió. Em As novas roupas do Imperador encontrei a razão dessa cegueira que atingiu a população em nome da confabulada mentira que cristalizou a identidade de mudança da era Cícero Almeida, o prefeito forrozeiro, para Rui Palmeira, o vaidoso imperador.
Nossa cidade sempre recebe visitantes e seus gestores ultimamente têm se dedicado às questões turísticas com afinco, para manter a vaidade daquele império de belezas naturais (só isso). Maceió e seu imperador ocupa seu tempo se vestindo, em vez de cuidar dos seus súditos e frequentar reuniões com seus ministros, a fim de mudar uma cidade por completo, oferecendo à população uma vida melhor, mas o imperador estava preocupado com outras questões.

Na capital em que ele vivia, a vida era muito alegre; todos os dias chegavam multidões de forasteiros para visitá-la, e, entre eles, certa ocasião chegaram dois vigaristas. Fingiram-se de tecelões, dizendo-se capazes de tecer os tecidos mais maravilhosos do mundo.
Os vigaristas se acomodaram na cidade, trabalhariam incansavelmente na campanha política, tecendo os tecidos mais maravilhosos do mundo para que no dia 7 de outubro, o imperador pudesse mostrar aos seu povo suas magníficas roupas.
Para tanto o imperador tomou uma atitude determinante
Entregou a um dos tecelões uma grande quantia como adiantamento, a fim de que o dois pudessem começar imediatamente com esperado trabalho.
Os dois vigaristas prepararam os teares e fingiram entregar-se ao trabalho de tecer mas o certo é que no mesmo não havia nenhum fio nas lançadeiras. Antes de começar pediram uma certa quantidade da seda mais fina e fio de ouro da maior pureza e guardaram tudo em seus alforjes e depois começaram a trabalhar, isto é, fingindo fazê-lo, com os teares vazios.
Neste trabalho até a vitória, o desfile do imperador havia um porém que intimidava o legado que a cidade ficou: o descaso. E o resultado disso separava duas qualidades que fariam com que as possuísse não vissem as novas roupas, com seu  pomposo tecido, determinante.
E não somente as cores e os desenhos eram magníficos como também os trajes que se faziam com aqueles tecidos possuíam a qualidade especial de serem invisíveis para qualquer pessoa que não tivesse as qualidades necessárias para desempenhar suas funções e também que fossem muito tolas e presunçosas.
Havia um costume provinciano que ainda persistia na vida daquela população, o fato de cada um se preocupar com a vida íntima do outro, do vizinho ao parente. Importavam-se mais com as particularidades de cada um do que com a vida e a coisa pública, porque isso era até uma opção de entretenimento para uma cidade onde seu imperador não oferecia entretenimento mais rico do que a belíssima orla que a natureza já lhe tinha dado. No entanto, agora, com o advento das novas roupas, existia mais uma opção de lazer que viria no final daquele domingo, quando o imperador desfilaria a mostrar as qualidades daquela vestimenta.
Todos os habitantes da cidade conheciam as maravilhosas qualidades do tecido em questão, e todos, também, desejavam saber, por esse meio, se seu vizinho ou amigo era um tolo.
No dia 7 de outubro, os trajes ficariam prontos, aproximadamente às 17h, quando seria realizado o desfile do imperador. E a cidade só esperava o anúncio oficial daquela procissão, logo mais à noite.
O Imperador foi ocupar seu lugar no cortejo da procissão embaixo do luxuoso dossel e todos os que estavam nas ruas e nas janelas exclamaram:

- Como está bem vestido o Imperador! Que cauda magnífica! A roupa assenta nele como uma luva!

Ninguém queria dar a perceber que não podia ver coisa alguma, para não passar por tolo ou por incapaz. O caso é que nunca uma roupa do Imperador alcançara tanto sucesso.
Todos comemoravam as novas roupas do imperador, que desfilava na orla de Maceió, junto à população, festejando seu sucesso com as novas roupas, que sobretudo vestiriam a ideologia daquela cidade por mais quatro anos, no mínimo.

Mas uma criança, que rechaçada pela população que a julgava inocente, exclamou:


- Mas eu acho que ele não veste roupa alguma!

Ainda assim a criança persistiu por quatro anos com sua expressão máxima, que já era o prognóstico da vida do imperador.


- Não veste roupa alguma. Foi isso o que assegurou este menino.

E que este grito ecoe nos próximos dias, meses e anos, para que toda a cidade possa gritar um dia, todos juntos, ainda que o imperador ache que a procissão tenha de continuar. Porque na verdade, o grito da cidade precisa ser apenas um:

- O imperador está nu!

Foto: TudoNaHora.com

6 de outubro de 2012

Aquisição de um nome-título pra mim

Fazia tempo que não voltava aqui a fim de escrever qualquer bobagem em que eu pudesse exercitar uma escrita mais literária. Deixei essa prática de lado por falta de talento (exílio improdutivo) e meu engajamento em outros projetos. Minha vida virtual está cada vez mais fadada ao insucesso, mas continuo nela, por persistência em estender a mão imaginária e solicitar um abraço digital. Na verdade, preciso de digitais espalhadas no meu corpo, senti na memória tátil que um dia fui tocado e vestígios ficaram entre scraps e cutucadas fidelíssimas. Aproveito a tecnologia inútil de falar de si mesmo para olhos curiosos, perdidos em meio às fotos e o Esc que atualiza uma notificação de Facebook. É por lá que todos se encontram, felizes,  a contar suas vantagens; e eu não sou diferente.
Tenho escutados as mesmas velhas coisas e impulsionado a busca constante de me integrar socialmente por meio da escrita que sempre zelo, mas estou envelhecendo e o fruto mercadológico ainda não me rendeu cifras necessária para aprimorar meu discurso de sobrevivência em troca nas minhas letras.
Continuo criticando o definhamento do nosso idioma tão bonito e rico, cheio de normas primorosas que valem a pena, pela estética e imponência, quando levado mais a sério do que a rigor.
Estava comentando dia desses que há bastante tempo não escrevia no meu blog de derramamento sentimental, porque as últimas postagens tinham sidos endereçadas a um só ser no mundo que mudava nos intervalos delas, mas às vezes persistiam no mesmo foco consecutivas vezes até minha decepção. Eu me apaixono e escrevo, sempre foi assim, escrevo apaixonadamente para qualquer coisa ou pessoa que eu dedico grandes pensamentos e resumo em linhas, reais ou cibernéticas.
Normalmente sou um ser sem pauta própria e me entrego ao conjunto válido, seja ele de humanos ou circunstâncias, ainda que temporariamente seja o sonho. Desse lado onírico, subtraio minhas dores e sangro novamente em linhas, cuspindo metáforas insistentes, querendo brincar com o segredo como ele fosse algum nos dias de hoje. Segredo algum, tudo muito nu em mim. Mas ainda construo as metáforas em nome de uma poesia que seja válida até pra eu mesmo voltar aqui e ver que na feiura do espírito que me espanta, peneiro o caldo mais doce para oferecer a qualquer voluntário do meu gracioso fatalismo, que um dia pensei ilustrar páginas prefaciadas.
Deixei de ser jornalista, poeta, escritor para ser um abandono. Mas não deixei de me apaixonar, e vim aqui só pra embelezar a introdução do que considero possível de não me importar com os títulos que alguns amigos me deram e que celebram meu gosto por escrever.