Eu não sei por quanto tempo a gente se interessa por esta vida às pressas para tudo ocorrer e correr bem. Quantas vezes forem necessárias, repetirei os bordões de um cansaço há muito já cozido, ecoando nos versos-grito.
Da quinta-feira em diante, a de antes, quando eu te falava sobre sangue e sal, passei a discordar de tudo que não fosse contribuir para os ingredientes. Então veio uma disfonia com acordes de resistência, medo, e teus olhos pedindo mais biscoitos da sorte. Na sexta-feira um alcance maior, aquela experiência de gaiato no navio mais sofisticado em seu passeio pelas Bahamas... vieste no sábado, em teoria, mas na prática, o domingo estava na sala de estar - já entrando, mais que estando - quando pediste socorro naquela agonia toda da tua mais-valia, do teu cuidado, do teu carreiro e o teu apego ao destino.
Eu fiquei agonizando na experiência de fronteira: do meu lado certo, já tinha incerteza; do teu lado, eu só queria caminhar... sabes, ouvir tua voz em meio a esses ventos coloridos de tinta em pó incomodando que eu olhe adiante, como a promessa do arco-íris. E não soubeste da metade das agonias, ainda: do domingo, da madrugada, da vida inteira intercalada como furos no navio em que vão doutores, ex-amores, o armário de outrem, o terceiro sentido do movimento de translação. Transladam corpo, alma, crenças: vaivém das chegadas e partidas.
Poderia pensar no futuro com a ansiedade de sempre, em querer criar cálculos de memória, anotar cada moeda que eu investia, citar Camões e algum pretexto. Poderia, mas não. Chamaria o presente tempo dos justos buscando ajustar horários, conciliar as dívidas com o fornecedor de lucro. Já esteve passado mais que cru o envolto tempo em banho-maria. Ouve o relógio na parede rebocada. Só isso.
Quem disse que tua mão não encontra a luva? Quem me disse que a cabidela salgada dos sonhos cozinhou a mais de cem graus? Quem partiu depressa ao Oeste foi atrás do que não tinha. Quem ficou no continente quando eu parti já arrumou dois tamanhos diferentes para seus trajes.
Não sei de quanto tempo se fez o perecível. Esta comida pelas beiras foi alcançando o prato frio. Porque andei pra lá e pra cá sem notar a circunferência. Deu-me prazo o oráculo das friezas para que eu devolva cada cubo de gelo que pedi para conservar: eu, a minha verdade e a vontade de te ver fora deste caldeirão.