24 de agosto de 2021

Terra passageira

Talvez eu possa estar avariado das ideias, está muito louco esse tempo... Eu pensei esta noite na insensatez da minha decisão, de querer esquecer-me de uma data e os olhos ficarem fixos no calendário esperando o dia chegar, o aniversário de quem já morreu; não o de morte, senão o de vida: vida distante de todas que eu não tive desde quando subi naquele avião. Dizer o quê da inconsistência dos meus pensamentos? Buscar terreno firme para pisar. Atolar-me na lama, sorrindo, porque você me rouba sorrisos de vez em quando, sujos como duas crianças em dia de domingo. Um parque, toda a gente, pais fingindo serem pais, mães cansadas, mas sorridentes, como nós dois, num típico domingo fora de casa. Aliás, houve uma falha no calendário, não me lembro quando o seu aniversário, sei lá, dia de comemorar quando chegar, mas não lembro, desculpa! Volta e meia, penso o que prometi, faz alguns dias; dessas promessas de quem só fá-las para não cumprir. Uma arte de sabotar; um teste de fracasso. Fracassar para me sentir vivo e querer tentar outra vez. Estou tentando esta brincadeira de novo. Brincadeira de ir para o parque em dia de domingo. E se fizer calor, vou adorar deitar na grama e ouvir novamente o pedido: "posso deitar a cabeça na sua barriga?" O frio na barriga. Sou esse que ainda tenho borboletas no estômago, geleira ártica em todo o sistema digestório; eu regurgito a emoção que excede os limites da minha carteira de identidade. Em tal idade eu deveria apostar menos fichas num sorriso que se rouba ou numa cabeça sobre a minha barriga, mas aposto meio que uma fração do que guardo em meus bolsos cheios de fichas velhas que venho guardando ao longo desses quatro anos. O bolso é o lugar de esconder e ao mesmo tempo está em fácil acesso. Onde escondo minhas mãos quando não as quero dar; onde recolho do frio que faz após o contato com a atmosfera fria, dessa frieza que escolhi me meter. Assim, meto as mãos quando dá, quando posso ou quando preciso. Estou com as mãos livres, em contato com o tempo. Já tem um tempo que você segura a minha mão. E houve dias que você me segurou antes de dormir. O dia em que você veio a mim para eu colocar a minha cabeça sobre sua barriga e chorar até dormir. E assim dormimos no lugar mais seguro que eu achei e apostei: nesse terreno instável. Só de estar pisando com os pés no chão, já me dou por satisfeito. Porque você ainda não me fez voar. Até porque minha asas foram cortadas em última instância. Repito, talvez eu possa estar avariado das ideias. E se minha cabeça anda meio perdida e desfoca, é na outra extremidade onde repousa o meu cansaço: do tempo, da morte, do voo e do ar. Terra em que eu pisar já é uma vantagem tão grande! Fazia já um tempo que eu nem tinha mais chão. Ficou um pouco de poeira, terra rasinha e algum cascalho. Estão no bolso junto com minhas fichas. Tudo está guardado para que saiba que tenho fichas, tenho solo, tenho fragmentos de algumas coisas: suficiente para acreditar. 

18 de março de 2021

Pane no sistema

O impressionante lugar da gente é ambiente imperfeito com suas dilacerações e remendos. Tive que olhar para o conjunto da obra; os detalhes pequenos no tamanho de sua pequenez deve ficar. Um lugar lindo cheio de opostos para lidar, uma sucessiva alteridade a cada ato de fala ou escuta. Entender o outro mais do que contrapor-se, é um desafio, confesso. Décadas de vida me fizeram experimentar aliados e opositores. Quanta ameaça e quanta desunião! Tem gente vindo de todo lado com as armas que têm para matar, roubar e destruir. Ora, um arranhão; ora, um estilhaço, pedaço de mim arrancado com a  falsa fome de quem só quer morder e cuspir fora. Onde estava unido, eu, diplomata da paz e bem, reforcei laços para não sucumbir à prova. Minhas armas brandas de diálogo e contundência para, quiçá, fingir-me de morto, de louco ou de otário. No interior, uma erupção vulcânica de lavas paranoicas, na quentura do delírio e excesso de irracionalidade. Suportei aquele derretimento como a frieza que conseguia, mas a razão das oposições são contraposições. Eu estava sempre tentando o equilíbrio térmico. Não mais que estava sendo eu mesmo, mesmo que perdesse por vezes a racionalidade. Apenas não conseguindo equilibrar o fluxo de energia. Ontem foi um dia assim...

Há um ano em pandemia praticamente, tive meu quarto ataque de pânico. Há bastante tempo sofro de ansiedade e -  menos mal - já tive orientações clínicas para o assunto. Poderia ter tido mais, acredito, no entanto consegui controlar a ansiedade muitas vezes para não ocorrer uma descarga como a de ontem. As notícias sobre as mortes por Covid-19, as pressões profissionais às quais tenho me submetido, a distância dos meu entes queridos e alguns problemas pessoais dos meus dramas cotidianos me fizeram quase no fim do dia acelerar o coração, sentir meus membros dormentes e gélidos por mais ou menos cinco minutos. Senti-me apavorado como se estivesse tomando doses tóxicas de algum veneno. E estava!

Decidi escrever este relato para que possa ajudar outras pessoas que estejam sofrendo da mesma coisa. Se tiver a opção de ter acesso rápido a um profissional de saúde, faça isso. Eu já procurei alguns, revi os meus níveis hormonais e descartei a hipótese de desequilíbrio neles, mas o fator não é apenas bioquímico. Li um livro da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, por indicação de meu psicólogo em Maceió. Acho que o ponto interessante da leitura é a informação de um profissional com conhecimento do tema. Ali encontrei uma geral sobre os transtornos, no entanto algumas característica batia exatamente com a angústia vinha me sentindo. Pois dali em diante, tento evolui no autoconhecimento. Entretanto imagino que algumas pessoas devam ter dificuldades de ter uma acesso holístico a sua saúde. Alguns remédios são possíveis, como enfretamento e solução. Há aqueles de prevenção mais fáceis, como atividade física (sim, estou em dívida), produção ou suplementação de vitamina D (já fiz e acho caro, mas ainda bem que temos sol disponível; é bom sempre procurar se informar do tempo ideal para receber a luz sem danos à pele) alimentação menos agressiva (evitar alimento processados e ultraprocessados ajuda bastante!); e a conversa, um canal de afeto sempre faz bem para colocar pra fora o que esteja sentindo. O equilíbrio emocional é uma expectativa mais difícil, porque, sobretudo, em tempos complicados que estamos vivendo muito foge ao controle e alguma coisa não depende só de nós mesmos. O importante é procurar ajuda se você não souber como vencer isso sozinho.

4 de março de 2021

jiboias em março

nesta manhã não foi o ato de acordar
que me fez acreditar em novo dia;
nada foi tão novo,
pareceu até dia repetido
como tantos outros,
e à noite,
à espreita de minha mão tremida,
sosseguei-me dentro de mim
como uma jiboia após devorar galinha-
há alguns dias sem me alimentar -
mas de onde vem rara energia? -
porque a fome ficou ali no começo da paz,
no fim do sossego por esta mudez,
não se fala de boca cheia! -
e qual semana terei força ao acordar? -
ainda que eu tenha os cacos espalhados
para organizar este vidro partido:
o anel que ganhei no dia já esquecido.

22 de janeiro de 2021

Viver é melhor que sonhar

Alguém que me escuta, que se importa. 
Alguém que me disse uma grande verdade,
Não de satisfação;
Aliás, bem pelo contrário. 
Verdade é a de cada um: 
Engraçado é que a nossa foi parecida. 
Que sorte. 
Estamos vivendo esta verdade.
E é só mais uma, mas é nossa.

15 de janeiro de 2021

Nanopsiqué: 2021

Estou cansado das minhas convicções. Nunca estive tão cansado delas quanto no tempo de hoje. Elas têm me restringido a este mundinho absorto que me faz distrair quando mais preciso ser atencioso - com o outro, sobretudo. Estive tão empolgado com o meu jantar que muitas vezes me esqueci de quem tem fome. Estive tão imerso na minha insônia diária que me esqueci de quem estava dormindo e incomodei com agonias minhas. Sim, foram minhas convicções, os pensamentos - muitos disfuncionais - que me jogaram num comportamento incansável de ser eu mesmo e esquecer-me de quem ao lado esteve. E do lado da lembrança muito mais do outro do que de mim, foi na minha dúvida, esta incerteza que me fazia buscar, portanto, certificar-me da minha ignorância. Eu odeio permanecer na ignorância, no entanto as minhas convicções foram danosas; necessito atualizar todas elas. 

Fui convicto e nunca venci. Seria vaidade estar invicto, mas por quê? Tantas perdas, materiais, por minha mente cansada da convicção e outras questões mais graves: o vírus, o diabo que a gente cria como quiser para ter medo e se esconder debaixo da coberta escura que transfere a escuridão onde fica mais fácil justificar de não ter visto, de não ter mais opções do que sentar ou deitar e corroer até o fim do drama. É finalidade, pois, coerente transmitida pela culpa, um antígeno plausível e mais justificação, e mais, até nos encontrarmos doentes. 

Estou doente faz alguns dias. Mais perdas. Tem a pressão de aqui e de acolá, onde dirija o olhar, os ouvidos para ouvir mais cobrança: um cacho de uva, um casco de cera, um copo de água, uma vela para iluminar o buraco onde vou me meter, cansado, e comer e beber, derreter com o calor do momento e me arrastar pelo chão como lava de parafina que se deslancha no mais ridículo material que resseca e se desfaz com qualquer intempérie. A convicção não me fez forte. É verdade.

Estou com o rei na barriga e falta tanta coisa que nem uma coroa de espinho, nem um trono de folhas secas e armação de gravetos. Nada da natureza eu tenho conseguido reaproveitar para criar um império fajuto, para destronar culpa, segredo, mito ou essas metáforas que vão nos colocando num cercadinho e nos empilhando como discípulos de submissão e temor. A convicção não me fez sábio. 

Agora preciso sanar tantas dúvidas: reavaliar esses dias, essas palavras, essa correria. Tudo escolha minha, tudo, convicção em xeque. Agora ficar uma pulga atrás da orelha, coçar para achar a necessidade vital; e na hora que vencer o cansaço: vem o sono e, ao acordar, arrumar esta bagunça até aqui. 

Obrigado pela tua parceria; e a gente ter se encontrado, convictos, no que restou: novas ideias para novos rumos, bem longe das convicções que nos passou rasteira. A convicção que sobreviveu, que me fez prescrever o remédio para minha cura. Como quem escreve, curado. Será o texto mais importante do que essas lamentações que andei a escrever. Já fechamos uma boa parceira para uma história nova (nem melhor nem pior: nova; basta).