26 de maio de 2010

Teaser do ensaio de fé

"Bendito e louvado seja
Nosso Senhor da Pobreza.
Se o pobre não trabalhar,
O rico não tem nobreza."

Texto: trecho de canto devocional e litúrgico de Bom Jesus da Lapa, Bahia.
Foto: reprodução da obra Irredentos, de Christian Cravo.

17 de maio de 2010

Sorte sua


Alguém disse a Jéssica
Que sua estrela iria brilhar.
Ela não sabia quando.
Ela não tinha sequer uma estrela.

Segunda-feira, bem cedo,
Jéssica pegou seu cofre de moedas...
Arrebentou.
Foi ao Centro da cidade.
Numa loja de presentes econômicos,
Viu uma estrela amarela.
Comprou, com dois terços
Do dinheiro que guardava.

Depois daquele dia, todo dia,
Jéssica anda com a estrela de plástico.
Fica guardada no bolso da calça.
Ou pendurada na alça do vestido.
Qualquer lugar fácil de seus olhos verem;
À espera do dia que aquela brilhará.

16 de maio de 2010

Uma coisa depois da outra

O começo da noite parecia bem triste quando eu olhei na carteira e tudo o que eu tinha eram 11 reais. Isso é dinheiro pra que? Aí, comecei a rir da minha pobreza monetária. E o pensamento irônico não escondia a realidade que eu tinha de encarar num fim de semana (finalmente um dia para descanso da pós-graduação e do trabalho) e não poderia fazer um dos meus programas favoritos nas horas vagas: ouvir uma boa música, conversar com as pessoas à mesa e 'encher a cara'. Então vem uma sucessão de memórias terríveis, como um mal, puxando outro. Lembrança de amor traído, estacionado no passado sem sentido, crueldade à doação, malvadeza com um coração que agora está vazio.
Então, precisava usar (sei lá) a neurolinguística, ou a obviedade... qualquer coisa positiva que me desse maior garantia de mudança de pensamento. Algo que precisasse mudar o foco da melancolia de um sábado à noite sem muita badalação nem distração a rigor da esbórnia-nossa-de-cada-fim-de-semana.
No tocador de música, overdose de Sinéad O'Connor, cantarolando It's All Good para fluir a imaginação da bondade na qual minha vida mergulha, dia após dia... enfim, foi uma boa tática para o dia de hoje.
Na fase transitória da má lembrança para a imersão no pequeno rio que a vida corre há quase dez meses, inevitável que eu não passasse pela memória dos primórdios, da fase de adaptação, onde tudo era estranheza e mal gosto; piada deslocada inapropriadamente para uma vida que necessitava de seriedade e meta. Pensar o lugar onde o outro é incômodo, mas que, na verdade, o outro sempre fui eu, a incomodar.
Como se brincasse com um controle remoto, a tecla fast forward foi o que me libertou da fase transitória e me trouxe aqui, aparentemente sem arranhões, porque, deveras, não era em suas direções que meus olhos observam.
Queixei-me, confesso, da dificuldade de passar a semana toda, estudando Rede Metro Ethernet, Rede ATM, etc, no trabalho e, no fim de semana, ter de saber comparar a criação visual minimalista com a do expressionismo abstrato, na manhã anterior; e pós-almoço, poder entender a intertextualidade que está presente na história da fotografia.
Ah, muita informação! Mas compensa.
Tenho consciência do quanto que tenho aprendido, diferentes coisa; sobretudo, coisas novas! Um olhar voltado às visualidades d'antes não reparadas com empolgação. E saber que ainda nesse comboio que aprende, eu posso descobrir, nos companheiros de excitações mentais, um sorriso de interesse (ao que é, de fato, interessante) ou o beijo no rosto que o amigo da sala de aula cumprimenta, na despedida até o dia 29/05. Memórias simples, presas a detalhes que, como protagonista, eu tenho direito de julgar importante para uma nova etapa, determinante para os dias que passarão do vigésimo nono deste mês: expectativa, com perspectiva de valor sublime, ainda que seja simplório aos que não possam conhecer o gozo desta data que escrevo.
Ainda melhor, para concluir, é poder dizer a alguém, que a cidade na qual vivo - na dúvida do trânsito ou da permanência incontável - que Tudo Está Bom, como minha cantora favorita repete aqui no Media Player do computador.


Video: Hand Catching Lead (1969), Richard Serra (Mão Agarrando Chumbo). Vídeo que conheci, neste sábado, na aula de História da Arte, da professora Fátima Couto, no qual o autor com seu gesto repetitivo, pode dizer um pouco desta minha estada em Campinas, recusando qualquer ideia de composição entre partes e, sobretudo, denotando meu interesse pela continuidade deste meu caminho, sem rumo previamente acertado. Quase uma vida minimalista, e eu estou adorando! Rá!

11 de maio de 2010

3 de maio de 2010

As novas roupas do Imperador*


Lembrei-me de quando fiz aniversário, não exatamente quando, mas creio que na minha adolescência, que meu pai perguntou o que eu queria de presente de aniversário. Eu respondi sem pestanejar: - Quero roupas.
Era meu début, assumindo a vaidade com a qual começamos a querer nos apresentar ao mundo, pela imagem que passamos aos outros.
Hoje, a Casa do Cristiano faz seu primeiro aniversário, já um pouco mais vaidosa, querendo roupas novas. Então, dei-lhe as roupas novas de que ela precisava. E a ideia foi deixar tudo mais claro.
Através deste espaço, conheci muita gente bacana, com quem pude trocar ideias e aprender. Gente que advém da blogosfera, com textos maravilhosos e imagens de excitar a imaginação, causando influência benéfica, construindo laços que vão além da permuta intelectual.
Espero que o tempo continue proporcionando este prazer em escrever um pouco de cada coisa que me vem à cabeça e me trazendo, também, o que for preciso absorver para continuar crescendo.

* The Emperor's New Clothes era a canção de minha cantora favorita, que eu escutava, antes desta postagem. O título também é um conto de fadas de Hans Christian Andersen (1937).
A tradução do título foi o que me veio à mente para transportar homonimamente para celebrar o aniversário do meu blog que, garanto, tem muito mais do que uma nova roupa: tem muito de mim.

2 de maio de 2010

Uma tal da cultura do m²

Cada um no seu espaço.
Você, quando precisa de mim,
Não vê empecilho.
Quando eu preciso de você,
Há um aperto imenso,
Até um cisco no olho,
A incomodar para não me ver.

Você não pode atender minha ligação;
Jamais teve tempo para aquele papo-em-dia;
Conta, em breves linhas, que 'tudo vai bem'.

Eu hesito em responder.
Para que?
Você já espera que 'tudo esteja bem'.
Fica complicado para dizer:
"Tudo certo como dois e dois são cinco",
A quem não terá tempo para compreender.

Não vou lhe pôr a culpa pela morte de Clarice.
Não lhe darei, também, explicações sobre a mesmice.
Pois tudo vai a seu modo, então,
Como Deus queira, enfim.
Em mim, a ideia da fita, da régua, da reta...
Em si, a geometria da isenção.

Por enquanto, só insisto em dizer a mesma coisa:
É tão injusto... que pena!
Você delimita muito a expansão cardíaca,
Alcançando os limites do mediastino, apenas.

Imagem capturada de Artesanato Natal

1 de maio de 2010

A sinfonia das armas e a projeção do silêncio criminoso



Não vou levantar aqui uma discussão materialista. Quero apenas opinar sobre o impacto das imagens com obviedade e a inerência da violência nas relações humanas, onde a digestão é completa e passa desapercebida por tamanha sutilidade.
Assisti ao videoclipe de M.I.A, cantora britânica que, há poucos dias, lançou seu video (acima) com cenas fortes, de causar impacto a ponto de retirarem o seu trabalho de circulação na grande mídia. Recebi a sugestão do vídeo por e-mail. E assim que o vi, pude perceber que realmente as imagens chocam por tamanha violência que trazem tão escancarada.
Acho que essas produções audiovisuais devem ser veiculadas, sim, da forma mais aberta possível. Se se trata de um conteúdo austero e de provocação intensa, ainda que seja no cenário musical, a sociedade precisa de choques com apelo visual fortíssimo para, no mínimo, acordar à possível reflexão.
Entretanto, o trabalho árduo é fazer com que as pessoas, cada vez mais alienadas, entendam as metáforas que, normalmente, os artistas politicamente engajados apresentam em seus trabalhos. A sociedade perdeu acuidade dos sentidos; apenas consome tudo que é jogado, como se vivesse em mendicância e aceitasse qualquer alimento que lhe pareça, a priori, comestível.
Eu fico pensando por que será que as pessoas não se chocam com esses programas sensacionalistas? Eles agridem a dignidade humana, de forma a tornar afetação de trejeitos de homossexual, ou a embriaguez, ou drogadição, ou intempéries emocionais num grande circo televisionado para se fazer risos e piada da insensatez de gente desfavorecida de, sobretudo, interpretação da comicidade beirando ao ridículo. E essas pessoas menos favorecidas são as que, pelo andar da carruagem, jamais perceberiam a metáfora da crítica, diante do sistema capitalista (ratificando que não me firmo como materialista) que acentua a violência nas relações humanas, onde, por exemplo, as relações trabalhistas, tantas vezes exercem a faceta da violência, a oprimir os que não detém o poder e a autoridade.
Então, essas visualidades que chacoalham opiniões e causam horror ao público terminam por se tornar evidências fortes ao despertar de mentes; ganham espaço (ou perdem pelo forte conteúdo e atentado à moral vigente) e se consagram como frenética comoção popular, abrindo discussão para as demais vertentes dentro desse contexto.
Eu só tenho a agradecer à vida por essa vocação artística que ela me deu...
Não me considero um artista, porque tenho pouco talento para isso, no entanto, a minha afinidade com as abordagens, as discussões e perspectiva de resultados é bastante prazerosa. E, agradecer, também a esses artistas os quais levam às telas, aos quadros, às plataformas que sustentam o toque artístico, para trazer à tona questões que precisam provocar, nessa massa apática, o incômodo por estar tudo fora de ordem, ainda que se tente maquiar, por diversos interesses imperialistas.
Meu intuito é compartilhar minha noção sobre essa tonalidade sangrenta que diferencia a violência manifesta da silenciosa; esta última, tanto quanto cruel, perceptível apenas a quem tem o privilégio de notar a hábil maquilagem de uma minoria, que está longe de sofrer exclusão, e que detém autoridade para perpetuar a covardia que a legislação discriminatória lhe confere impunidade.

Born Free por M.I.A.
Diretor : Romain Gavras
Diretor de Fotografia: André Chemetoff
Produtor : Mourad Belkeddar
Produção Executiva : Gaetan Rousseau / Paradoxal