20 de junho de 2013

Atraso

Talvez esteja faltando repertório para prosseguir com um sonho que tive desde criança. Sonhei um dia em escrever exaustivamente e que isso trouxesse um ganha-pão para eu não precisar de pensão. Sinto-me desatualizado com o mundo. Esse em trânsito frenético e eu em desistência de acompanhá-lo. Um amigo agora há pouco me falou que é como cozinhar feijão, uma prática diária, escrever sem tempero não dá. Eu estou insistentemente em um dissabor, esqueço do sal e destempero minha culinária, ela é ruim. Não cozinho só pra mim, já tive vontade de alimentar o mundo.
Desprendi-me das ocasiões oportunas: podia ela ser um curso de gastronomia ou uma realização técnica em construção civil. Não edifico nem a calçada que piso. Fico sem chão a maior parte das vezes. Olho pra trás e percebo que eu deixei de mim todo aquele gosto de café da manhã pra começar o dia. Procuro açúcar em vão, confiando na minha doçura. E me sobra o amargo da tarde e a noite sem cheiro de sono. Passo os dias assim, desqualificando qualquer período.
Comecei a tomar consciência do meu atraso quando não sabia mais o que dizer quando alguém me perguntava sobre algo que no passado eu defendia com vigor. Tornei-me o acaso de todas as coisas, por acaso, porque olho pra os lados e só espero que esses não se tornem mais uma prisão para mim. Estou em dívida comigo faz meses. Não sei o saldo negativo dessa porra toda, portanto é fácil xingar de tudo quanto é baixo calão, meus verbetes de quem resmunga.
Assim, decidi retornar para onde vim. Porque quem sabe ali comece tudo de novo e reconheça o repertório de quem está aprendendo a falar, andar, sorrir... Um bebê chorão que verbaliza em sons abertos, os gritos, a exprimir a dor, a vontade de comer ou a necessidade de chamar atenção.
Já é a hora de partir pro começo; quando se diz recomeçar, minhas mãos tremem de medo. Minhas pernas acompanham, bambas, o temor de ver tudo outra vez para reaprender a se reconhecer entre o mesmo sotaque, sob o mesmo calor, os costumes familiares e a exatidão repetida de aprendiz que insiste a falar seus primeiros monossílabos. Ah, presumo que gente parecida dá mesmo medo do que gigante numa terra de pé de feijão, esse que já não sei mais cozinhar. Não é à toa que a todo instante me pego olhando o relógio pra saber que horas são. Almoçar tem sido a melhor parte do meu dia.

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