15 de fevereiro de 2018

Poeira

Ana Beatriz,

Estava aqui pensando como falar de muitas coisas para ti, uma menininha de apenas cinco anos, a quem, por devoção e único amor sem propósito desta década advém como uma avalanche de razões para que eu siga em frente neste caminho com algumas curvas sinuosas, faz-se de tão pouco, que ainda tenho a contar nos dedos alguns outros motivos, tudo que é motivo para não caber algum mais.
A última vez que chegaste a mim e perguntaste sobre "aquela conversa que só nós dois conversamos", eu tive que te falar que não era mais o momento, e que deixaria para outro dia. Um abraço encerrou o dia em que, quando vais, já não há mais o turbilhão de amor in loco, e volta o "ai", de tanto repetido, deixa-me em dúvida pelo ditongo decrescente, em que eu poderia acrescentar o acento agudo e transformar no hiato que me separaria da dor e me levaria aí, ao teu lugar, este que encontro todas as maneiras, razões menos breves, cada detalhe de um ser e, como se não bastasse, a sinalização do caminho que uma velha amiga chavista continuamente me diz pa'lante y naa'mas. Sou afeito às línguas, já sabes, com minha a feroz e, sempre, entediada serve de busca tua para me pedir treino de novas palavras. Eu simplesmente encho o peito de alegria ao saber que confias em mim e me tens como um mestre das coisas tolas, das brincadeiras cibernéticas e da seriedade que pouco a pouco já estás entendendo.
Esta noite pensei em explicar de uma forma mais lúdica sobre poeira e pedras, para que saibas que  grãos, quando há coalizão, podem ser objeto para que sobre o tempo, ou uma folha de papel, faça o peso, segure, confluam ou divirja, mas, jamais, colida. Posso te ensinar a tacar a pedra longe, ou percebas a força dela sobre o papel e até diferenças. Posso pedir para que guardes, em tua própria necessidade de um dia ter o peso junto às tuas mãos cada vez mais fortes, e te defendas.
Só que, linda menina, eu preciso parar e pensar melhor como explicar na efemeridade da poeira, se solta ao vento, mas que tão reticente ou resistente, possa significar, como um maniqueísmo simplista, ir incrédula ou ficar para soprar aos olhos cruéis uma cegueira repentina. Incomodar é um dom de poucos; acho que é o teu, mas no bom sentido. Incomodar para tirar mais do que um vento pode soprar e acusarem trivialmente o destino, a quem costumam dar conta de resolver toda a situação, dando-lhe apenas a competência sem nos deixar contrapor. Põe-te, aqui, sempre que quiseres contrapor algo, estou a ouvidos ansiosos para escutar tuas razões pequeninas, mas saberás um dia de qual poeira que falo. Sabes, os grãos numa mão aberta cheia de vontade pode fazer milagres desses que em minhas três décadas ainda não vi. E porque fechei a mão, tenho o porquê, querida: ainda não quero te acenar em despedida. Essas mãos fechadas minhas guardam a poeira dos meus dias em cada terra por onde andei, trouxe um pouco de pó do chão, pois sou de terra.
Minha língua sempre há de dizer muitas coisas, sabendo que confias. Vamos, então construir muitas tempestades, vamos causar litometeoro, desconstruir algumas ideias desaguadas, lamacentas, escorregadias, porque, já faz tempo, percebi o quanto és filha da terra, poeira incômoda nos olhos estúpidos de um bocado de ignorantes.

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