28 de março de 2012

Nada com nada lado a lado

Tem um lado meu que não conheço. Ao ver todos os outros lados, talvez fique mais fácil achar e reconhecer este lado desconhecido.
Primeiro estágio do ser, que se conhece aos poucos, a forma de ser, e ir sendo se torna um aprendizado desde pequenino. Ir reconhecendo trejeitos, modulando jeito e lapidando todos os lados errados a fim de se encontrar o que me cobravam como correto. Trabalho desperdiçado, nunca fui certo. Mas também não me dei aos erros gratuitos só para garantir que errar fazia parte do caminho que, eliminando equívocos, encontrar-se-ia a forma perfeita.
Achei, na adolescência, uma maneira de provocar insultos, parecendo nisso que os ouvidos se cansariam e o corpo procuraria notoriedade de valência positiva. Ou o silencio. Discretamente passei um ano mais calado, mais ouvidos; só Deus sabe os escritos produzidos, as metáforas companheiras a dizer tudo para quase ninguém, porque não quis ser visto, lido, amado. Eu só quis um canto, uma caneta e um papel. Depois fiz de amigos fãs, e depois perdi amigos. Não havia mais fãs. Aí surtei e gritei arrogância à menina, ao menino, ao professor, à mãe paciente... Eu explodia emoções incríveis, quase sempre reprimidas. E jamais deixei de ser poeta, como eu acreditava que poetas eram. 
Eu adulteci, doente, encontrei o ensinamento de se escrever certo por linhas certas. Fazer-se entender na ordem direta, uma linearidade para um fim profissional que eu já acreditei que seria formação minha, sobretudo, como pessoa. 
Aquela pessoa via seus muitos lados, os avessos, até. Conheci a pouca vergonha, nenhuma, a toda dela para quase nenhuma. E ficou uma sobreposição de lados que, no diário, trocava o dia pela noite, para escrever mais sobre os traços de uma personalidade contínua, de pedaços. 
Já adulto, fugi do mito. Daquele empurrão que a gente leva pra cair, eu vi um que me desmistificava e colocava a prova tudo o que minha consciência, enganada, cria de prontidão que pedaços me faziam todo certo para errar tão longe. Eu me formei em pedaços e encontrei as lacunas. E nessas lacunas, eu dei espaço ao que agora me desespera na hora que acordo, por todo o dia, até quando me deito e esqueço dos remendos. 
Do lado de dentro, existe um centro, tema central. Do lado de fora, uma face para cada face que se apresenta. Correspondendo. E me conhecendo em muitos lados, para todos os espaços, tem uma lacuna ainda. É o lado desconhecido, ainda que eu tenha crescido, acreditando que me conhecendo em partes, saberia todo... Mas sempre falta um pedaço, o lado de lá, que ainda está distante. 


Imagem: capturada de http://www.iplay.com.br

23 de março de 2012

Existência

Existe o risco iminente, no dedo calado que aponta segredo.
Existe o mito, o que não foi dito, paradigmático.
Uma ruptura cruel.
Ela vem em fases; ela não vem, às vezes.
Porvir sempre existirá.

Existe qualquer centelha de esperança, porque é viva.
Existe o absurdo viver, descrente,
Como "no creo en brujas pero que las hay las hay".

Existe a fé em alguma coisa que não existe,
Ou que já existe e é preciso crer pra fluir.
Existe fluido no sangue derramado.
Todo poder existente escorre, enfim.

Existe sua experiência e a minha
E a contradição das duas,
E a semelhança no horizonte que quatro olhos enxergam,
Como também dois corações que jamais serão um só.

Existe a repetição do verbo, o abrandado sujeito,
O objeto, de novo, a que se aspira.
Objetivo de vida, também existe.
Insiste a vida em querer continuar porque existe caminho.

Existe labirinto, e então a complicada orientação dos desejos.
Existem dois terços de qualquer podridão
Que não contamina tudo porque um terço insiste em não querer convergir.
Existem intersecções a clarear ideias ou esboços de comando novo.
Direções que surgem ao se revelar os rumos que o destino não disse antes.

Existe a necessidade de fundir,
Essa coisa linda que é unir esforços em torno de um prol só.
Mas há contrapartida toda vez que se lança um artefato de ação,
Pois se não reage é porque não existe vida,
E vida é o interesse comum.

Existe toda mistura
E um caldeirão imenso para despejar diferenças.
Existe, perene - mas existe -, liga de redundante ligar.

E para quando cozer o prazer em se deliciar,
Porque o sabor da vida está no que se prova dela.
Se se esquenta, se mexe, condensa
Quem pensa que alguma coisa mais lembra,
Tem o que se esquece no fogo,
Cozido no esquecimento...
Mas tudo, no calor da existência,
Uma hora, evapora.



6 de março de 2012

Arrependido

Lastimado conselho dos retaliadores de sonhos,

Terminei de sonhar. Pode, assim, emitir sua conclusão a respeito da minha realidade.

Por meio desse engano, gostaria de propor, à pauta, meu arrependimento jamais descrito em linhas de outrora. Isso sim, desejo explicar que estou arrependido de muita coisa, ainda que não faça sentido descrever, em linhas, tanta coisa que já ficou jogada por aí sem que eu possa buscar ou, aquelas que estão comigo até hoje, largar no passado, à época de sua aderência ao meu estilo de vida. Assim, meu maior arrependimento é, em resumo, pessoas. Pessoas essas que me arrependo por elas e por mim também.
Arrependo-me, pois, de ter dedicado tanto tempo a alguns que jamais prestariam atenção no tempo gracioso a que lhes dei espaço. Portanto, perda de tempo; arrependido, por desperdício, por deixar passar, estar, ou qualquer outro verbo de ação a quem merecia apenas a inércia (ou quem sabe a indiferença). Perco esse tempo, em linhas, para reclamar do tempo maior que passei com pessoas que jamais pensaram em mim de forma correspondente, que não posso as obrigar, mas não deveriam simular tanto por tão nada. Garanto que não for ideia perdida ou ilusão, por tantas vezes, mas sim a necessidade de audiência que elas têm, angariar plateia para seus espetáculos de simulação. Arrependo-me, assim, de cada palavra falada quando era oportuno somente o silêncio de uma desatenção ou desapercebido caso.
Arrependo-me ainda de ter desprezado o sabor da pimenta, de ter ignorado a fragrância e seu sabor picante. Somente saindo da terceira década de vida poder ter descoberto que ardor no paladar é melhor do que... na vida.
Arrependo-me muito pouco: pessoas, falta da pimenta e de não ter investigado a fundo a perspicácia do destino no momento em que apenas cria na coincidência.

Até à próxima etapa, quando eu dormir!

O Arrependido