Sempre tive a intenção de procurar nos mortos o sentido de estar vivo, Como objeção. Se eu fosse procurar nos vivos tal razão de ser, talvez me decepcionasse mais com as categorias de vida que se generalizam. Pensava muitas vezes na idade, a importância de contar números, e quantos se foram em não sei qual tempo de pó. Os mortos me causavam fascínio porque, na melhor expectativa de vida, sempre me diziam que Deus os chamou. Deus vive chamando, então. Puxa pelo braço, pela perna, pelo estômago? Chama pelo nome. "Caio, venha." "Vem cá, Sandra." "Está na hora de vir, Agenor." Um dia desses, não faz tempo, ninguém ouviu, mas ele disse "Eunice, vem agora."
Olhando para aquelas lápides, só os nomes me deixavam intrigado. Eram muitos. Precisava ler, para imaginar aquela voz que chamou, porque eu nunca ouvi. E aquele silêncio no nome, não havia sequer um sussurro em lugar algum que eu tivesse a certeza de quem Deus chama. Mas é o que dizem.
Acredito que o temor a Deus - porque justo é - ora há muita gente a desobedecer a vida inteira, então quando o escuta chamar, decida obedecer. E se vai. São perfeitas decisões, quase pactos, o que chama, e o que é chamado o atende.
As religiões talvez sejam porta-vozes desse chamado, uma antessala para dar o nome e esperar na fila. As pessoas religiosas poderiam ser educadas assim, sempre: esperar ser chamadas. Ficar esperando sem incomodar quem faz a hora. Suponho que a educação é mais plausível que a obediência. Eu desejaria, deveras, que todos bem educados fossem. Mas me deixa muito curioso esse tratamento personalizado que a vida, supostamente, dá no seu fim. Olha que incrível: lembrou do meu nome! Tanta gente esquece.
Há ainda muita gente buscando nome bonito para dar ao seu filho, porque há nomes ridículos e a pessoa se envergonha quando a recepcionista chama no médico ou o professor sinaliza quando faz a chamada. Se eu tivesse um filho, pensaria a gestação inteira num nome bem lindo para chamá-lo. Quando o chamasse ao paraíso, ele nem se envergonharia no último instante de vida terrena.
Olha, mas é tudo suposição e devoção circunstancial, nunca ouvi Deus me chamar. Ah, mas eu me envergonho, não do meu nome, mas dessa galera viva que poderia atender pelo anonimato. Algumas vezes eu sou anônimo. Algumas vezes meu nome encanta. Acho que o tempo pode equilibrar meu momento certificado desde o nascimento e a vergonha que causo a mim mesmo, denominado indigente. Quiçá esteja tudo equilibrado por ora e no momento que pender para minha identidade, uns quilos a mais - ou a menos -, Deus me chamará. A boa notícia é que ouvirei. A má notícia é que isso é apenas uma suposição.
Imagem: Portal Barueri
Nenhum comentário:
Postar um comentário