20 de novembro de 2017

Lázaro de Betânia, Provença ou República dos Palmares

Uma conexão no Aeroporto de Marselha, duas horas, e sem cigarros no bolso. Um café e um croissant; depois, uma pequena caminhada até o outro terminal em busca de uma loja de tabaco e uns minutos de distração. O coração de quem, confundido com um leproso, tornou-se pobre numa Provença de riquezas marítimas, a cruzar a fronteira pelo céu de mendicância e saciedade. Sou Lázaro refugiado na intermitência do amor que se locomove entre o túmulo e a vida asséptica, um banho de sol e uma voz para ressuscitar do lugar em que faz de Betânia um pequeno espaço num oceano imenso de incertezas.
- Vem para fora! Levanta-te e anda...
As muletas que suportam o peso da minha consciência como quem intercambia de um posto a outro, entre são e salvo e um morto qualquer, confundido com alguns indigentes. Quem se tranca numa caverna, adormece ou morre, ou se fecha o armário das relíquias indecentes, ora de grande valor, ora tão sem nobreza como bilhete de companhia aérea low cost
O tempo é confuso, entre as tapas sevilhanas e os tapas universais - dores comuns a quem se deixa bater forte até cair, sem equilíbrio. Oferece outra face e guarda os estalos a cada golpe da ocasião. Conto "um", "dois", três"... quatro dias a cheiro mórbido de um lugar escuro onde descansa um corpo cansado e uma mente sadia, oscilando, mas sadia, ainda. Equilibrando a emoção na ponta do pé; e dos pés à cabeça, continuo sendo o amor daquela canção de 1971. 
Eu acredito, mas já não tenho fé. É tanta mentira que a morte parece se achegar todos os dias ao pé e subir às pernas num movimento de uma lagarta, em sua escalada de sobrevivência para se alimentar, deixando rastros de morte no verde que deu cor à vida e foi o xilema que fez chegar a esperança a todas as partes de um ser. Confundo-me com o estado vegetativo e a promessa do milagre, nesta cidade que jamais verá um morto ressuscitar. Ao contrário, estatística de violência faz levar vidas tão cedo, seja por fatalidade ou negligência de um pronto atendimento sonegado à população. Cá estou, na terra de Zumbi dos Palmares mas comandada por oligarquias terríveis, coronéis que mudam de profissão ou de partido a cada quatro anos.
Desde a América do Sul à Cisjordânia, e sim, aquela do Mar Morto... Desta mistura de exodus, o balsâmico, lenitivo, até o Sul da França, na costa, a sentir o cheiro de lavandas sobre corpos mediterrâneos, transeuntes, em apenas duas horas, comendo aquele croissant frio e bebendo o café forte, para despertar meu corpo para mais um voo, que melhor caísse sobre os Pirineus, do que encontrar farejantes fariseus remodelados e à espreita da minha má sorte por andar e querer amar, um pouco mais, ao dezembro último andaluz. 

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