O futuro parece ter chegado um pouco tarde por aqui.
Nas ruas que ostentam seus vãos pedindo atenção a todo instante, para que se evite uma queda, um desatino. São passagem para quem tem pressa de chegar ao porvir e juntar seu patrimônio muitas das vezes cheios de arrogância - e é inexato - e uma característica cozida a vapor sob este sol que todos os dias ferve a cabeça de qualquer indivíduo com ou sem fé. Entre um Audi ou uma Mercedes, e vários carros populares comprados à época em que o Poder Público dava o IPI zero, sempre há uma carroça, com um ou dois, talvez três homens e mulheres a dominar um animal que puxa sua engenhoca de madeira sobre duas rodas. Parece-me cru. Parece-me o estado mais primitivo da nossa inteligência e soberba, também, por sacrificar bichos em nome de um ganha-pão. Eles carregam em seus veículos à tração animal, ajudado a rolar sobre estradas cheias de buracos, e pegar a velocidade com a sua própria pressa, com seus parcos recursos; eles e elas querem também ao futuro chegar, a algum lugar, transportando metralhas ou a desprezada sabedoria diante da tecnologia alemã, estadunidense ou outro gentílico que inventou seus automóveis, em certas ocasiões, assassinos.
Cada estrada está praticamente esmagada a cada meia década por uma nova construção que, por cá, muitos chamam de avanço. São escola bilíngue, consultório, apartamento com acabamento de primeira linha (mármore ou granito) e até casebres, que estão distante da brisa marinha, onde nós, o povo maceioense, costumamos chamar de periferia. Mas há uma só verdade, seja ainda de barro, seja pavimentada, as ruas são as artérias coagidas por tecido concreto, com esquadrias de alumínio ornamentados com os mais variados vidros e espelhos. Espelha-se no moderno sempre o dano venoso onde correm os passageiros, os condutores e até um menino que escolheu o lugar mais perigoso para jogar sua bola. Tecido dinâmico de uma cidade que se movimenta noite e dia... para onde? Toda a gente cozendo na maior parte do ano sob o mesmo sol que queima as cabeças ateias, cristãs, de matriz africana ou sem matriz, totalmente sem identidade local, querendo ser igual a outrem, bem além dali. Daqui. Em qualquer lugar sempre há um embrião gourmet, com prepotência universal, com boçalidade cosmopolita. Surgem espaços onde alimentos fornecem ao fetiche a intenção de transformar esse presente disperso naquelas vielas ou nas avenidas da moda uma torre de babel gastronômica, enquanto o homem que rege sua carroça do passado pode parar para tomar um caldo de cana com um pastel em um ambulante, de um mercado informal. São contradições do dia a dia, sob o mesmo sol que torra a cabeça da linda loira que saiu do salão de beleza com os fios de cabelo cada vez mais transgênico, cada vez mais fenotípico. Ela passeia sua beleza feminina da porta do local até o seu carro sei lá pensado onde! Ela veste uma grife italiana, ela é alagoana, como eu, mas ela está cozida como todos nós. Ainda que ela se vista com detalhes em "filé" ou "singeleza", de uma outra alagoana aí, popular entre os astros de constelação televisiva; ela continua cozida, enquanto, no Pontal da Barra, as genuínas mães ainda ensinam suas filhas o que é permanecer crua, andar na rua de cabeça erguida, sentindo a brisa lagunar de Mundaú.
Maceió tem em suas águas o paraíso de um slogan perene até o dia que o sol que ainda cozinha nossas cabeças faça mudar o estado físico da matéria. Já que se evapora o que fomos em nome do que nunca seremos, ainda que sigamos cozinhando os miolos com o olhar para o Hemisfério no qual jamais coube um pouco de nós.
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