22 de novembro de 2017

O nome dela

Lembro-me bem do dia em que eu estava no salão, onde Sônia, a cabeleireira, interrompeu o corte da tesoura para eu atender àquela chamada. Era minha irmã que trazia a notícia de que estava grávida, acabara de saber. Não contive as lágrimas, que Sônia e meu amigo Marcos presenciavam no estabelecimento no centro de Campinas, em São Paulo, onde eu morava.
Quando Ana Beatriz chegou ao mundo, eu estava em Maceió, comemorando com a família a chegada da minha primeira sobrinha. Acho que foi um dos momentos mais especiais da minha vida, eu nunca tinha experimentado esta sensação tão difícil de descrever com palavras.
Já se passaram mais de quatro anos, e acho que é o tempo determinante para escrever o quanto de significado esta vida tem à minha, da forma mais simples, sem lapidações, apenas com o que minha cabeça, neste momento, consegue formular. E por que não dizer que é um exercício de gratidão, sentimento reforçado a cada dia pelos motivos que só eu sei que existem para que jamais me esqueça desta presença. Além dos agradáveis e incontáveis momentos em que ela fez de vazios espaços cheios de vitalidade, de agonias fez apaziguarem instantes de dor e de perda de rumo deu-me a direção correta das minhas melhores e mais deliciosas escolhas.
Preciso lembrar-me do desenho esquisito no papel sobre minha mesa, ao chegar a casa, ter regalado de essência um dia cansativo e que parecia sem fim. Preciso também catar na lembrança qualquer singelo passeio que fizemos pelas ruas vizinhas a troco de nada, de passar o tempo e de fazê-lo tudo. Buscar no álbum da memória a imagem mais bonita que carrego comigo, quer meus olhos abram de atenção redobrada ao pânico causado pelo medo nesses dias insanos, quer meus olhos fechem para derramar lágrimas quando me sinto fraco nesses dias onde a força às vezes entra em colapso e diz... melhor não dizer. Muito melhor é encher meu peito de ar como quem respira o cheiro do seus cabelos loiros escuros e fixar o olhar na imaginação desses olhos verdes, tão lindos, que às vezes penso ter uma boneca para brincar, mesmo que o mundo diga que meninos não brincam de bonecas.
Quanta bobagem andei pensando, quantas consultas eu estive procurando para encontrar, com ajuda dos tais doutores, uma solução imediata para o que quatro anos já bastam por sentir-me curado no abraço dela. E quanto de mim se foi nos intervalos longos enquanto me fizeram triste e ela estava tão acercada, mas eu perdia meu tempo me distanciando daquele amor que só pedia carinho e atenção.
Não sei se por negligência minha, da que me fez tolo, mas compreendo tais perturbações que venho tendo, pois elas diminuem quando volto meu olhar sereno e firme ao âmago que nasce no ponto fixo, seja na parede do quarto ou na almofada recostada sobre a cama, esperando o dia em que ela volte aqui para contar as coisas de uma menina.
Fico a pensar se nesta idade que ela tem agora, nesta etapa da vida, é melhor do que viver à desconfiança do homem que mente e engana, e descobrir que as coisas não são exatamente como parecem. Que a imaginação é apenas um mundo de sonhos infantis que podemos criar livremente, embora existam à espreita interesses mais hostis querendo penetrar a camada mais frágil e chegar ao meio para vender qualquer coisa: uma ideia, uma situação, um brinquedo... Fazer lucro sobre a inocência de uma criança deveria ser crime hediondo, mas há leis em quais não posso intervir.  O tempo vai passando, como para todos nós, e logo ela descobrirá tantas duras verdades, como para mim foi choque, chegou a ser queda, física e mental. E para este tempo só projeto meu sonho de estar ao seu lado a contar sobre coisas minhas, que sua idade ainda não permite entender, até que ela saiba que amizade é algo bom, maior que nossos laços consanguíneos. Nesta ocasião, se a vida me permitir, ela saberá o quanto foi determinante o amor que nós construímos a cada oportunidade convivida e partilhada, sobre as quais foram erguidos tantos porquês à afeição rija, mesmo que amoleça meu coração só em pronunciar o seu nome.

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