2 de setembro de 2019
Fundo do poço
Lá ao fundo estava eu, todo vestido de dor, como quem não quisesse ser esquecido na imensidão. Mas, na verdade, eu não queria, à altura, coisa alguma. Eram muitas cores, coisa bem repartida, não consegui ver direito, mas era aglomerada em nuanças, no mínimo, pareciam dois grandes grupos. Escutei algo, lembro-me de alguns nomes: Joana, Alice, Manuel, Pedro e outros. Também havia o cachorro que andava manco, um passarinho que se debatia com a asa partida nos cantos que nos cercavam, o mendigo cantarolando - sem nome e já esquecido pelo povo -, muita gente, mesmo. Havia um ar seco que fazia pessoas tossirem, o ar que entrava e saía, circulava por ali, às vezes escurecia e parecia uma densa fumaça. Ela se espalhava. Continuei no meu silêncio habitual; abri uma garrafa de água com gás e bebi com toda força da sede e necessidade de borbulhas, sei lá: no estômago, no sangue, nas extremidades do corpo. Um arroto, uma falta de educação, uma reação física muito comum. Talvez um drama de etiqueta fizesse, além da cor da minha roupa e do som do meu corpo, o ruído daquelas caras feias cheias de julgamento. A gente era um monte de descrente, crente, número, indivíduo. Era o serviço de inteligência do mundo e o desserviço por birra, uma grande contradição. Precisava de líder: um sacerdote, um jurista ou presidente? Mas era, como sempre, mais gente metida nesta confusão. Essa cavidade não parava de encher. Luzes, sei lá, flashes, selfies, risos, mensagens instantâneas, fake news... uma mistura de tanta coisa e tanta coisa parecida. Uma cavidade dada por escrutínio.
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