26 de outubro de 2017

Dulce Zero

Oxítona em sua redoma de vidro:
Esther numa revisita meio século depois.
Açúcar no futuro, doce insumo dias atrás.
Fez da travessia com papel à mão
Contra amargo sumo bebido
Nos idos anos, sentada na cadeira,
Quando à beira do objetivo - seu livro -
Se lia ideia para ser, queira ou não queira.

Enquanto sua mãe cortava as mãos
Na lavoura dos patrões,
Ela lia; comia letras; bebia água.
Escorria no canto de sua boca
Uma gota de ódio, por que não?
Entre um suspiro e outro de ar e fuligem.

Foi a número um na doutrina.
Foi atrás de quem desse trela
À conversa, à quimera, o trabalho e o campo;
Dois cantos e muito para quem vivia
Numa senzala alugada por quase duas décadas.

Antes do prêmio, um mistério.
Negra como a noite, 
Meiga como açoite 
No âmbito feminino entre muitos homens
Que dominavam o corpus,
Ela produzia num tubo de ensaio
Como quem improvisa sem treino,
Sem piedade e sem oportunidade.

Dulce Zero, minha querida,
Vingarás os agres do agreste
Do latifúndio e da cana caiana,
Dos donos da cana, dos cabras da peste,
Dos mercados consumidores,
Dos farsantes amores...

Flor da minha imaginação,
Minha botânica e minha menina favorita;
Planta de oração doce,
Perene herbácea sem tronco 
Com raiz rizomática...
O jardim gramíneo todo de volta
Para ti.
Toda a sedução das formigas,
Na guerra,
Por nós.

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