28 de julho de 2020

In bocca al lupo

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Matilde me ligou às cinco da manhã. Puta que pariu... cin-co ho-ras da man-hã!
Foi um susto tremendo. Ainda estava escuro e tinha dormido tão cedo que acho que faltavam mais umas duas horas de descanso...
Cinco segundos de quase silenciarem o ring tone e me permitir ao privilégio do quente edredão ainda com aquele clima manso de inverno com todo o silêncio dos arredores.

- Olá. - num cumprimento de espanto e insatisfação - Não me traga notícias pandêmicas, já chega!

Depois dali, a bêbada já soltou a gargalhada habitual e começou a falar da sua viagem a Viena, que fazia falta. Ela sabia que eu adorava ouvir aquela história e tinha um motivo de ela ligar e contar o episódio mais uma vez.
Mulher infeliz, sempre bêbada e confluente em nossas abstrações tão comuns. Reuniam ambos os ébrios da vida numa mesa de bar imaginária que sempre considerávamos a Jugend que habitava o mosaico das folhas que sobreviveram à imaginação fértil do nosso estado de art nouveau. Portávamo-nos como dois jovens errantes trombando acidentalmente na Avenida da Boavista. Em vez de pedir desculpas, olhamo-nos com retinas apaixonadas e dali o sorriso foi uma rotina. Ela estava bêbada; eu, fugindo sempre do lugar anterior.

*****

- "Santé!" Com o cantil à porta do museu, brindava às coisas bonitas e materiais da cena, porque o ambiente, o organismo e os fenômenos físicos são matérias essenciais para a relação dialética fazer sentido pr'aquela visita, que seja. - "Christian Witt-Dörring is here?", perguntou, com um bafo da fermentação de açúcares, diante da entrada ao abrigo da Coleção Permanente Viena 1900. - História hilária! - A louca procurava o curador. E saiu comentando peça por peça para o seu então namorado Joaquim, até chegar defronte ao mosaico que tanto eu quanto ela tínhamos admiração profunda. E soltou um suspiro com a frase mais engraçada que já se ouviu dentro de um lugar dessa estirpe: "Se não fosse Adolphe, qualquer um dos Stoclet poderia me comer!", saindo de cena mais uma vez com a impunidade de quem caça dotes pictóricos. Tirou um pedaço de papel da mão, e entregou à guia: "give this to Christian Witt-Dörring, please!". No pedaço de papel estava seu número de telefone.

*****

Pensei na dimensão da ideia; é a única reflexão que faço toda vez que escuto essa história. A gente tem metas na vida. Elas podem ser descontextualizadas no plano macroscópico. Mas no íntimo, esse Norte sempre vai apontar a direção de nossas escolhas e também de algumas atitudes. Eu compreendi a atitude da Matilde na primeira vez que ela me contou o causo. Não à toa rimos ao acidente que nos uniu pelo resto dos dias, em vez de desculparmo-nos e seguir viagem pós-diplomática - as etiquetas que trazemos de casa à rua para justificar todas as oportunidades que perdemos.
Uma ligação às cinco horas da manhã poderia passar como um intranquilo momento ao telefone com uma bêbada infeliz e com todas sua nostalgie de l'Occupation. Há uma razão em todo pessimismo metódico que nunca mais vai encontrar onde se encontra a justificação largada ao cosmo, sei lá, até aos zodíacos, celtas, astecas. Em Matilde, encontro melhor maneira de sentir o que irremediável.
E ela se despede de mim sempre me chamando de Príncipe Galeotto.

- "Ciao, Principe Galeotto!"

Eu só tenho a sorte de manter o espírito no Jungendstill.

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