5 de maio de 2009

Quarto 304

O que co-habitou entre quatro paredes não é o bastante para expelir saudades. Essa, quiçá, seja a única centelha de um grande feito que repousa, agora, neste quarto sempre vazio. Outras paredes cúmplices e oniscientes; de caladas, confidentes de confiança: mais morta do que minha boca e meus olhos, e o coração esperançoso para bater em hotéis e pousar sereno como o dia de ontem.
As construções mais velhas e inúteis devem ser implodidas para dar lugar a outras edificações, talvez tão humildes quanto os meninos que da rua criam moradia. Rua das ruínas, número perdido, gemidos cessados e o quadro novo de um estado de calamidade privada. Um quarto antigo é só um velho e enquadrado aposto de passado, presenteado.
Tornam-se públicas evacuadas habitações aos sem-teto. Essa gente pode invadir os recantos desconhecidos de propriedade, porque advem de quem não assiste lares, vãos e até mesmo esqueletos arquitetônicos, uma vez que não sabe o valor de um e qualquer lar para quem sente frio, para quem não tem abrigo.
Assim, vejo dois paradigmas de usucapião: residência – genérica – de onde, pelo uso, pela posse e o lapso temporal, essa gente se faz proprietária, e – pela pessoalidade – o abandono sem prazo, desdenhado e covardemente desvalido, faz-se valer a doação inconsciente ao próximo habitante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário