Um amigo tomou as minhas dores de orgulho na última aula, porque outro, na sua brincadeira etnocêntrica, chamava-me de baiano. Eu respondia, obviamente, que nasci em Alagoas e o gentílico dessa terra é 'alagoano'.
Dias depois o amigo sofria comigo esta atomicidade maculada, por ser indivisível nossa identidade. Quando se está longe do nosso recanto, onde a maioria congrega uma só voz, a transação de qualquer valor fica entre a imbecilidade e a ira. Eu parei e pensei, temeroso, que aquela brincadeira tola, tinha um repertório de preconceito que anos passados acumularam.
Meu amigo dolorido se queixava, porque me via como uma pessoa que estudou o preconceito linguístico e agora frequenta fonoterapia para eliminar regionalismos mal quistos. E eu não esperava que minha dor se estendesse tanto assim, ao ponto de ver um paulista sentir, na alma, que a inocência disfarçada esconde em si uma carga pesada de ignorância.
Jamais meu falar seria o mesmo desde quando eu pude optar por dizer, de forma não adquirida no trajeto da minha personalidade, todos os fonemas com pontos que minha língua jamais ousou articular. Eu justificaria no trabalho a força de empurrar para trás minhas relevantes bandeiras e hastear um novo método, por assim dizer, de semelhança para elevar preces amarelas quando minha crença louvava azuis celestiais.
Um mundo cheio de cores, paradoxalmente, apresenta-nos escuridão em nome da má fé que julga itens periféricos do não propriamente dito no gosto popular.
Eu passei alguns meses afirmando que televisão ocasionou um segregado valor e uma hegemonia que concentra históricos de luz, câmera, ação. Agora, cá estou, reunindo todos os esforços da boa vizinhança para polir-me nesses enquadramentos corporativos que me cedem o voluntariado para abrir portas de dizer boas-vindas. E seja lá o que for, eu entrei.
São apenas três etapas a serem discernidas numa vida peculiar, opção de cada um: onde tudo é aprendizado, onde o aprendizado vale nota e onde tudo que se aprendeu que não se deve disseminar a granel tem de ser processado em máquinas de ignorância e soar com mais alto grau de estúpido refinamento.
Um homem perde muito quando nega origens, perde uma identidade explícita.
Um homem ganha qualquer trocado para dizer que já foi e não mais é.
O pior é quando se está na etapa de ganhar e sobreviver, dizendo sou esse que vocês veem, mas jamais esse seria todo de mim: atentar à parte mais interessada ao momento e rir das tolices que muitos creem ser esteticamente melhor ou daquelas proferidas em sala de aula.
A propósito, baiano nasce na Bahia.
Imagem: capturada no Flickr
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