Sinto uma dormência constante por todo braço esquerdo. Não sei do que se trata, mas já me preocupa por não ser canhoto. Não é usual o esforço deste membro, porque eu tento carregar o mundo como destro. Talvez sejam as imensas energias que estejam migrando para um lado obsoleto. A inutilidade foi legada com preconceito ao que se chama de sinistra, gauche ou oposta ao lado correto (falo do opposite to right, em inglês, obviamente). A esquerda, em bom português, até há pouco tempo foi considerada um termo com conotação negativa, sempre do lado opositor. Então venho, hoje, defender este lado por uma mera visão de equilíbrio. Não posso negligenciar a importância de uma posição legada ao fora do comum, incorreto ou até mesmo com aspectos subversivos. Faço isso, portanto.
Meu braço esquerdo tenta me ridicularizar, como resposta à escrita ocidental - que tanto pratico - que lhe permitiu ser apenas o desfecho da história, já que tudo começa pelo lado direito, que nem sempre correponde à noção do que é certo: eu preciso sempre de uma plausível ortografia.
Engraçado como todo o meu organismo é afetado, geralmente, em maiores proporções à esquerda.
Engraçado como todo o meu organismo é afetado, geralmente, em maiores proporções à esquerda.
Um exemplo curioso tenho como deficiência orgânica, a que acomete, sobretudo, meu olho esquerdo. Ele possui a acuidade visual menor do que o oposto: eixo de astigmatismo quase dobrado em relação ao direito. O coração, culturalmente posicionado no lado esquerdo do peito, sofre dia-a-dia com uma dor insuportável, e é um princípio de pertubação generalizada.
Lembro-me, agora, de Carlos Drummond de Andrade, em sua obra Alguma Poesia, transportando-me à posição de quem lida com o sentimento torto.
Lembro-me, agora, de Carlos Drummond de Andrade, em sua obra Alguma Poesia, transportando-me à posição de quem lida com o sentimento torto.
Ei-lo:
Poema de Sete Face:
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Meu braço esquerdo transporta a dor de um mundo conflitante. E que ironia, neste conflito, ele escolheu a tortura para se expressar!
Imagem capturada
Há uma boa dose de masoquismo nessa maneira de refletir e se fechar na concha, não?
ResponderExcluirEM tempo: DRUMMOND é perfeito e do mundo. Linda essa obra dele! =]
Sou uma outsider convicta. Não à toa, "gauche na vida" é a minha definição no "sobre mim" da Last.fm.
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