28 de junho de 2011

Decisão matriarcal

Todas as vontades não couberam num corpo já fragilizado. Era muita irresponsabilidade nossa querer ter por perto alguém que só precisava de descanso. Seria muito egoísmo de cada um de nós exigir que ficasse para juntos termos alegria diante de tanta dor, que talvez não chegue ao tamanho da nossa saudade.
Hoje, estou distante da minha família, foram escolhas, que me trazem prazer, mas vive concomitante com ausência sentida, nosso desafio de cada dia por estar bem e procurar sempre por isso.

Neste domingo, D. Eunice descansou de sua vida muito bem aproveitada, às dores que, ultimamente, faziam, aos que amavam, pouco a pouco e tão rápido, perceberem que a melhor vontade é aquela que acrescenta outras vivências que nossa pouca inteligência demora a entender.
Sinto saudades da minha avó e, sobretudo, sinto muito por não estar perto dos que ainda aqui estão, para darmos forças um ao outro, como temos feito dentro de nosso alcance. Dor e conforto se misturam entre lágrimas e sorrisos, que vêm à lembrança quando evocamos um nome que sempre nos inspirou vontade de viver e agora nos sensibiliza com imediata e pontual atitude de coragem e fragilidade, decidindo a maior de suas vontades: ser eterna.
Nosso amor, maior conquista com a educação que tivemos, garante atitude coerente de convivermos com uma falta tremenda, ao passo que confiamos em nossas metas sem o olhar de uma grande matriarca.
À minha família, meus sentimentos.

23 de junho de 2011

Liberdade líquida


A decadência me legou algumas funções incríveis para abstração das coisas. Uma delas foi ficar parado, ouvindo quinhentas e tantas vezes a mesma canção, à espera da passagem de uma hora para outra sem me culpar do tempo perdido por estar ocupado em não absorver certas razões inocentes. Em outras palavras, é desocupação, mesmo. É perder o estado sóbrio, remunerado pelas leis de produção.
Produzir a vingança, a devolução da moeda, a expectativa do improvável seriam sementes plantadas com o desgosto de cada soluço para depois colher tanto desprendimento sob a ideia do mal. Melhor abortar do que deixar brotar a vida já mutilada desde sua concepção. Melhor, assim, ignorar por algum período o tempo de recorrer às fórmulas do insucesso que, sob a estufa, se aquece do álibi de cabeça quente, preocupada com a melhor resposta em face à necessidade desse silêncio bem-vindo, minha decisão mais sensata e necessária para absoluto desapego.
Confesso que tanto a Deus peço que retire essa revolta coerente, totalmente plausível, desde que injustamente fui acusado de proceder com desinteresse a respeito de situações claras que pouco a pouco mudavam meus dias (rotação em torno do meu próprio eixo, apenas por mim enxergada).
Antagonicamente felicidade de perdedor é incontestável. Poucos entenderiam minha comemoração por perder dias, perder um carnaval, perder uma semana santa, perder outras datas importantes. Celebrar a insignificância de tickets de cinema acumulados entre uma ou outra página da agenda. Brindar o saldo negativo da conta corrente que sustentou intuitos diversos de diversão e compromisso com uma realidade cobrada com perspectiva de transformação (do imutável), sem que meus credores imaginassem o tanto que apostei na dívida explorada com percentual diário de juros. Eu explicaria tamanha felicidade a qualquer juiz que decidisse me condenar por desonrar meus documentos que atestam cidadania? Não há instância nem jurisprudência que pudessem ultrapassar o mais respeitável dos meus veredictos: a liberdade.
Desde quando contemplei essa liberdade, suprimida intencionalmente entre um discurso e outro de insatisfação, logo depois, resgatada no mais certeiro golpe, que eliminou rival de discursos, satisfações, resgates...
Hoje, a peneira que não tapou o sol - a mesma que serviu para reter grosserias - é utensílio para escambo dos senhores da ignorância e os inocentes pós-mim. Já não preciso mais selecionar paciência nem liquefazer minha sólida experiência em aprender a compreender.

Imagem capturada: Chema Madoz

21 de junho de 2011

Cuide de você


Encontraram o Vício perdido numa rua próxima ao porto, talvez ele quisesse embarcar no próximo navio para as terras de ninguém. Ele estava perdido, não sabia voltar ao seu lugar, nem sabia se havia mais lugar. Era como o fim da linha do horizontes de chão. Ele via mar, um novo aspecto, e ali poderia desbravar o desconhecido até que encontrasse outra terra firme ou vivesse à deriva na imensidão que o deixasse flutuar, já que o passo sobre o concreto era demasiadamente áspero e solo - independente da semântica - levá-lo-ia ao temor de encarar a primeira lembrança de uma palavra sozinha.

Até que a Palavra Sozinha, essa que parecia ter um nome e um sobrenome, uma raiz selada aos modos dos bons olhos sociais, admitida com bastante coerência, apareceu à beira-mar.
Era a Palavra Sozinha, mas todos estavam certos de que passava de apenas uma, sem invadir seu espaço apresentado, no mínimo, eram duas ali. Sozinha, a Palavra lhe tinha uma companhia.
Ele, o Vício, sem sobrenome, com o nome apoiado apenas no bem-estar momentâneo, degradava-se aos poucos, recebendo toda maresia de fazer da atmosfera estável, porém a ferrugem consumia em tempos de não saber mais onde ir.
Ouvia dizer que até a água, tão transparente e inofensiva, dos menores males, oxida a vida.
Todos dos arredores sabiam que estavam condenados ao retorno, um certo dia, do seu destino. O Pó, que volta sempre a ele mesmo. O Mar, que suporta e agride, quando ameaça com suas ondas desbravadoras, assim recua com toda a experiência (ou devastação) que se lançou. Todos os nomes cogitados jamais poderiam transformar sua função além daquilo para que foram denominados.
Voltando ao encontro do Vício com a Palavra Sozinha...
Toda intencionada de aprender um pouco mais e, talvez, contaminar-se por aquele vício prazeroso, ela, Palavra Sozinha, decidiu parar, sustentada pela incondicional função do Cais, e dizer ao Vício que fosse, atrás do que ele consideraria menos letal do que a vida que enferruja aos poucos na terra firme banhada por quem suporta e agride, aconselhando-o de que se é para estar em terra e sofrer as agressões da brisa - a tendência cruel e intuída de pacificidade marinha - melhor seria enfrentar as tendência mais declaradas de destruição do Mar, conviver com seus perigosos anseios e encontrar o outro lado de sua já conhecida função.
O Vício se foi para onde nem o Ar testemunhou o paradeiro.
Há umas semanas não se soube notícia alguma do seu intento, mas a Palavra Sozinha, descobrindo que não tinha mais a quem por instantes lhe deu prazer, perdeu o Vício, e nem tinha a si mesma, por todos instantes viciosos, que descuidados, obrigou-a a temer qualquer nome que quisesse acompanhá-la.
E continuou sendo uma palavra sozinha, ainda que tema.

Imagem capturada: Cais Mauá

7 de junho de 2011

Convexo

Tua ausência me incomoda.
Na presença dela, há boa notícia:
O convexo que enxergo,
O mais amplo que vivo,
Nada mais que proibo.
Plenamente noto cada ímpar situação
Sem teus apelos a esquecer o mundo.
Se aqui inserto meu confinamento de mim,
Melhor do que a ti dedicar meus endereços,
Pois este mundo de plenitude está adiante...
Nada mais teu é tanto meu
Quanto meu mundo convexo.

Imagem capturada: Earth 3D

2 de junho de 2011

Impresso

Por mais estranho que eu me sinta, estou vivendo cada dia de uma vez, descartando coadjuvâncias, tentando priorizar o protagonismo baseado na obra-prima na minha estante de histórias compiladas. Aí estou eu, dedicado a focar a expectativa confortável que me traga resultados benéficos, com um pouco de urgência, claro, por analgesia, neste momento. Depois pretendo enxergar verdadeiramente o culpado de tudo, quando não houver mais dor com partícipe. Estou assumindo minhas responsabilidades antes de jogar nas mãos do próximo relato de um dos livros que minha estante sustenta. Eu ando evitando releituras, porque o projeto, por ora, é um novo capítulo. Já incorporei minha vocação literária há mais tempo do que o temporário e inédito livrinho digitado a quatro mãos. Nunca vou deixar de escrever, ainda que, e no entanto, não haja destinatário específico, porém as palavras me acompanham no olhar sobre negociatas do destino que nós mesmo escrevemos.
Insisto na retenção do meu luto e próximo capítulo, porque a espera pelo inesperado repercute toda vez que abro os olhos, deitado na cama, e vejo que outro dia começa. Portanto, são etapas intensivas - há de ser assim - para viver a indagação, a ausência, a raiva, o egoísmo, assim outros sentimentos gradativos de uma evolução que, para mim, fará melhor leitor de horizontes e, consequentemente, escritor das minhas outras boas histórias, como são quase todas que refletem no capítulo final.
E para quem sempre espera ansiosamente pelo final de um livro carrega em si a consciência do término. Não obstante, para quem tem o hábito de leitura, haverá sempre outro título a escolher. O escritor lida, por enquanto, com o espelho entre suas páginas mal escritas e descobre que, de fato, há um rascunho aqui. Agora, edita, joga papéis no lixo e se prepara para a definitiva impressão.

Imagem: Chema Madoz

1 de junho de 2011

Moídos externos

Quanto mais se insiste no inferno, mais quente a febre domina. Estado febril é incurável para quem está condenado a viver sob os costumes da tábua do mal. Sem percepção, um pouco de sacrifício não é redentor. A condenação não é castigo: sofrimento decorre daquela semente plantada no quintal e regada com sonhos banais, a doses imperfeitas de contaminação líquida, esvai-se fácil entre os dedos, mas deixa molhar partes mais baixas, como as baixarias que chegam em tons irônicos; a colheita é o único substantivo correspondente à verdade que vem na safra.
Certo dia não permiti que se minimizasse uma culpa, pareceu meu julgamento mais coerente depois de meses de alucinações apaixonadas, dia e noite; aos olhos alheios um conto de fadas vivido por mil e uma tristezas inúteis. Ver é diferente, sentir é o mesmo, só sabe quem o sente.
Quem dá poder ao creme corre o risco de ver a cereja afundar na inconsistente e movediça superficialidade do bolo de consolo, do prêmio de consolação. Há quem julgue também com o nome de amizade ou relações prósperas compartilhadas de bem-querer fajuto, remissivo depois da festa viral.
Eu já havia dito: quem mergulha nas profundezas da insensatez, afoga-se no mar de dúvidas e inseguranças; qualquer som que se prolifere terá ruídos esquisitos e nunca terá a leveza do vácuo.
Importa que o ar se perceba correndo no corpo, levando vitalidade às partes mais valiosas do conjunto da criação. É neste ar que se mistura a poeira de tudo e, portanto, o que era e se esfarelou ocupa o mesmo espaço do que do pó vai existir. A diferença está em que universo você se enxerga e se mete: o paraíso é tão longe da mente, mas o inferno aproxima muitos doentes.