21 de junho de 2011

Cuide de você


Encontraram o Vício perdido numa rua próxima ao porto, talvez ele quisesse embarcar no próximo navio para as terras de ninguém. Ele estava perdido, não sabia voltar ao seu lugar, nem sabia se havia mais lugar. Era como o fim da linha do horizontes de chão. Ele via mar, um novo aspecto, e ali poderia desbravar o desconhecido até que encontrasse outra terra firme ou vivesse à deriva na imensidão que o deixasse flutuar, já que o passo sobre o concreto era demasiadamente áspero e solo - independente da semântica - levá-lo-ia ao temor de encarar a primeira lembrança de uma palavra sozinha.

Até que a Palavra Sozinha, essa que parecia ter um nome e um sobrenome, uma raiz selada aos modos dos bons olhos sociais, admitida com bastante coerência, apareceu à beira-mar.
Era a Palavra Sozinha, mas todos estavam certos de que passava de apenas uma, sem invadir seu espaço apresentado, no mínimo, eram duas ali. Sozinha, a Palavra lhe tinha uma companhia.
Ele, o Vício, sem sobrenome, com o nome apoiado apenas no bem-estar momentâneo, degradava-se aos poucos, recebendo toda maresia de fazer da atmosfera estável, porém a ferrugem consumia em tempos de não saber mais onde ir.
Ouvia dizer que até a água, tão transparente e inofensiva, dos menores males, oxida a vida.
Todos dos arredores sabiam que estavam condenados ao retorno, um certo dia, do seu destino. O Pó, que volta sempre a ele mesmo. O Mar, que suporta e agride, quando ameaça com suas ondas desbravadoras, assim recua com toda a experiência (ou devastação) que se lançou. Todos os nomes cogitados jamais poderiam transformar sua função além daquilo para que foram denominados.
Voltando ao encontro do Vício com a Palavra Sozinha...
Toda intencionada de aprender um pouco mais e, talvez, contaminar-se por aquele vício prazeroso, ela, Palavra Sozinha, decidiu parar, sustentada pela incondicional função do Cais, e dizer ao Vício que fosse, atrás do que ele consideraria menos letal do que a vida que enferruja aos poucos na terra firme banhada por quem suporta e agride, aconselhando-o de que se é para estar em terra e sofrer as agressões da brisa - a tendência cruel e intuída de pacificidade marinha - melhor seria enfrentar as tendência mais declaradas de destruição do Mar, conviver com seus perigosos anseios e encontrar o outro lado de sua já conhecida função.
O Vício se foi para onde nem o Ar testemunhou o paradeiro.
Há umas semanas não se soube notícia alguma do seu intento, mas a Palavra Sozinha, descobrindo que não tinha mais a quem por instantes lhe deu prazer, perdeu o Vício, e nem tinha a si mesma, por todos instantes viciosos, que descuidados, obrigou-a a temer qualquer nome que quisesse acompanhá-la.
E continuou sendo uma palavra sozinha, ainda que tema.

Imagem capturada: Cais Mauá

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