A decadência me legou algumas funções incríveis para abstração das coisas. Uma delas foi ficar parado, ouvindo quinhentas e tantas vezes a mesma canção, à espera da passagem de uma hora para outra sem me culpar do tempo perdido por estar ocupado em não absorver certas razões inocentes. Em outras palavras, é desocupação, mesmo. É perder o estado sóbrio, remunerado pelas leis de produção.
Produzir a vingança, a devolução da moeda, a expectativa do improvável seriam sementes plantadas com o desgosto de cada soluço para depois colher tanto desprendimento sob a ideia do mal. Melhor abortar do que deixar brotar a vida já mutilada desde sua concepção. Melhor, assim, ignorar por algum período o tempo de recorrer às fórmulas do insucesso que, sob a estufa, se aquece do álibi de cabeça quente, preocupada com a melhor resposta em face à necessidade desse silêncio bem-vindo, minha decisão mais sensata e necessária para absoluto desapego.
Confesso que tanto a Deus peço que retire essa revolta coerente, totalmente plausível, desde que injustamente fui acusado de proceder com desinteresse a respeito de situações claras que pouco a pouco mudavam meus dias (rotação em torno do meu próprio eixo, apenas por mim enxergada).
Antagonicamente felicidade de perdedor é incontestável. Poucos entenderiam minha comemoração por perder dias, perder um carnaval, perder uma semana santa, perder outras datas importantes. Celebrar a insignificância de tickets de cinema acumulados entre uma ou outra página da agenda. Brindar o saldo negativo da conta corrente que sustentou intuitos diversos de diversão e compromisso com uma realidade cobrada com perspectiva de transformação (do imutável), sem que meus credores imaginassem o tanto que apostei na dívida explorada com percentual diário de juros. Eu explicaria tamanha felicidade a qualquer juiz que decidisse me condenar por desonrar meus documentos que atestam cidadania? Não há instância nem jurisprudência que pudessem ultrapassar o mais respeitável dos meus veredictos: a liberdade.
Desde quando contemplei essa liberdade, suprimida intencionalmente entre um discurso e outro de insatisfação, logo depois, resgatada no mais certeiro golpe, que eliminou rival de discursos, satisfações, resgates...
Hoje, a peneira que não tapou o sol - a mesma que serviu para reter grosserias - é utensílio para escambo dos senhores da ignorância e os inocentes pós-mim. Já não preciso mais selecionar paciência nem liquefazer minha sólida experiência em aprender a compreender.
Imagem capturada: Chema Madoz
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