20 de agosto de 2017

Embrulhado

Hoje, minha querida mãe faz anos. Eu até já escrevi uma mensagem sobre o amor dela dedicado a mim, sobre amor, enfim... Uma mensagem bonita e verdadeira, porque existem coisas que só o amor faz a gente se expressar de uma maneira calorosa, vívida, berrante de alegria. Foi o único amor verdadeiro que senti até agora nesta vida, aquele que é doação completa, não importa o quê, nem onde nem quando... Ela sempre vai estar ali na tentativa de me alcançar, abraçar-me e sentir o quanto minha vida é importante para a dela. Eu, em vez de retribuir de igual maneira, infelizmente, tenho tentado fugir de lugares, isolar-me no meu canto, não ouvir sua voz. Ainda assim - olha só! - ela entende isso e continua me amando do mesmo jeito. No começo do dia dela, eu escrevi aquela mensagem estonteante, palavras breves, mas era o propósito de dizer pouco e dizer tudo. Aqui na cidade já amanhece, eu não dormi, e também ainda não lhe dei um abraço e um beijo grande, porque ela merece isso todos os dias que eu estiver vivo, mas eu não ajo desta forma. Quase sempre estou seco, escondido nos verbos, com gestos atados, e eu acho que isto herdei do meu pai. Não saí todo à mãe, claro.
Sei que precisamos celebrar esta data querida, apesar de minha mãe ser de uma personalidade que tive dela outra herança, é uma mulher de poucas celebrações. Eu vou comemorar com ela e esconder dela quão dura foi a noite que tive, mais uma noite em claro desses dias. As lágrimas que derramo aqui, ela não merece ver. É que tenho uma ferida aberta... e com todo amor de mãe, sei que ela não terá o remédio. Não quero que ela novamente se envolva neste tipo de ferida. Uma vez, ela se envolveu, há oito anos, quando eu quis sumir, ela me ajudou a sair de casa, quem deu a ideia. Quando fui morar em São Paulo, recém-graduado, cheio de sonhos, ávido por novidades e ainda perdido. Contudo, minha mãe precisa ficar longe desta ferida, desta vez. Portanto escondo essas noites de lágrimas e dor dela, como posso. Como não consigo enganá-la, ela sabe que não ando bem esses dias, e sempre pergunta preocupada se vai tudo bem. Tenho que discorrer sobre as coisas boas, sobre alguns planos, e jogar toda a desculpa da parte que lamento na situação política por que passa o País. Neste âmbito, conseguimo-nos, uma vez que minha formação ideológica tem muito do que ela me ensinou, dos valores que passou. No entanto, ainda há outra ferida aberta. Que minha mãe não saiba dela por ora! Uma mãe jamais quer ver o filho chorar, como tenho chorado nos últimos nove dias que antecederam seu aniversário.
Percebo que minha ansiedade não dá para esconder. Não dá para esconder o temor de um futuro para o País, não consigo disfarçar também as frustrações com o trânsito, com o tempo, com o desrespeito na fila para pagar boletos. Não encontro também onde ocultar-lhe o preço do pão, a inflação, as dores dos meninos que dormem na esquina aqui da rua. Não posso fazer este lugar mais bonito, enfeitado com pétalas de rosa para quando ela passe se acendam luzes e toque uma canção de que ela goste. Não é fácil poupar a mulher mais especial deste mundo de ver este mundo com olhos de mãe. Contudo ainda dá para esconder esta ferida aberta, porque felizmente, ela está dentro de mim. Sorte a minha: pele não é embrulho de presente; sorte a minha que embaixo dela está a ferida que minha mãe não pode ver.

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