25 de agosto de 2017

Rosa dos ventos que avisou

Eu tinha te falado: o que construímos naquele tempo, naquela casa sem limpeza, naquela rua de um tenente qualquer, na cidade onde se fez bonito tudo que era novo e não iria se repetir se dependesse de uma força que não tínhamos coragem de enfrentar. Era o que deveria ficar como cristal de um palácio todo dele feito, com vista ao rio; à vista, porque, a prazo, vai se esgotando com os deslizes de dia após dia.
Eu tinha pensado nesta dificuldade que teríamos, nesta saudade quebrantada em pedacinhos de memórias, em saudade incrementada pelo dissabor do desuso dos nossos abraços, dos nossos beijos e o afeto que ficariam sempre mais longe possível entre dois pontos e a linha diagonal que não te traria aqui nem me levaria a ti; só rumores, só nós dois de cada lado, e nenhuma data definida para viajar de vez.
Eu tinha chorado uma noite inteira, lembras-te? Foi quando me faltou tudo, onde faltaram mais alguns dias, mais alguns meses que nós temíamos desde aquele outubro recriado na vida de cada um.
Eu tinha escutado um "até logo" ao ouvido, à porta do embarque, à porta da minha saída, quase uma expulsão. Como quem queria acreditar quanto tempo e falta pouco para o logo que nunca soube contar nos dedos das minhas mãos. Haja dedos, haja o que houver, até riscos de lápis num papel: são crescentes e mais parecem afastar do que aproximar.
Eu tinha chegado a casa, recepção tão quente, mas ainda havia em mim o olhar ao que ficou, pois ficou lá, o que uma voz em um "até breve" me amoleceram e requisitaram aquilo que acho mais valioso em mim; deixei antes de entrar naquele avião. Acho que custa tanto perceber que histórias nunca são banais, mas, se dou um espaço e um tempo de mim, e até o mais que tiver ao alcance dos meus sonhos, jamais acreditarei no fim.
Eu tinha ido à escola, ao trabalho, à rua aberta, todo fechado na minha possibilidade perdida na esquina ou na mesa, solidarizar um pouco da grandeza que ainda guardo neste coração invicto até o dia de hoje.
Eu tinha voltado a dizer que sim, eu tinha voltado a dizer que não; eu tinha, depois não tinha mais. É só um trajeto de ida e volta entre querer e precisar e não poder e resmungar.
Eu tinha falado, eu tinha palavras, agora eu não tenho mais nada novo, eu vivo a repetir verbos e adjetivoso, fico procurando sinônimos para dizer a mesma coisa, tentando parecer novidade, todos os dias que são os mesmos, até que descanse quando um bocado de terra estiver sobre mim. É uma marcha fúnebre que cantam lá fora? É o disco arranhado que a agulha que lê e tropeça na linha profunda do risco que se fez em cima da parte onde a canção diz (e repete) o único som?
Eu tinha esquecido: já não temos mais aquilo. Nem sei onde procurar. Estou tentando recomeçar nas palavras que hoje escutei da voz gravada de Carlos Paredes: "Seria necessário voltar a repicar esses discos para poder avaliar bem coisas que talvez nos esclarecessem e nos abrissem novos caminhos." Quando há o finalzinho a dizer sobre os caminhos novos, mais atuais, sobre uma orientação nova.
Eu tinha imaginado: quem precisa orientar-se? Onde se encontra o oriente, o leste distante daqui, onde o sol se levanta, e nasce que, ironicamente, não é aqui do meu lado, senão do teu. Aproveita o sol, primeiro, que depois ele chega cá: nasce para todos, afinal.

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