21 de agosto de 2017

Titã


Matosinhos, 12 de dezembro de 2016.

Quase oito hora e trinta minutos, a praia estava escura, o vento frio. Desconfortável e ansioso pelos próximos dez dias em que minha mãe fará uma viagem longa e, quando chegar o dia, celebraremos o 25 de dezembro. Comemoremos somente nós dois, em Barcelona, meu aniversário, na noite de natal. Mas já acho que não haverá comemoração naquele dia; comprarei quatro cervejas e uns frios, apenas. No quarto do hotel, beberei e brindarei meus trinta e cinco anos de vida. É o suficiente.
É com o olhar no relógio que eu jamais imaginaria aos 12 de dezembro que, ainda que não tivesse uma festa ou comemoração especial, eu estarei ao lado da mulher para quem em seu próximo aniversário escreverei uma adaptação de Mário Quintana, ao dizer que ela cuida tão bem do seu jardim para que eu volte; que ainda que me faltem asas, ela transporta flores até mim para que eu possa senti o cheiro bom que só o amor materno restabelece, na sensação única de quem nunca se esquece e revigora um dia como esse, por exemplo.
Pois bem, eu estava numa praia fria e escura, decidindo o próximo passo, a nova chance e a recompensa por dias de amor e terror dos últimos cinco que passamos em Sevilha, Málaga, Granada, Salamanca e Bragança. Em fim de viagem, ontem, percebi o quanto a paisagem que os belos detalhes mouros foram encobertos na Fortaleza Vermelha por um desvio de rota, ao me indicar que o destino seria um armário escuro e insolente, onde ficarei guardado feito roupa para festa de casamento. Como se estar ali e gozar de dias fossem um suspiro de sobrevivência e mais um fim que se anunciava. Ontem, cheguei a casa, desfiz a mala, lavei o corpo e deslavei palavras, pouco minutos depois. Hoje, vim deslavá-las tête-à-tête, porque ontem faltava-me coragem suficiente para encarar o que desbotou numa derradeira oportunidade. Pensava como aquela beleza de Alhambra poderia ter se tornado tão inútil por culpa que eu não tinha. Como fracassado, assumi minha rotina de obedecer regras dos ditadores que, na calada na noite, fazem-nas, quando todos dormem com medo, depois acordam para seguir os caminhos entre armas do Exército e a truculência de um toque de recolher. O rumo que o regime incrementa com tamanha crueldade.
Revivi o Salazarismo na década de 1930, quando nem minha mãe, que chegará em pouco mais de uma semana nem era nascida. A tortura de um Estado Novo que não era meu, mas nascia com nuanças de uma pele que cheira bem e nem condizem com os olhos caídos do autocrata revisitado num passar do tempo, num espaço menor, convenientes cinco dias de autoridade repentina. Eu obedecia porque não valia a pena um conflito daquele longe até da casa que não era minha, que eu aluguei por cinco meses, bem longe do Brasil.
Mas este dia, agora, esta terça-feira de remissão (de segunda a segunda-feira... quantos dias faltam para o fim do mês?) de longa espera por mudança, de quietude na orla, mas turbilhão nas profundezas de uma praia que, por acaso e ironicamente, chama-se Titan (o soberano, em sua etimologia). Mas o rei, até cair - sejam de espadas, ouros ou paus -, normalmente, é absoluto e dá as cartas nos tempos; e aos templos em que constrói sua imagem, semelhança e todo o autoritarismo, parece figurar-se neste mar arredio diante dos meus olhos. Parece ter vindo à orla, neste banco em que estou sentado e redimiu o pecado sob as bênçãos de seus mitos, os que servem apenas para fortalecer suas regras e amedrontar povos.
Era na Praia de Titan que eu deveria ser o burguês Medieval revolunionário e entrar na Titanomaquia de uma Era atrás, havendo assim de decidir no passado tão distante o qual hoje não seria esta insistente batalha que não precisa chegar a dez anos. No passeio da história, o olímpico traz consigo a puja que aquelas águas frias do mar em Titan já teria desfeito, quem sabe, o próximo agosto.

Imagem: Peter Paul Rubens, "Fall of the Titans," oil on panel, Royal Museums of Fine Arts of Belgium (1637-1638)

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