19 de agosto de 2017

Edição de Sábado

Quando eu saí às 14 horas e poucos minutos para comprar o coentro, principalmente, pois eu tinha pouco na geladeira, e precisava ressaltar um dos mais saborosos ingredientes da vida, eu fui a passos lentos apreciando aquele caminho já conhecido. Na fila para pagar as pequenas compras, encontrei um antigo companheiro de trabalho que largou também suas pequenas compras para um aperto de mão. Numa breve conversa, nos despedimos cordialmente para seguir no destino do sábado. Então tracei o percurso de volta mais apressado, parecendo que a revolta que eu tinha em mim queria sair, como tem saído aos poucos, e se debruçar na rua; em seguida, esperava que todos os carros também apressados passassem por cima dela e a esmagassem, ali, para sempre, no seu findar. A massa, à espera em casa, estava descansando por quase 1 hora, e eu levava o que faltava para o ingrediente do recheio. Já tinha o guacamole feito, e faltava o frango que já tinha cortado às tiras para cozinhar e virar os deliciosos burritos que planejava para meu almoço tardio. Foi neste sábado que eu quis revisitar a culinária mexicana, desse país que tanto aprecio os sabores. Economizei na pimenta, já que a gastrite anda atacada esses dias. Já na cozinha, cortava os talos e folhas, picadinhos, com a força do pouco que ainda resta da minha fúria, que, às vezes, parece maior, mas é só a intensidade naquele momento.
Tudo pronto, meu almoço solitário às 15h30, em que devorei com ansiedade, dando-me ao luxo de escolher mais um subterfúgio para poupar a cabeça de memórias picadas como coentro e cebolinha no prato quente de uma tarde mais escura que o habitual. Ah, aquele cheiro bom invadia meu prazer; à boca, eu tive pressa de enfiar tudo e engolir. Eu não queria ter almoçado sozinho. Eu já quase desistia de visitar o México e voltaria aos doces caros que tenho pagado com a língua, as lágrimas e o medo. Alguém, por favor, traz uma tequila para desarranjar de vez meu estômago com as borboletas azuis de asas queimadas! Na verdade esse queimor não me faz muito bem, eu sei, mas às vezes quando queima muito, surge a esperança de que as cinzas deem o desfecho para tudo o que foi colorido. Fim do cheiro do coentro, fim do medo... findem lágrimas! Deixa-me a língua para dizer o bendito sábado novamente terá calma para saborear a comida mais lentamente.
Os restos do almoço tardio ficaram para o jantar, devorei mais uma vez a comida, só que fria. Acho que a frieza combinava com a noite, com o resto de comida, com o resto de tudo.
Uma vez li que todo fim é um novo começo. Comecei a ler o livro de poesias que uma velha amiga me emprestou. Parei acho que no oitavo ou nono poema, pois não é que eles pareciam estar falando de mim?! Como aguento me ouvir tanto, incansavelmente, e não consigo ouvir de mim as palavras de outro, no caso, outra: essa que escreve e que há anos acompanho suas letras?! Eu converso comigo mesmo porque não tenho mais suportado aceitar que alguém pode estar mentindo para mim. Eu converso com todos, sim, mas parece que eu não tenho acreditado mais em nada. Enquanto as coisas estão foram de alcance, o irreal é uma fantasia maravilhosa. Só tem um problema nisto tudo: o mesmo que me levou um dia a fazer a faculdade de jornalismo. Não consigo conviver com coisas irreais por muito tempo, eu entro no túnel, invento palavras, investigo qualquer fonte (gestos, silêncios e meias palavras) até eu encontrar e amarrar a história, que pode vir a ser manchete.
Na verdade, tenho uma conversa guardada para os próximos dias. Talvez seja ela o atual motivo da minha ansiedade. Talvez essa conversa nem faça sentido. É vontade de notícia, enfim. Tenho que acreditar em alguma coisa, ainda que seja um buquê de ramos de coentro. Vou comprá-los para me presentear em qualquer outro sábado que precise de mais sabor e menos notícias.

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