31 de dezembro de 2010

Pedágio na Rodovia 2010. Destino: 2011.

Um ano é o bastante para que? E o que faz de um ano pouco tempo para um projeto a longo prazo?
Duas vertentes do tempo, opostas, me fizeram refletir o quanto este ano pôde ser suficiente para transformar e trazer renovação ou mesmo que ele ainda não deu para suprir necessidades que trespassam o prazo que um calendário anual me permite.
Foi um ano difícil, como alguns outros. E não foi só para mim, confirmo.
2010 foi um ano de perdas e ganhos, e começo a falar das subtrações porque é delas que não quero lembrar, no fim das contas. Perdi alguns amigos, quem sabe eles tenham sumido em uma mudança de estação ou decidiram partir rumo a outra estação que não aporta em meu trajeto. Como não poderia deixar de ser, sinto apenas a falta; jamais seria indiferente perder algo que, ao longo do tempo, eu tenha cultivado para assim ficar na memória como deve ser, ao menos. Perdi apostas, apostei em mim mesmo, na maioria das vezes, perdi e, assim, perdeu-se um pouco de mim. Ficaram lacunas insubstituíveis, como espaços que o relógio trabalha, porém não contribui a trazer de volta o que ficou. Perdi um pouco mais da saúde, por alguns hábitos que apenas ilustram o descompromisso com o porvir. Amores: esses vêm e vão. Perdas? Acho que não. Se não ficaram é porque já foram tarde.
Os ganhos, inevitavelmente, são a melhor parte de uma história a se contar. Este ano, a humildade teve destaque. Sim, isso mesmo, humildade. Estava longe dela fazia tempo e alguns contratempos me fizeram ser derrotado pela prepotência que ainda soprava na minha mentalidade esquisita e trazia ventos de ignorância. Eu deixei de aprender bastante por achar que já sabia. Sinto-me mais humilde a ponto, primeiramente, de reconhecer que meu talento falhou comigo e que a partir de então não há outra solução melhor do que me esforçar: injeção da máxima sartreana, para um ex-combatente de presunção com presunção.
Vou dizer também que ganhei novos amigos e incríveis; os que se foram que me desculpem, ainda que não sejam substituídos, a vida me presenteou com gente muito mais interessante e isso fez de mim o cara que confia cada vez mais na importância dos laços que vão além do sangue, do sexo e das cartas de tarô,
Não sou convencido, no entanto, da satisfação; avalio, portanto, o ano razoável, mas que no gracejo para espantar equívocos, prefiro invocar a consciência do bem-estar: paguei caro para viver 2010, tal qual pedágio no caminho para chegar 2011, como uma meta.

Imagem: capturada da web

29 de dezembro de 2010

Tão apaixonado que chega a ser irritante


Acusaram-me, num e-mail, de metade de mim ser amor e a outra metade também. Ledo engano! Eu tenho muitas partes deste todo e por ele tenho cultivado sentimentos diversos para ser o mais completo possível e ter a parte que a cada um cabe. Não são muitas faces, mas expressão do sentimento que convém. Ah, mas a verdade é que tem muito amor em mim para premiar, para doar, mas outras vertentes, em caso de vingar-se ou para estar simplesmente desligado, indiferente, quando puder.
Se tem uma palavra com a qual me identifico bastante é Amor. Mas não sou todo dele e nem ele meu. É questão apenas de predileção e tentar nortear o caminho pelos exemplos positivo que atitudes bem sucedidas resultaram da força deste verbete, quando em sua versão mais poderosa: pulsante e vivo. No entanto, o que me acaba é a prévia amorosa, que atende pelo nome de paixão. Ah, quantas eu tenho! Perdi a conta! Acho que me apaixonaria todo dia caso fosse sempre abandonado no fim da noite. Acordaria procurando a paixão até no armário que guarda minha escova de dentes. Acho que até antes disso, sob o lençol que me cobre ao dormir. E toda vez que estou apaixonado chego a ser irritante. É o pensamento constante, a vontade de dizer bom dia bem antes das 4h da manhã, porque pareço perder o tempo e todo tempo é muito pouco para se dizer tudo que penso. Então me torno o poeta irritante, o que dissemina o sorriso e a tensão a todo instante. Os amigos já não aguentam frase de praxe, recursos inalterados, sempre; mudando apenas o vocativo, pelo qual, um nome, chamo.
Irrito mais ainda a quem chamo pelo nome. Arrependo-me de ser propositadamente irritante e continuo a sê-lo na sequência após o intervalo silencioso em que nos calamos porque... haja paciência! Enfim, torno-me um ridículo, com a sensação de que sou menos, a cada ano que passa, romântico do que antes. Mas me sinto ridículo ainda, com sensação de quem, a qualquer momento, será mandado para o mais sujo dos lugares do organismo. Até que percebo que isso não acontecerá se a sintonia for a mesma, mas quando não, acuso-me: ridículo, irritante, repetitivo e sem vergonha nenhuma na cara que só se apaixona.
O tempo que der, a paixão queima e, na hora em que a chama apaga, saio à procura de novo fogo aquecedor, como quem não tem aprendido nada sobre orgulho bobo, sobre arranhões na alma. Quero mais uma vez me estrepar todo, nessa oscilação vadia que me faz elevar minhas feridas ao alto posto da importância (somente a mim mesmo, ainda que seja) e ter certeza de que se eu não fosse apaixonado assim, eu não seria o mesmo que tanta gente já se apaixonou.

Imagem: www.unoriginal.co.uk

28 de dezembro de 2010

Extensões da felicidade

Eu fiz um texto tão curtinho para o dia do meu aniversário que depois de lê-lo cheguei à conclusão de que não me expressei do tamanho da felicidade alcançada naquele dia.
Devido às mensagens atrasadas, felicitando-me, estendo minha felicidade de celebração aos dias sucessivos em que pude conhecer tanta gente interessante em São Paulo, que entre um brinde e outro, puderam compartilhar da intersecção de sentimentos (oscilando sempre e, por vezes, interagindo) nesse momento tão significativo para mim.
Fiquei aqui lembrando a veracidade do meu companheiro de casa, Marcelo, ao desejar seus votos. A presença constante do Davi Rosa, sempre animado, com solicitude e sorrisos, a bater o coração concomitantemente à música que explodia em festejo natalino na Voodoo. O casal anfitrião da ceia, Marcos e Luciana, que além da recepção, marcaram presença no baile dos meus parabéns por estar vivo e contar mais um ano. Aí vieram tantos outros, desconhecidos, mas que num mesmo espaço, permitiram que a festa fosse de todos e que eu me sentisse o mais social dos aniversariantes.
Depois da noite de luzes e sons na Associação dos Empresários Brasileiros de Diversões, veio o dia e até o café na padaria da esquina, na companhia da Débora, teve um sabor especial ainda que no cardápio houvesse apenas um pão na chapa e um suco de laranja. O alimento da alma cedia um pouco do seu sabor ao improvisado desjejum.
Então, veio o sono necessário e o telefone que tocava e me lembrava que ressaca maldita é fichinha diante de todas as felizes lembranças que vinham em tantas vozes e sotaques. E mais à noite, pude encontrar minha ex-companheira de pós, Karine, hoje uma amigona e meu queridíssimo João Paulo (JP), que também comemorava mais um natal na vida. E a Rua Augusta, tão mestiça me chamava mais uma vez para celebrar apenas a alegria que, para mim, estacionava no copo e, sobretudo, gelada, descia pela boca, trazendo a frescura e mais um prazer que por anos eu aprecio. E aí o dia 25 passa, mas minha viagem comemorativa não parava...
Já era dia 26, e a proposta foi um filme no cinema: outro grande prazer meu. JP e eu na noite paulistana não nos contentaríamos com apenas uma sessão, havia outra cessão, essa para os prazeres da boemia, tão afastada de nós, cúmplices, há alguns anos, devido às mudanças dos ventos de cada um. Enfim, o reencontro é possível para que nos permitamos festejar alguns momentos pequenos, os quais somados serão o grande repertório que, um dia, dentre nossas coleções de fatos na lembrança, acusarão que nossos sorriso não foram poucos - e sempre válidos.
Era a esquina da Frei Caneca com a Peixoto Gomide que, no meio do caminho à Av. Paulista, decidimos parar. Todas as cores do arco-íris, uma animação intensa e no meio de tanta gente, só nós dois aproveitávamos aquele papo afim, lembrando os tempos bons, rindo do passado ao contabilizar sucessos e gafes, e projetando o que será de nós, que só Deus sabe. De repente, uma surpresa ótima, Alexandre, outro querido amigo, aparece quase que de surpresa para me dar o abraço mais desejado daquela noite, sem reparar que já faziam algumas horas que comemoramos a nova idade... mas como não haveria de ser bem-vindo, felicitações tête-à-tête? Cervejinha, novamente, conversa boa e um dos mais belos sorrisos paulistanos (da gema). Assim, a hora passa rápido e a companhia de dois queridos amigos tem o prazo definido pelo cansaço.
O desfecho das noitadas teve data definida para uma segunda-feira, que não teria nada de especial se não fosse a presença de JP e Marcelo, para, uma vez mais, celebrar esta alegria extensa de dias que jamais esquecerei dos meus vinte e tantos anos, celebrados em Sampa.

25 de dezembro de 2010

Um ano a mais

Uma noite diferente; na cidade, que brilha e ostenta seus poderio e riqueza, parece-me oferecer suas luzes. 25 de dezembro de 2010, meu primeiro Natal na Cidade de São Paulo, o dia em que eu comemoro, também, mais um ano de vida.
A saudade da família aperta, mas são os amigos que, em troca, oferecem uma ceia especial, uma torta de banana saborosíssima e a companhia para uma incrível baladinha.
Entre os que lembraram e os esquecidos, ficou a emoção de receber cada voto dentre as milhões de possibilidades que as palavras nos entregam. E o melhor disso tudo é saber que o crescimento é constante, ainda que a comemoração seja apenas em uma data. Não há abraço melhor do que a experiência, e essa faz FELIZ NATAL ter um sentido e tanto.

16 de dezembro de 2010

Dúvida indevida e dívida duvidosa

Há alguns dias que, antes que o sol nasça, não consigo pregar os olhos. Ansiedade que beira ao silêncio da madrugada: isso parece fazer um bem. O ruído da rua pela manhã, associado à turbulência interna das minha aptidões feirantes, seria explosão de decibéis de me tornar um surdo pelo resto da vida. Portanto, venho equilibrando sons, pois eles incomodam meu intuito canônico de me sentir são por duas horas, que sejam.
Preciso do relógio próximo para saber que horas ele vai ligar, que horas eu ligarei para ela e contarei que está tudo bem, que é hora do paliativo de vida, que minutos antes eu poderia ter feito tudo diferente...

Eu tenho que me preocupar ultimamente até com meu pessimismo denunciado por um amigo a mais de 90km de distância. Tento não me preocupar com a distância de minha mãe. Preocupo-me com a aproximação da virada de ano e com o balanço obsessivo das datas que marcam porra nenhuma.
Então, vem-me o fim da picada, o começo do fim e o fim das contas. O Bradesco me liga de três em três dias, cobrando-me uma dívida (e quem me deve mais?). Eu me cobro sempre um pouco menos, mas preciso me cobrar mais do que três em três dias da minha dívida comigo mesmo, do tempo passar e eu assumir cabelos brancos precocemente.
Um passo à frente não seria apenas um a mais, posto que há sinal de cujas coisas estão andando como devem ser encaminhadas, mesmo que apareçam diversos caminhos entre o destino dos confins ou a viela proposital que sempre dá ma parede dessa
via crucis.
Parece sempre que estou em prova e que luto para que o gabarito se assemelhe, percentualmente significativo, aos pontos corretos da verdade. Parece mesmo que estou num concurso ingênuo onde a vaga disputada é para vida. Vida? A vida vem se tornando um transtorno onde a próxima saída fica a léguas daqui. Quando foi que aprendi a medir léguas? Já nem reparo na distância porque não quero acumular mais uma.
Caso eu pudesse acelerar, voltar ou parar o tempo, minha opção seria, ainda assim, nula. Onde eu quero chegar, não pode ser acelerado. Voltar não seria o caso de rever insinuações de sábados peniciosos, semanas violentas e domingos apaixonados pela cegueira, hoje já curada. Parar o tempo me restaria para ajustar? Não preciso nem dizer que da forma que venho andando, percebi que o ponteiro do relógio me empurra como quem diz que tempo perdido é atrasado sinalizado.
Agora sei que é compreensível que eu note e relate o caminho entre a dúvida e a dívida, com esse ar pateticamente depressivo, porque se eu vivesse gritando a felicidade, certamente seria alvo de inveja. Ninguém vai arrematar um homem individado, tampouco, como dúvida se opõe à certeza de um bom negócio, sobra prazo para apertar os parafusos soltos da cabeça.
Assim, exploro a hipoteca desses dias porque a maneira de me sentir vivo e animado na hora de despertar é essa consciência de que todo dia tem um leão para matar e um capricorniano para lapidar aos moldes do meu anti-esoterismo.


Imagem reporduzida: La Noyée, de Stanley William Hayter

15 de dezembro de 2010

Baiano da Bahia

Um amigo tomou as minhas dores de orgulho na última aula, porque outro, na sua brincadeira etnocêntrica, chamava-me de baiano. Eu respondia, obviamente, que nasci em Alagoas e o gentílico dessa terra é 'alagoano'.
Dias depois o amigo sofria comigo esta atomicidade maculada, por ser indivisível nossa identidade. Quando se está longe do nosso recanto, onde a maioria congrega uma só voz, a transação de qualquer valor fica entre a imbecilidade e a ira. Eu parei e pensei, temeroso, que aquela brincadeira tola, tinha um repertório de preconceito que anos passados acumularam.
Meu amigo dolorido se queixava, porque me via como uma pessoa que estudou o preconceito linguístico e agora frequenta fonoterapia para eliminar regionalismos mal quistos. E eu não esperava que minha dor se estendesse tanto assim, ao ponto de ver um paulista sentir, na alma, que a inocência disfarçada esconde em si uma carga pesada de ignorância.
Jamais meu falar seria o mesmo desde quando eu pude optar por dizer, de forma não adquirida no trajeto da minha personalidade, todos os fonemas com pontos que minha língua jamais ousou articular. Eu justificaria no trabalho a força de empurrar para trás minhas relevantes bandeiras e hastear um novo método, por assim dizer, de semelhança para elevar preces amarelas quando minha crença louvava azuis celestiais.
Um mundo cheio de cores, paradoxalmente, apresenta-nos escuridão em nome da má fé que julga itens periféricos do não propriamente dito no gosto popular.
Eu passei alguns meses afirmando que televisão ocasionou um segregado valor e uma hegemonia que concentra históricos de luz, câmera, ação. Agora, cá estou, reunindo todos os esforços da boa vizinhança para polir-me nesses enquadramentos corporativos que me cedem o voluntariado para abrir portas de dizer boas-vindas. E seja lá o que for, eu entrei.
São apenas três etapas a serem discernidas numa vida peculiar, opção de cada um: onde tudo é aprendizado, onde o aprendizado vale nota e onde tudo que se aprendeu que não se deve disseminar a granel tem de ser processado em máquinas de ignorância e soar com mais alto grau de estúpido refinamento.
Um homem perde muito quando nega origens, perde uma identidade explícita.
Um homem ganha qualquer trocado para dizer que já foi e não mais é.
O pior é quando se está na etapa de ganhar e sobreviver, dizendo sou esse que vocês veem, mas jamais esse seria todo de mim: atentar à parte mais interessada ao momento e rir das tolices que muitos creem ser esteticamente melhor ou daquelas proferidas em sala de aula.
A propósito, baiano nasce na Bahia.

Imagem: capturada no Flickr

10 de dezembro de 2010

Às bandeiras do orgulho em pó

Frear o orgulho besta de abrir a boca
E entrar moscas para gritar insetos:
Passeio desiludido
Sob gestos simples de uma cadeia alimentar?
Eu como o que atrai todas as espécies.

Eu tenho prato cheio de pretensões,
Então eu canto as riquezas da nação
Que estão guardadas em meu cofre,
Onde os holofotes não chegam porque não quero.

Há ainda o cesto das premissas.
Rezam os padres
Porque os pago em orações e pontos cardeais.
Não é acolá que estão mosteiros,
Só mosquitos.
Aí lhes vendo mosquiteiros
Das minhas indústrias de tudo-faz.

Desde de que me ocupei da felicidade
Não tenho mais tempo de entristecer-me.
- ni otras cositas más -
Sangue é líquido caro;
Suor desde sempre foi salgado;
Sagrado coração pulsante, cosmopolita:
Mais veloz que qualquer via expressa.
Quando eles cobram promessas,
Arrecado pedágios.

O desenvolvimento alheio é líquido
Que vai escorrendo tal qual pingos estatísticos.
Meu envolvimento é ponta nobre,
Afiado e venenoso.
Não há um brasileiro sequer
Que não se curve aos meus bistrôs.

Tenho mais de mim do que de qualquer outro,
Embora não me canse do desconforto
De afirmar a minha tez do velho mundo.
Ainda assim, sou novo, sou lindo, sou rico;
Meu orgulho solidifico e reparto entre os meus
Que não choram lágrimas em pó.


Imagem: reprodução
A partida da Monção (1897), de Almeida Júnior
Óleo sobre tela (664 x 390cm)
Museu Paulista: São Paulo.

3 de dezembro de 2010

Quão desacerto na vida direita!

Sinto uma dormência constante por todo braço esquerdo. Não sei do que se trata, mas já me preocupa por não ser canhoto. Não é usual o esforço deste membro, porque eu tento carregar o mundo como destro. Talvez sejam as imensas energias que estejam migrando para um lado obsoleto. A inutilidade foi legada com preconceito ao que se chama de sinistra, gauche ou oposta ao lado correto (falo do opposite to right, em inglês, obviamente). A esquerda, em bom português, até há pouco tempo foi considerada um termo com conotação negativa, sempre do lado opositor. Então venho, hoje, defender este lado por uma mera visão de equilíbrio. Não posso negligenciar a importância de uma posição legada ao fora do comum, incorreto ou até mesmo com aspectos subversivos. Faço isso, portanto.
Meu braço esquerdo tenta me ridicularizar, como resposta à escrita ocidental - que tanto pratico - que lhe permitiu ser apenas o desfecho da história, já que tudo começa pelo lado direito, que nem sempre correponde à noção do que é certo: eu preciso sempre de uma plausível ortografia.
Engraçado como todo o meu organismo é afetado, geralmente, em maiores proporções à esquerda.
Um exemplo curioso tenho como deficiência orgânica, a que acomete, sobretudo, meu olho esquerdo. Ele possui a acuidade visual menor do que o oposto: eixo de astigmatismo quase dobrado em relação ao direito. O coração, culturalmente posicionado no lado esquerdo do peito, sofre dia-a-dia com uma dor insuportável, e é um princípio de pertubação generalizada.
Lembro-me, agora, de Carlos Drummond de Andrade, em sua obra Alguma Poesia, transportando-me à posição de quem lida com o sentimento torto.
Ei-lo:


Poema de Sete Face
:

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.



Meu braço esquerdo transporta a dor de um mundo conflitante. E que ironia, neste conflito, ele escolheu a tortura para se expressar!


Imagem capturada

2 de dezembro de 2010

Império dos Sonhos

Como eu já havia mencionado, fui um espectador tardio do cinema lynchiano. No entanto, não posso ficar me punindo por isso, agora, pois não adiantaria muito.
Ontem, terminei o curso promovido no Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas, o qual foi ministrado pela Professora Doutora Márcia Martins Ramos, que, esforçadamente, manteve a proeza num desses eventos onde a deficiência de recursos vigora em detrimento da boa vontade e da qualificação dos recursos humanos, que podem fazer verdadeiros milagres.
Todas as quarta-feiras, desde o mês de outubro, pessoas de diversas áreas congregavam afinidades para um só interesse: A Contemporaneidade de David Lynch. Realmente, apaixonei-me pela arte pensada e dirigida por Lynch desde o contato com o primeiro filme que vi, e ontem, no desfecho do curso, sua mais recente obra - Império dos Sonhos (2006) - permitiu-me chegar à conclusão de que não sou mais aquele cinéfilo decadente e passivo por narrativas cheias de emoção e curiosidade.
Entender o cinema a partir de vários ângulos foi algo enriquecedor para meu conhecimento como amante de boas histórias. O que poderia ser ficção nada interessante, hoje faz ater-me à estética ou a outros elementos simbólicos visíveis na sétima arte.
Inland Empire (título original) é mesmo um exercício de alteridade. Possivelmente a instigação e a agonia sentidas não foram à toa: jamais tinha me sentido como observador do ficcional que trata da realidade e do delírio, separando-os por uma linha tênue, com possibilidades múltiplas. O advento experimental contrarou toda a minha vã filosofia, apreendida em anos com a bunda sobre a poltrona e olhos fixos, descoordenados com ouvidos atentos.
Sinto-me mais um desses apaixonados por pequenas coisas que devolvem o sentido que fora perdido nesta vida: conhecimento e bel prazer que se fundem feito liga preciosa, um tesouro que homem nenhum roubaria.

Imagem: capturada de cine-citta.net

26 de novembro de 2010

Desde ontem

Eu não falo tua língua.
Tuas línguas ensopadas,
Numa estrada infinda,
Que eu já não busco
Aos olhares cegos das campinas.

Mato, areia, águas...
Prata, ouro e tesouro perdido.
Imagina o tempo a capturar
Líquidos que escorrem leves,
Minérios que ornamentam outros,
Vegetais que não me vestem nem me escondem.
Tenho eu de esconder-me de um minerador?

Vê a marca no meu braço, desde ontem:
O teu silêncio e a minha resposta à deriva.
Da boa vista, só me resta o astigmático
Que me fiz ao nascer muito depois de uma festa junina.

Existe o homônimo traduzido
Do latim; expressões forenses aprendidas
Não me servem de nada
Nesta cidade esquecida, desde ontem.

Existem a natureza e a captura.
Existe a fuga de cada viagem, desde ontem.

Cada partida, um entusiasmo se alcança.
Lembra aquela estrada infinda?
Lembra aquela bobagem dita?
Recorda o mais alto alcançado!
Cada chegada é bem quista, desde ontem.

Imagem: May 2

25 de novembro de 2010

Festa na Capital

[...]

"Bombas na guerra-magia
Ninguém matava
Ninguém morria...

Nas trincheiras
Da alegria
O que explodia
Era o amor."

[...]


Gal Costa cantava a Festa no Interior, de Moraes Moreira e Abel Silva, no ano em que eu nascia. Era começo da década de 1980, anos nem tão pacíficos quanto os atuais. No entanto, a canção de 1981, fazia analogia aos ruídos e cores da guerra de outros olhares, que visavam ao carnaval do ano seguinte. Explosão de sucesso.
2010, na cidade que possui o carnaval mais famoso e alegre do mundo, Rio de Janeiro, o dia de hoje foi marcado por uma guerra de combate à criminalidade, uma festa - sentido alegórico para a repercussão midiática - onde civis e militares transitam entre fogos devastadores e trincheira armada as quais dão vazão ao medo.
No epicentro da tragédia social - Vila Cruzeiro, no bairro da Penha
- nada é muito fantasioso: unidades do Caveirão (carro blindado do Bope) e seis tanques da Marinha, do modelo M113, municiados com metralhadora .30. E contabilizando números milicos, já são, até a tarde desta quinta-feira (25), 350 homens, sendo 200 da Polícia Civil e 150 do Bope.
A operação policial foi resposta aos ataques acontecidos no último domingo, que, desde lá,
quando criminosos atacaram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), trouxe uma onda de violência à capital fluminense, com arrastões, veículos queimados e ataques a forças de segurança.

Repercussão

O carnaval nem a guerra podem ser considerados eventos divinos por uma sociedade de maioria cristã, como a nossa, certo? Mas vox populi vox dei: o povo começa a manifestar suas impressões, sobretudo por meio de redes sociais. O Twitter, por exemplo, que oferece um medidor, elencando verbetes e expressões hashtag (denominados Top Trends), foi dominado por opiniões referentes ao evento no Rio de Janeiro. São pessoas desejando #PaznoRio; outras, mencionando personagens dessa terrível história. Há também a contabilidade dos números cruéis, que até a tarde de hoje, já somam mais de 20 veículos incendiados, 11 presos e cerca de 10 mortos.

Violência generalizada

A Violência não é caso isolado no Rio de Janeiro. Ultimamente, são expostos na mídia fatos que vão além da clássica mocinho e bandido: gays sofreram atentados homofóbicos, em São Paulo; o crescente número de moradores de rua assassinados em Alagoas, etc.
Quem vive de fonte extra-oficial não morre desinformado. Esta semana, soube que o município de Águas da Prata, a 238km de São Paulo, teve seus dois primeiros homícidios de sua história.
É a violência chegando a rincões de pouco mais de 7 mil habitantes.


Fontes: Yahoo!/ G1.com / GloboNews
Imagem: http://travellingboard.net

Viagem Maldita

Os filmes de terror me dão um certo medo. Lembro-me de que, ao chegar em Campinas, para morar, a primeira sessão de cinema a que assisti foi uma película do gênero. Desde lá, já vi alguns outros e eles sempre causam um impacto até umas horas após a ascensão dos créditos. Para contextualizar essa história, estou estudando o cineasta David Lynch, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas. Um curso tardio para um espectador-curioso tardio. Eu deveria ter dedicado espaços de um de meus hobbies favoritos ao artista há um bom tempo: antes tarde do que nunca.
Comecei a entender o porquê de meus companheiros de pós-graduação ovacionarem
Twin Peaks, nas discussões em sala de aula. Ainda não vi a supracitada série, mas conheci um pouco sobre ela e seu referido diretor e roteirista.
Por meio deste curso oportuno, gratuito e instigante, conheci outro autor que, tratando-se da sétima arte, utiliza de elementos críticos à cultura estadunidense, desdenhando com símbolos patrióticos - como hino e bandeira nacionais -, agregando, à tensão diante de imagens violentas, valores importantes para sacudir a opinião espectadora, geralmente, acostumada a ser massa consumidora apenas de mais um tipo de entretenimento. Estou falando de
Alexandre Aja, cujo nome surgiu em meu rol de know-how, pela primeira vez, na noite de ontem. Nunca tinha antes visto um filme de terror enviesado assim. Achei bacana a genialidade sutil que fora de um curso, talvez, passasse-me despercebida por ser apenas um thriller no repertório de visualidades. A propósito, o titulo assistido foi Viagem Maldita (The Hill Have Eyes). Fica a dica aos amantes do gênero ficcional ou para quem compra a ideia do engajamento plural de um sucesso da telona.

Imagem: capturada/Portal The Best Horror Movie

24 de novembro de 2010

O dia em que a terra parou

Fomos prudentes desde o começo do mundo. Olhamo-nos discretamente para não acordar os dragões que nos devorariam entre os risos nobres dos bêbados. Quanto fogo sairia daquelas bocas e incineraria pretensões, por descuido! - pensei, no outro dia reflexivo.
Águas corriam, ruidosas, enquanto meu relógio apressava a tomar alguma atitude, antes que o tempo fosse inimigo da minha tímida solução temporária: uma conversa sobre amenidades, uma defesa enraizada e um brinde presunçoso à minha desconversa defensiva.
Entre goles excessivos da graça, eu fui me enquadrando, cada minuto a mais, na homogeneidade festiva. Brindávamos à vida e às coisas fúteis que nos distraem porque são necessárias, ante à correria por um espaço fora do útero social. Cada minuto, também, martelava a sentença - veredicto de derrota - de uma nova memória de pele. Essas histórias sempre me fascinaram, ainda mais quando o protagonismo me arrasta para seu elenco.
Nesses enlaces sociais, as aparências contam muito. Quem avalia à primeira vista repara bem no que você informa, através de seus gestos, de seu apego e de seus acessórios. Não há intuito infalível, ainda que você queira agradar. O agrado é outra maneira cordial de se fazer marcado e ganhar destaque quando a unidade pinta apenas monocromias. No entanto, mais importante é, entre croquis de romance entrelinhado, sê-lo tal qual risco íntegro.
A loucura está bem próxima da embriaguez, tinha certeza disso. É... caí no passo dos goles impávidos, ainda que tremesse em certos momentos. Obviamente, o movimento dos olhos, braços e direção de palavras já tinham mostrado que eu era foco de uma observação incessante. Não habitual me sentir confortável nessas situações avaliadoras: uma palavra torpe, uma opinião insensata, qualquer que seja o semblante... tudo transparece meu estado de distração inacessível. Eu sou refém brando, entrego-me à simpatia de belo sorriso e uma prosa afim.
Acredito, ainda, que haja uma cortina imaginária a fim de não revelar os bastidores... Nada muito além da prudência que não oscilou desde o começo do mundo. Eu já não sabia em que Era alucinada estava, dessas de peneiras que não tapam sol nem escondem os raios de luz da lua, tampouco. Sobretudo, assuntos de quarto, com porta fechada, ficam entre as quatro paredes e os seus personagens. Não há mistérios a anunciar mais algum capítulo sucessor.
Fomos prudentes desde o começo do mundo.
Ele gira. A rotação não transgride o tempo em mais que algumas horas.
Em um dia, apenas, é válida a mão que acolhe a outra e, cúmplices (já dueto), contidas no prazer de, iguais, posarem sobre si mesmas, num movimento embalado pelo desejo...

Em um dia, apenas, é preferível a conversa indireta, sem muita pretensão de ser eterna, mas suceptível a esquecer ponteiros e números...

Em um dia, apenas, é instável meu anseio por querer outros dias semelhantes...
Assunto, creio, não faltaria para outros capítulos, nem preocupação com o tempo.
Fomos prudentes desde o começo do mundo e sabemos que ele ainda está condenado às suas rotação e translação.
Nada me convence mais do que minhas próprias convicções, porém estou, sempre, aberto a novos questionamentos, desses à Raul, que intriga sobre qual foi o dia em que a terra parou?

Imagem:
Earth from space with shadow (capturada)

22 de novembro de 2010

Condições atmosféricas

Quanto mais a rotina em desuso, maior a probabilidade de, nesses outros sopros, haver algo diferenciado: sair do curso do vento que sopra sempre a mesma beleza. Não há nada tão feio, exatamente. O vento traz grãos incômodos - então, há necessidade de fechar os olhos - mas refresca caminho. Portanto a frescura, ainda ela sozinha, já é um alívio.
Quando existe a alternativa, ainda que breve, importo-me com ela. Se ela trouxer o entusiasmo, que seja bem-vindo como abraço estranho, que se torna íntimo à medida que cada nuvem é soprada para mais longe, sobre a cabeça. Virão outras nuvens... passarão outros metros cúbicos de água neste rio passageiro: mudança. Aí, percebo que o igual não é tanto quanto parece. Não será diferente, caso eu não queira. Importante é ser menos igual, porque igualdade só é boa quando o viés diz qual ângulo.
Quando se trata de permuta, revelações podem facilmente ser confundidas. Terreno perigoso, cheio de pedregulhos. O melhor é permanecer firme em qualquer lugar que se ande. A firmeza é caráter e a mobilidade é um cenário para qualquer tipo de transeunte. No entanto, se está fincado, só chuva forte ou terremoto pode mudar.
Mudança é a concepção. Vale-se, então, do direcionamento. Permita-me o tempo deixar soprar o vento, transitar por ele, tremer à insegurança e observar onde todos estão indo. A minha opção vai além de uma, mas, principalmente, em seguir o comboio ou escolher outro passo.
Um segundo apenas pode ser perfeito. Um dia pode sê-lo. Um noite pode escurecer o brilho.
Muda, revela e direciona: não estou falando do vento.

Imagem: capturada do portal da Fuvest

4 de novembro de 2010

Religioso nominal

Há muito tempo não há um comitê de ideias. Elas estagnaram no momento que eu cedi espaço às preocupações em detrimento da minha bênção que, ao contrário do que se prega, não vem por cessão, senão por busca. É assim, um tal de 'Deus ajuda a quem cedo madruga'....
Outro agravante é a insistência do corpo insano - reflexo de um espírito perturbado - a usar a palavra de afeto quisto e a necessidade da minha antiga e usual atenção, que consumiu por quase um ano meus resquícios de tolerância. Eu não posso continuar a tratar os loucos enquanto me torno um, sem assepcia ou água benta (benditas sejam minhas mãos a curar minhas próprias feridas). Não vou abusar força superior alguma para mudar a situação que eu mesmo permiti. Somente eu fui responsável pelas pegadas no deserto à esquerda, quando passei pelo cruzamento da via lúcida com a alameda das inconsequências.
Assim, fui até às raízes da sinceridade e do apoio moral, beber o gosto da coragem. A covardia sempre perseguia, parecendo motim de ruína. Ora eu enxergava a dor, ora eu lembrava que o elixir estava diante do meu paladar ingestor de conta-gotas de felicidade. Encontrei a paz por uns dias e os abraços eloquentes de veracidade. Sabe aquela união que faz a força sair do enclausuramento e energizar o anseio de algo melhor? Estava presente em cada olhar direcionado à minha vida, associado à palavra humana entre um ou outro fôlego de respeito. Nesse turbilhão entre escombros, a viga da autossuficiência estava partida em pedaços pequenos de insalubridade: não mais cri que ela se re-ergueria. Sobre mim, ainda estavam a promiscuidade pretensa do corpo alheio a solicitar o que tenho de mais susceptível à putrefação, o orgulho pouco que culminou em desistir de buscar aquele que desdenhava desde a vez primeira e o laço rasgado pelo tempo e desgaste da separação. Ainda assim, eu não era uma vítima; não se publicava que um corpo foi encontrado; esquivei-me da contabilidade dos perecíveis, no entanto não me tornava um imortal (sonho irreal). Dentre essas coisas tantas que letalmente poderia hipotecar minha vitória, parando na mão de outrem ou entregando-me ao desespero - de tanto minha amada mãe alugar santos -, santificado seja qualquer nome que pudesse dizer para mim que não hei de estar sozinho. É gente demais a abandonar à escuridão da primeira sequela, que, assim, percebo que além dos iluminados sob o sol nordestino, na capital alagoana, a consquista da confiança e solicitude de um anfitrião vem em marcha-ré, numa charrete do século XVIII, com seus cavalos cansados e analfabetos do passo contrário ao ensinamento da direção certa. Não posso e, talvez, não por orgulho, não queira mais a existência das falsas promessas. Apenas não quero promessas, porque os resultados são cobrados a taxas exorbitantes de juros. Portanto, ao primeiro sinal da execução em níveis vitoriosos, a mão que emprestava se une à boca e aos olhos, elegendo sentidos para cobrança colossal.
Por descrença parcial nos homens, passei a rir das bestas; não gostaria de rir ante àqueles que se incomodam com qualquer indício de felicidade: vão lá e... Perderia mais ainda!
Voltei a louvar os segredos e meu calo mais dolorido: somente eu sei onde piso e onde estão escondidas as forças que eu deixei isolada desse circuito de falsidade, que já roubou de mim as mais belas cenas de otimismo, porque revelei alguns lugares da minha gratidão e vontade de viver.

Cansei de gente que chega para lamber, morder e deixar ardido. Entre mim e a minha paixão por todo o trajeto, agora, está meu advérbio imperador em matéria de dizer NÃO.

“...imediatamente cantou o galo. Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.”
(Mateus, 26: 74, 75
).


Imagem: La Negación de San Pedro (Pasión de La Sagrada Familia), por Juan Pablo Valenzuela

18 de outubro de 2010

Horário de Verão (ou, A Fuga dos Prantos)

Estou carente, estou cansado. Não tem um dia sequer que eu não me queixe da solidão, por mais leviana que seja. Sozinho, entre amigos novos, que eu me deparo com uma voz que susurra ao meu ouvido: "Pega leve, não assusta, tanto drama para pouca estrada!". E com eles posso dividir angústias, mas não vem a fidelidade de um abraço que o tempo passado é resultado mais eficaz do que o tempo passado no propriamente dito abraço. Eu sinto falta do abraço de quem me conhece há tempo, que sabe do meu saudosismo e a minha culpa por só querer reconhecer o bem: amigos, que lá deixei, sabem o que estou passando, até pela força motriz que me move, até encostar um peito no outro e fixá-los com quatro cúmplices braços.
Sempre há um nome em jogo, nome próprio, substantivo que a família decide impor; envolvo nomes porque os adoro. No entanto, no fim das contas, vejo que só o vocativo me sobra e, como quem nada tem, eu só chamo e não escuto resposta.

Mais a leste, eu poderia acreditar que, ademais do concreto, há o abstrato sentimento que com nome e sobrenome me responde quando os chamo. Como reclamante, sobretudo, só resposta não me satisfaz, daí eu indago: 'pergunte-me ou me conte algo que vá além da sua mania de querer que tudo seja divertido e falar de amenidades, porque eu quero ser provocado enquanto sou fotografado pelas suas retinas'. Então, eu polemizo e, de resto, já sei de cor e salteado o discurso da problematização. A minha alma pede resoluções que não vem de ninguém, mas interlocuções são seivas brutas que alimentam meus porquês de pensar e agir, com a deficiência (ninguém é perfeito) de crer no dueto.
São parcerias incômodas que atormentam o juízo, cobram serviço de babá ou habilidades múltiplas no campo da maturidade. Eu cresci um pouco, mas estudei o suficiente para algo mais técnico.
E o horário de verão? (anacoluto proposital)
Amanhã, parto para fugir, uns dias, desse horário desastroso, que faz o dia amanhecer mais tarde e a noite ficar com cara de mais curta. O pretexto da minha ida poderia ser 'A Fuga do Horário de Verão", mas nunca vai ser. Eu darei sempre voz à legitimidade e à transparência, sem necessidade de justificativa, mas prefiro: 'rumo ao Nordeste, para poder cantar "a leste, aqui é o mar!' (Só eu sei o que isso realmente significa, porque NÓS não precisamos economizar tanta energia)


Foto: Maceió-AL (por Christian Knepper/Embratur)

17 de outubro de 2010

Rocha

Retirando os pedregulhos,
Porque o que for mais leve,
O vento leva.
E a chuva completará o serviço com a lavagem da sujeira.
Muita coisa podre vai escoar pra fossa.
O que for rocha, fica!

Foto: open4download.com

29 de setembro de 2010

Preferência



Eu prefiro que você me olhe assim:
Como uma Polaroid que resistiu ao tempo.
E não negue sua forma de ver.
E não se perca na escuridão à procura da luz perfeita.

Eu prefiro que você me diga sim,
Mas não estou disposto a negar o seu silêncio.
Jamais substituiria a voz que o destino calou,
Quando você se deu conta
De que não ouvi-la faz tremenda falta.


Eu prefiro seus versos simples e improvisados que,
Há anos, alegorizam as ideias migrantes de nossos anseios.

Eu prefiro que o Brás inteiro ouça seu click de imperfeita sorte
A ficar esperando a imagem perfeita,
Relutante ao azar, o qual tantos correm por medo.
Mesmo que sejam palavras em ruínas,
Não as trocaria por flash algum que nos enganasse de luz inexistente.

Eu prefiro sua amizade livre - a resistência à captura -
À moldura e fotografia do passado,
Que entre caixas ou páginas, perdida continua
E não deixa viver o que o tempo esqueceu de congelar:
Morrer é fração de segundos.


Imagem: Gil Rocha

23 de setembro de 2010

Cefaleia

Foram 24h de ansiedade e sofrimento. Vieram dores de cabeça e pelo corpo, que não senti igual em 28 anos de vida. Para saná-las, analgésicos, chá de boldo, muita água e medo de alimentar-me com comida sobrecarregada. Não era físico o meu problema, era simplesmente emocional.
Hoje, terei uma viagem que dirá o próximo passo do meu destino (por isso a ansiedade). Não que seja crucial o começo, mas a perspectiva de mudança, que tem teores profissionais e afetivos, dita comportamento e reações nervosas que me confundem até o entedimento acumulado sobre mim mesmo.
Aqui, nesta cidade, nos últimos dias, estou tendo aborrecimentos filantrópicos desnecessários. Minha vocação altruísta se esgotou para com gente que tem mais recursos de sobrevivência do que minha falta crescente de paciência. Eu insistia em ver bondade em pessoas que sei que carregam, no âmago, uma cápsula do amor, porém elas se entorpecem de fúria e simpatomiméticos de desajustes, puxando-me cada vez mais ao abismo onde, longe do seio materno, qualquer iminência de escavação, para mim, é apavorante.
Não adianta mais o medo. Não adianta coragem coletiva para uma mão só que puxa para tirá-los. Descobri que a força a qual recebi em palavras e atitudes mínimas é menor do que a perturbação reticente dessa legião enfurecida. E meu gosto avulso pela expressão absoluta da clareza não condiz com esse silêncio, esse grito excluído, essa ciência de absurdos, esse ar oculto de esconder-se em seus próprios enredos e pontuar o fim com um pedido desvalorizado de desculpas.

Pegaram um ventilador na potência máxima e jogaram todo intuito de sedução, sob o discurso do amor louco. Que amor é esse que só fere? Acredito nas dores consequentes do Eros gritante, mas nenhuma permuta cicatrizante fechou a marca exposta da minha ferida complexa.
Então, em 24h, contadinhas de relógio, eu feneci, eu me aliviei; o letárgico incorporou a palavra de perdão, vazia. Eu me machuquei. E desculpei. Tentei outra vez e mais uma vez disse 'não mais'.
Hoje, preciso ver as possibilidades de uma mudança interna e sair da rota da tecla batida diversas vezes - e imperdoável. Eu cuspirei todos os dias para cima, ainda que seja para ficar, dia após dia, desviando da lei da gravidade?
As dores de cabeça permissíveis são aquelas que depois de sanadas não retornam mais.

17 de setembro de 2010

A verdade

A verdade é uma só. Ela não precisa de disfarces nem facetas, porque o único intuito dela é ser ela mesma, e por isso reina, sem absolutez, porque é despretensiosa. A mentira é quem se apresenta de diversas formas, porque ela tem inveja de ser verdade e faz de tudo para se parecer com ela. No entanto, ninguém reina, tentando ocupar o lugar do outro por muito tempo. Uma hora, a semelhança é descoberta pela veracidade, ou a própria mentira, que é dissimulada, não se sustenta com identidade falsa (confunde-se).
Semana passada eu disse algumas verdades que precisavam ser escutadas. Minha familia veio me visitar em Campinas, porque a saudade já prorrogava, cansada, o tempo de se manter ausente do lado a lado. Houve drama. Eu estava empregado irregularmente num estabelecimento que não fazia de mim um sonhador, apenas supria o cotidiano de obrigação e necessidades triviais: comer, transitar, ser, com um pouco de dignidade. E no ápice da falta de dignidade, percebida de antemão, mas levada à parcimônia por acreditar que um dia tudo se ajeita, pedi minha demissão. Foram-me podados os direitos trabalhistas mínimos. Eu não exigi regalias, apenas o que foi estabelecido em convenções muito antes de estar nascido. Eu não quis me vingar; poderia aproveitar meus espaços de reinvindicação e liberdade, publicando meus desafetos profissionais, mas é muito pouco ainda para uma revanche proletária. Não iria ficar bonito, também, cometer terrorismo literário por um passado na vida onde a busca de respeito e credibilidade foi desrespeitada: algo que me importa esquecer ou apenas desclassificar no rol da lembrança, em nível mínimo de estrelas. Quem tiver de ser estrela, nascer para isso, terá seu brilho percebido mais cedo ou mais tarde. Quero eu ser estrela? Sei lá. Quero apenas constar na constelação dos meus sonhos. A minha cabeça sabe bem separar o real do universo criativo e me fazer sentir mais vivo do que estrelas mortas que têm seu brilho visto por nós mesmo depois de seu tempo vivo.
A semana de choques emocionais e térmicos, de tempo seco e cruel, de despedidas, encerramentos e abertura para novos projetos, com semeadura depois de colheita de frutos bons e maus, passou. Quando a sala de embarque de Viracopos testemunhou o amor que lágrimas corridas expressaram os próximos dias de saudade, o acúmulo de fatores meteorológicos e emocionais me legaram gripe, e minha mãe partiu com o multiplicado vírus, que invadiu tanto meu organismo quanto o dela: adoecemos no mesmo dia.
Eu jamais omitiria a minha fraqueza orgânica, porque tudo o que valha toda importância para alimentar de luz minha pequena (ou grande) estrela terá de ser real e pública, não podendo ser apenas semelhança. Minha meta-mor é a verdade, ante às aparências do cotidiano.


Imagem: por René Magritte (reprodução capturada da web)

3 de setembro de 2010

Folk setembro

Não é porque passam três viaturas da polícia em frente à minha casa que começo a pensar em desgraça. No entanto, a tragédia está presente de segunda à sexta-feira e eu só reparo no balanço no fim de semana. A semana não é uma tragédia para quem espera a família que aterriza, no sábado, enquanto estarei sentado numa carteira escolar, estudando a primazia das Artes Visuais. Não se tem, mesmo tempo para tudo, tampouco para se perder, reparando nas tragédias, sem a mínima possibilidade de solução para ela.
Cinco dias de ansiedade, enquanto os fatos ocorriam de maneira aleatória: um sorriso de agradecimento, um puxão de orelha, umas palavras de discórdia, um verdadeiro 'bom dia' e sucessivos horrores calorentos e temperatura de ar condicionado aos 18 graus celsius. É força que nunca seca, paliativa, para aliviar esse suor que escorreu - não foi em vão -, mas sem reconhecimento a curto prazo. Quanto tempo a mais preciso sorrir depois de vinte e tantos anos?
Em cinco dias, fui violento, esnobe, sarcástico, temeroso porque quiseram me assaltar. O que mais querem de mim levar? Não vou comprar briga, porque poupar, enfiar o pouco que se tem no bolso para depois tirar da cartola será oportuno, como matar dois coelhos numa só cajadada, ainda que a morte não seja necessária em face ao deslumbre da vida. Eu recomeço, termino, pinto para dar uma repaginada, em nome da vida, porque ela é preciosa. Quem não tem seus problemas muitos? E pouco mililitro que possa transbordar é desperdício para quem está com sede.
Aí, eu poderia pensar na Etiópia, no Sertão alagoano, na fadinha do tule branco - fantasia morta que não alimenta quem passou da primeira década de vida -, do olhar torto, do policial, cumprindo sua missão, impondo violência para coagi-la... Está tudo errado? Não; apenas muita coisa está errada. Essa quantidade calamitosa pode tirar o sono, entre os bocejos próximos à meia-note: o que menos quereria. Bem-quista semana que só acaba, amanhã. Defino seu fim, hoje, ousando alterar calendário de status quo, para fazer valer um bom começo: mãe e irmã bem-vindas a meu universo campineiro, para nascer a semana que desejo para o resto dos meus dias!

Imagem: Caputurada do portal Comvest/Unicamp

30 de agosto de 2010

Tic-tac do relógio

A ansiedade em contagem regressiva nesta semana. Quantos dias faltam para eu ver minha mãe e minha irmã? São duas mulheres com quem dividi o mesmo teto, sozinhos, durante aproximadamente uma década. Hoje, cada um está sob um teto diferente; e eu fui mais longe de casa.
Esses dias de distância (cerca de 10 meses que não as vejo de perto) foram aliviados pelos e-mails, pelos telefonemas, pelas redes sociais, etc. Falamo-nos sempre que podemos e tentamos suprir os quilômetros que nos separam, contando, cada um, sobre a vida que leva nesses dias longos.
Ao menos uma vez ao dia, minha mãe liga para meu celular: às vezes, sem assunto, até, e pergunta como está a temperatura e se estou bem agasalhado. É uma preocupação, um amor, uma dor, uma palavra e intervalos de nossos silêncios.
Hoje, vendo o Twitter do candidato José Serra, ele comentava:"pedi aos nordestinos que vivem em SP e que me conhecem que enviem cartas aos parentes do Nordeste contando do meu governo.E q peçam voto!"
Puxa, não há nada como um comentário simples, mas que reflete a ideia que se têm da gente! Acham que somos um povo desinformado, sem acesso às tecnologias e sem consciência crítica para conhecer e saber quem bem governa?
A partir daquele comentário, lembrei-me muito da minha família, cuja maioria tem preferência política que está distante de candidatos tucanos e que não usa mais cartas para se comunicar (com exceção de duas que minha mãe me enviou por conta de documentos que precisavam ser mandados). Nossa família, felizmente, levanta outra bandeira, mais soberana. E daqui, onde estou, "não quero medir a altura do tombo, nem passar agosto esperando setembro..."
Fim de semana quando chegar. não estarei em casa, mas meus dois maiores amores estarão, aqui comigo, na minha nova casa. Não vejo o tempo passar.

Imagem: http://ultradownloads.uol.com.br

20 de agosto de 2010

Sobre a flor na boa hora

Eu poderia escolher uma homenagem personalizada e enviar diretamente ao destinatário do meu texto, deste momento. No entanto, aqui na minha casa, não poderia excluir - sem limitar exceções - a mais nobre das visitantes e incentivadoras do meu intento literário: minha amada mãe, de quem eu herdei o gosto pela redação.
Hoje, no dia de seu aniversário, pela sua simplicidade e nobreza concomitantes, eu erraria em dizer que é uma homenagem, mesmo que adjetivasse singelamente meu propósito, porém não cairia num abismo onde o simplório cava para se esconder dos holofotes sociais, negligenciando o alicerce de nossa casa.
Se há alguém para quem eu deva vida, em terra, esta pessoa seria D. Sônia, então ela merece a proeza do meu esforço, ainda que com os olhos e outros sentidos cansados da dinâmica semanal, em final de expediente de pálpebras e olho nu.
Este é o segundo ano em que eu não posso dar-lhe grandes abraço e beijo, comemorando consigo a data em que tantos de nós reservam um tempo para saudar, com alegria, o dom da vida e contabilizar mais um ano de existência.
Lembro-me do meu poema, ainda na adolescência, que escrevi, evocando seu nome, com rimas pobres, mas a riqueza estava na minha intenção. Infelizmente, as palavras não estão aqui, comigo, para eu reproduzir no meu intuito de agrado.
Quão são memoráveis todas as ocasiões em que eu posso lembrar de seu sorriso envergonhado, reclamações que lhe são peculiares e o mesmo pensamento, parecendo um disco riscado, sobre o melhor presente que lhe seria agradável!
Ah, minha mãe possui uma inteligência floral, dessa que desabrocha com o tempo e incrivelmente sensibiliza pela sua imagem colorida e seu odor materno de proteção, onde vejo que um jardim não seria tão bonito se aquela flor faltasse em um de seus canteiros. E eu me desculpo pelo cansaço que me impede de buscar a melhor metáfora, a fim de remeter à tamanha beleza, que as fotos, que os sons, que o abraço e o beijo, os quais impedidos, hoje, estão, mas que o palpite da minha memória sempre acertará e combinará com o amor ovacionado, em múltiplas formas de dizê-lo.
E no mais, a boa hora é sempre a que precisamos um do outro e podemos encontrar a maneira mais fiel de fazermo-nos presentes, do lado de dentro.

Imagem: divulgação

9 de agosto de 2010

Esmagado pela segunda-feira

Eu pedi um cheese burger e um suco de laranja numa padaria qualquer, que eu só havia entrado uma vez. Era a minha segunda passagem por lá; desta vez, para uma refeição. Meu jantar teve a cara da atendente. Enquanto ela preparava meu lanche, eu tive uma ligação - que foi motivada pela minha saudade - rejeitada. Parecia tudo bem normal para uma segunda-feira como tantas outras.
A moça pálida que, friamente, preparou aquele sanduíche sem graça, e espremia com pressa as laranjas no aparelho industrial, e ela parecia querer ir embora o mais rápido possível. Resultado: a falta de prazer em seu trabalho refletiu naquilo que eu comia.
Um começo de semana, para tanta gente, não tem o sabor de um sábado. Realmente, hoje eu fiz parte desse todo que menciono. Foi tudo com sabor que deixou a desejar, no entanto não foi pior do que o mal gosto do sábado, o qual refletia o ápice da 'tranqueira botafoguense' (neste caso, substantivo e adjetivo, referindo à pessoa e bairro campineiros), do que não vale a pena lembrar-me tanto, tampouco escrever demais qualificações.
Acho que apenas, a mim, devo minhas exageradas qualificações, correlatas ao meu intuito de ser bom, de estar bem e de preservar comigo, ainda, valores imateriais, instruídos no seio familiar e desenvolvidos na perspectiva de que se eu for pior do que os ambíguos e proferir maledicência, certamente, estranharia meu próprio ser. Portanto, a estranha sensação é a que prevalece: ter uma ligação rejeitada, esperar a promessa de uma dívida a ser paga no fim de semana - que já passou -, acreditar que tudo está bem e ter a certeza de que segunda-feira, realmente, não é um dia tão legal.

Imagem: Era uma laranja (retirada de Flickr privado)

2 de agosto de 2010

Ano novo

Preciso tirar férias da solidão. Ontem, dia primeiro de agosto, passou-se um ano em terras distantes do berço caetés. A quantidade de proponentes não fora surpreende: sazonalidade de emoção, breve e insignificante. Absurdamente, uma lista desclassificada, como atividade laboral das sensações, para avaliar mentiras, descartar rituais mal intencionados e elencar vários graus de semântica pomposa, mas jamais profunda - por ser tão superficial, como o suor da pele que precisa ser lavado no final de cada dia e não acumular excreções mal-vindas.
Há o que celebrar, entretanto, além da esfera do que passou a ser periférico aos meus olhos: este amor-simulacro que tanto se diz e nada convence. Há, por ora, rejeição do óbvio, porque não se esforçam em metáforas, pois que o conteúdo é sempre o mesmo e não penetra 1cm além da superfície da minha ilusão. Cansaço paulista e mil perdões...
Eu tenho um albúm de recordações e nenhum duodécimo de substância íntegra, presenteada.
Meu trabalho não é aquilo que planejei, mas é o que posso esperar de cegos e decaídos. Eu trabalho em equipe e finjo que a união faz a força, ainda que não deixe me derrubar - ela tenta todos os dias.
Eu tenho um diário sem espelhos para não refletir prantos. Existe apenas um lenço azul, que minha mãe não se esqueceu de pôr na bagagem, para que eu pudesse enxugar meu suor: transferi utilidade (o de tom pastel, reserva, limpou meus pincéis, nas aulas de abordagem e procedimentos plásticos).
Eu tenho um novo número telefônico, para quem quiser me achar por entre essas ondas celulares, para desviar mágoas e, quando quiser, evitar chamadas de consolo.
Apenas uma agenda, na memória, para anotar os antídotos, riscar os antigos e prescever um futuro, com certo dom de acreditar.

Imagem: UOL

26 de julho de 2010

Função Soneca

Eu abandonei o blog por uns dias. Talvez fosse preguiça de escrever ou receio da repetição. O repertório, por ora, esgotou. Foi-se o tempo de hibernar, mas havia uma bendita tecla chamada soneca que me permitiu ativar mais um pouco deste ócio literário maravilhoso. Há um tempo para tudo e eu fugir do home bitter home, claustro cibernético, a fim me entregar aos prazeres hipnóticos do sonho após o cumprimento de Morfeu. Há mais em mim agora do que não havia antes - o contrário é o envelhecimento -, e essa anterioridade é presente, ainda. Do melhor dela, é o que depois da soneca quero transpor em palavras. É impossível abandonar um prazer só por descobrir outros. Bom mesmo é quando o leque aumenta e posso sentir que o repertório precisa de ensaio, preparo, busca de prefeição.
Continuo vivendo entre a cidade baixa e o universo paralelo, passeando de um extremo ao outro para encontrar conforto no ponto intermediário. O despertador já me torturou algumas vezes, amanhã será um bom dia para erguer-me do chão.


Imagem: divulgação

30 de junho de 2010

Hibernação

Quanto mais ao Sul, em direção ao polo, a coisa vai esfriando. Tudo vai congelando: as extremidades, depois um pouco mais ao centro e, no meio do corpo, instala-se a geleira oportunista.
Tempo de hibernar.
Vem aquela sonolência a dominar o corpo; a inércia faz a mão parar de digitar códigos de um bem-querer que, por ora, deixam-se dominar pelo caráter animal à qual somos submetidos desde que optamos por este jogo de oscilação - chamado vida - entre ebulição e condição irreparável em determinado tempo. Não podemos ser diferentes em casos de perda temporária de sensibilidade, como se conhece por letargia. Há um processo metabólico, respondendo aos impulsos do frio, que faz os batimentos do coração diminuírem, e respirar sonhos não é mais incessante.
Recolhemo-nos no mais alto grau da temperatura alcançada, por necessidade de proteção e vigor até o momento em que possamos pôr de novo a cara de fora, a bater, porque é importante reagir ao clima e aí, sim, recomeçarmos com atitudes que partam da vontade, indo além das reações, apenas. Um dia agiremos, claramente, sob o sol vibrante e caloroso.
No entanto, é preciso ainda bombear o sangue, levando necessidade vital a todas as partes do corpo, ainda que com essa geada a qual lança seus cristais de gelo sobre a pele desprotegida.
Nossa relação com a natureza externa é muito mais impressionante do que possamos acreditar. Se o mundo muda, por que não nós?
E quando os lábios ressecados, do extremo frio, cessam suas mais empolgantes articulações, então o pensamento pronuncia, disfônico, sua queixa duvidosa: há algum coração aquecido como abrigo para quem cansou de uma cidade fria?

Imagem: Chema Madoz