14 de dezembro de 2011

Saudade, palavra triste...


Era uma mensagem comum, quase um papo informal e, na despedida, "tenho saudades", pontuava. Sim, os diálogos efêmeros estão incorporando uma expressão incoerente com a realidade. Saudade de mim? Pergunto a todo instante.
Aqueles que sentem falta de presença física, porque ela elabora mais uma postagem no diário da vida, dar-se-ão conta de que um abraço, um beijo, um papo olho no olho fazem grande diferença. Mas, novamente indago, quando? Quando foi isso, na verdade?
Um banho de água fria, eu sinto... a palavra saudade, cada vez mais, nas minhas inquietudes e tentativas de reaproximação, torna-se sinal de pontuação, sem denotar a força da verdade ou a fraqueza e falta de aptidão para outro, dos muitos, desfechos das minhas relações, que descartam os demais sentimentos os quais, um dia, deixariam-na, deveras.
"Eu não ligo pra ninguém" foi a justificativa que recebi de uma ex-grande amiga, que há meses não faz uma ligação, inclusive para compartilhar a sua primeira maternidade que se forma em seu ventre. São economias de dinheiro e sentimento, racionando qualquer motivo de dizer que a falta, ali, é sentida. Eu lamento.
Desde que me mudei de Alagoas para São Paulo, vi laços fortalecidos por jantares, carnavais, alto e bom som de um por-acaso-terminamos-aqui, nesta noite, vazia... Outros momentos de que me lembro, saudoso, eu poderia sentir o calor daquela pessoa ou a embriaguez dela, a qual me cobrava uma direção, nem que fosse para chegarmos juntos ao mesmo bairro, depois de uma noite desperdiçada nos prazeres que certo deus profano permitia: beber. Há dias, semanas, meses que não tenho o prazer de beber com alguns velhos amigos e, o pior, tenho saudade desta pequena atitude, que o moralismo da minha mãe sempre avisava: "para uma mesa de bar sempre haverá companhia", profetizando que a mesa sempre existirá, talvez eu não esteja mais à ela, inseparável. 
São quilômetros que nos separam, velhos amigos e envelhecidos, na forma mais cruel de sua semântica, nada novo para me fazer ter vontade de rejuvenescer rancor, que não o guardo, mas noto suas rugas e cabelos brancos a cada mês que esqueço um nome.
De Campinas a São Paulo, a capital do Estado-meu-abrigo, menor distância e cada vez que ali estou, uma cobrança de quem diz que eu vou sempre - e nem é assim - e não procuro. Procurar pelo quê? Lembrança de que estou a pouco mais de uma hora de caminho para matar saudade, a falecida? É compromisso diplomático? Check-in para permanecer no histórico que "estive contigo"? Eu vou e venho sempre como qualquer pessoa com sua liberdade de ir e vir, e poder fazer escolhas, mas sempre inventaremos desculpa se reparamos que na agenda não houve espaço para uma visita aqui, ali, aí, em qualquer lugar, que, certamente, se for para matar a saudade que se sente, não precisa dizer que trabalho, estudo, nascer, crescer, reproduzir e... Morrer: completa ciclo de esquecimentos. 

23 de novembro de 2011

Caso de família

Há uns filhos da puta que chegam lindos;
Brincam com fogo rindo sem imaginar perigo.
Exemplo desse pirotécnico que passível foi
De atacar minha honradez e entrelinhar artifício...

Queima! Deixe o sangue escorrer, impiedoso,
E relaxe a preço de banana:
O que da fruta você chupa até o caroço,
Eu denoto no pescoço, quem não nota?

Chega um tempo de roubar a paz,
Justifica tardiamente o sono cancelado...
Conto nos dedos quantos dedos, quantos calos...
Quanto de mim vai em si na única vez....
Quem cala consente.
Fogo, de novo.

Eu percebi que todo filho da pólvora se preza;
Só não imagina o poder da gargalhada: ria!
Quando sua mãe queimada o título despreza
Em favor do filho da outra, neto sem avó, sobrinho da tia.

25 de outubro de 2011

Legítima defesa

Existe o que se diz amigo, com aquela fantasia sorridente, de brindar com você a felicidade de quinze minutos nada eternos. A roupa que veste é a amizade, como um pano qualquer, uma mortalha de sinceridade alguma. Esquece dos acessórios. Há um pendente olhar sereno, na hora apropriada. Há um silêncio inapropriado, quando você precisa ouvir ainda que seja olhares. Esse amigo é um baile de carnaval, bem calculado no tempo, no espaço, apenas um brinde às festividades. 
Existe o que se diz amante, com aquele coraçãozinho de pelúcia, que junta poeira, quando some. Que ama incansavelmente por uma noite (podem ser duas ou concluir a semana). Parece que tudo é material - um grande indício de inverdade - presente para cada ocasião, ausência de amor pelo resto da vida.
Existe o que não se diz invejoso. Ele nega todos os atos. Ele é falso na subtração de todos os indícios de verdade. Parece que não se contenta com uma frase que você diz ou uma conquista maravilhosa que se reflete em caminhos que você já percorreu. 
Existe o pessimismo, o qual acha que apenas só vê esses personagens se enredando na vida. Existe o otimismo que trata, por assim dizer, de alvejar componentes da destruição. Existe o realismo atemporal, que percebe cada movimento no percurso, nota a chegada e a saída de cada um. Não há argumentos que tolerem fatos abusivos de alguém que vem para não ficar. Para subtrair, existe quem quer lograr êxito em cima de seu teto de vidro. E sai atacando seus medos, suas imperfeições e seu cansaço de palavras ruídas, que nunca foram suficientes para lhe trazer uma verdade maior do que concordância na torcida de um rival que perde do predileto. Na derrota, todos estão apenas admitindo que estão por perto: mais palavras vazias... 
Você vê e-mails encaminhados de uma amenidade divertida (olha o riso arrancado, um 'obrigado' fugidio é o bastante), um telefonema da ganância, dos olhos direcionados à mais valia (ó, crueldade!), um passeio que nunca é gratuito (ou você paga o lanche, ou você tem ouvidos e olhos atentos para o momento de receptor), por aí vai... 
Pessoas cansam, trabalho cansa, estudo cansa, mas vem a noite de descanso e você acorda, restabelecendo conexões com a fruição da vida: suas responsabilidades. 
Falso amigo, fajuto amante, inveja de conluio com a má sorte, você não deixa fruir, mas suas mãos são órgãos que filtram essas espiritualidades negativas e seus calos são protetores e identificadores de experiência. Basta lavar, tomar um banho de mar, reger de acordo com o bem, ou melhor, o melhor estar, que infelicidade é apenas, diante das demasiadas facetas, a face verdadeira do seu inimigo.


Imagem capturada em http://dollykay.co.uk/

11 de outubro de 2011

Vice-versa


Toda história contada em primeira pessoa tem a carga das vísceras do indivíduo. Carrega nela mesma a profundidade de sair para jorrar seu universo para fora das entranhas individuais. Vou lhe contar como aconteceu...
Era uma ficção com pretensão de ser apenas bonita. Uma rede emaranhada de coisas pessoais daquele ser anônimo, que escrevia todo dia religiosamente para inventar mundos, quando na verdade as partes desalinhadas, caso fossem organizadas, daria certeza de que a ilusão e a revolta contra a realidade são somas perigosas na mão de um escritor. 
Ele, - o dono das palavras - mesmo, estava confuso e confundia. Ninguém entendia nada. Mas ele continuava a falar de si e suas coisas: eram entrelinhas, verbos inofensivos, detalhes agressivos, o veneno das sílabas, separadas como se fossem gotas a contar. Pareciam medicamentosos discursos para um mundo que não conhecia as subdivisões de suas malícias, verdades teatrais, algo mimético para se esperar apenas os aplausos e provocações emotivas. Uns choravam, outros logo esqueciam. Ele dizia, outro lia, aquém dos segredos que, assim, iam-se, revelados, sob lúdico caminho de um labirinto literário. 
Parecia cada corredor um mundo. Não era. Era tudo um mundo só. Fragmentos de verdade universal fundidos à ilusão do imaginário: um convidativo elixir para a vida. Escrever e ler, em sua experiência majestosa, possibilitava sempre um caminho de ida aos lados, sem saída, quiçá, mas que incentivava criações. 
Criavam um vínculo de independência, nas dependências do mundo aos pedaços. Era quem lia que viajava por terrenos aleatórios, à primeira vista, e ele que escrevia; dizia de si e do mundo o que pensava, como quem coagia sutilmente para angariar forças leitoras a fazê-lo encontrar consigo mesmo. O resultado disso, não esquecendo as fraturas, era sempre o inteiro desconhecido, partes do pouco a pouco, todos vivenciando sem ainda ver desfecho. 
Escreve-se por estar vivo, porque escrever é ato vital. Ao mundo de fora, um tanto do mundo de dentro, e volta para o mesmo lugar, como que saiu para buscar do outro lado o que faltava no seu avesso, ingerindo incontáveis drágeas de retorno. 

Imagem capturada na web

5 de outubro de 2011

Cadência de estreante

Entendo que as estrelas não foram feitas para mim.
Que decepção!
Arruinaram esta fábula de grandezas e tão significativas, elas...
As estrelas morrem e não sabemos no exato momento.
Elas continuam a brilhar aos nossos olhos
E acreditamos na ilusão:
"Ah, brilha pra mim."


Alguns sonhos apagados,
Passaram tinta branca e ficou tudo claro;
Clareza de ilusão, o branco imperfeito,
Limpo de segui-lo, inacreditável.
Pronto à cor que se quiser rabiscar.


Estrela pequenina, pó que reluz e não vive.
Olhos que enganam facilmente;
A peleja entre acreditar e não ser real.


Passo, acreditar no sol escaldante;
Ainda vivo, a ciência diz.
Agressivo, incomoda meus enganos,
Queima o branco que
Permite, visível, ver-se escuro.
Temor das cores.


Uma amostragem sutil,
Vem mais uma cor lúcida,
Reatar minha convicção fajuta
De que os astros são poderosos,
Resgatam vidas...
Uma estrela morreu e ninguém resgatou.
A maior morte: a distância.

23 de setembro de 2011

Denominação

Sempre tive a intenção de procurar nos mortos o sentido de estar vivo, Como objeção. Se eu fosse procurar nos vivos tal razão de ser, talvez me decepcionasse mais com as categorias de vida que se generalizam. Pensava muitas vezes na idade, a importância de contar números, e quantos se foram em não sei qual tempo de pó. Os mortos me causavam fascínio porque, na melhor expectativa de vida, sempre me diziam que Deus os chamou. Deus vive chamando, então. Puxa pelo braço, pela perna, pelo estômago? Chama pelo nome. "Caio, venha." "Vem cá, Sandra." "Está na hora de vir, Agenor." Um dia desses, não faz tempo, ninguém ouviu, mas ele disse "Eunice, vem agora." 
Olhando para aquelas lápides, só os nomes me deixavam intrigado. Eram muitos. Precisava ler, para imaginar aquela voz que chamou, porque eu nunca ouvi. E aquele silêncio no nome, não havia sequer um sussurro em lugar algum que eu tivesse a certeza de quem Deus chama. Mas é o que dizem.
Acredito que o temor a Deus - porque justo é - ora há muita gente a desobedecer a vida inteira, então quando o escuta chamar, decida obedecer. E se vai. São perfeitas decisões, quase pactos, o que chama, e o que é chamado o atende. 
As religiões talvez sejam porta-vozes desse chamado, uma antessala para dar o nome e esperar na fila. As pessoas religiosas poderiam ser educadas assim, sempre: esperar ser chamadas. Ficar esperando sem incomodar quem faz a hora. Suponho que a educação é mais plausível que a obediência. Eu desejaria, deveras, que todos  bem educados fossem. Mas me deixa muito curioso esse tratamento personalizado que a vida, supostamente, dá no seu fim. Olha que incrível: lembrou do meu nome! Tanta gente esquece. 
Há ainda muita gente buscando nome bonito para dar ao seu filho, porque há nomes ridículos e a pessoa se envergonha quando a recepcionista chama no médico ou o professor sinaliza quando faz a chamada. Se eu tivesse um filho, pensaria a gestação inteira num nome bem lindo para chamá-lo. Quando o chamasse ao paraíso, ele nem se envergonharia no último instante de vida terrena. 
Olha, mas é tudo suposição e devoção circunstancial, nunca ouvi Deus me chamar. Ah, mas eu me envergonho, não do meu nome, mas dessa galera viva que poderia atender pelo anonimato. Algumas vezes eu sou anônimo. Algumas vezes meu nome encanta. Acho que o tempo pode equilibrar meu momento certificado desde o nascimento e a vergonha que causo a mim mesmo, denominado indigente. Quiçá esteja tudo equilibrado por ora e no momento que pender para minha identidade, uns quilos a mais - ou a menos -, Deus me chamará. A boa notícia é que ouvirei. A má notícia é que isso é apenas uma suposição.

Imagem: Portal Barueri

11 de setembro de 2011

Quanto tempo tenho


E se meu pai estivesse morto? Com ele tenho sonhado pouco, tenho falado pouco, pouco sabido de tudo. Nem a metade. - Alô, como vai, pai? - eu sempre tomo iniciativa para saber como anda aquele homem que agora já tem 60 anos, quase o dobro da minha idade. Ele me informou, com a voz tão mais tranquila, que o convênio médico autorizara seu procedimento cardiovascular. Aquela voz do outro lado da linha me trazia uma metáfora positiva, como quem dizia: "eu estou vivo e ficarei bem." Mas não era nada grave. Era o mais urgente, melhor. E eu como estou? Digo-lhe, pai, estou bem. Bem genérico.
E se minha mãe estivesse aqui em minha casa? Tenho falado todos os dias, ultimamente, para lhe dar certeza de que, realmente, estou bem. Ela se preocupa toda hora. É uma preocupação contínua. A pessoa que mais se preocupa comigo e que demonstra isso sempre que pode.
Estar bem é uma questão muito subjetiva. Devo explicar pormenores. Em pormenores, aliás, devo explicar cada pormenor; por maior que seja meu intuito de dizer que bem estou, falho.
A dinâmica familiar sempre foi um impulso vivo. Como é permanente esse olhar atrás só para saber que lá ficaram os que sempre à frente trago nos meus caminhos sob qualquer perspectiva angular. O mapa diz que estou embaixo. Pais, em cima. Questão referencial. Esses conceitos, blá, blá, blá...
No entanto, em cima de mim estão pedras pesadas. Eu tenho de quebrá-las no sonho. Acordo, vivo, para quebrar as do caminho. No trabalho, manufatura metafórica, pedrinhas, quase grãos confeccionados para soprá-los bem longe, espalhá-los pelo estado de angústia, e deixar que essa poeira se encarregue de carregar o vento ou que ambos desejem trabalhar em conjunto e daqui distar. Um sopro de paz, meu Deus! Um vendaval milagroso, com rajadas agressivas... É, já não sou mais crente.
Hesito em ver o caos, ainda que eu veja tudo muito turvo sempre. Mas não vou me enganar em ver as linhas paradisíacas que costumam cantar nesses festivais de estética temporária. O bonito há muito não me convence. Ele sempre tarda, atrasado e, quando chega, perecível, apodrece. Data limite. Tempo contado. Um dinossauro, indivíduo que jura, jurássico, conhecer tudo e determinar desfechos. Bonito descartável no tempo exato. Quanto tempo? Não sei quanto tempo tenho para ficar me preocupando comigo e com essa beleza que acaba.


16 de agosto de 2011

Mundo doente


Escutei um toque de recolher e pensei o quanto está tarde para muita coisa. Perigo das ruas, esquinas doentes e uma mania de certos loucos de se destruírem. É tarde, eu sei, mas logo é cedo para começar tudo igual, hora para tudo, tudo absolutamente no mesmo lugar - a não ser que você mude.
Toque de recolher do quinto dia não é mais um mistério, um susto ou uma ameaça para quem andava tranquilamente pelas ruas perigosas. É verdade. Existem milhões de focos de incêndio, outros chamam de vandalismo, alguns hipertensos controlando a vontade de comer aquele alimento salgado; e o diabético de olho no pudim daquela padaria sensacional?
O alérgico que espirra as dores do mundo, todo tempo para soprar para fora as bênçãos de todos os sacerdotes fracassados...
Eu sonhei com a boca cheia de sangue, escorrendo pelo queixo, descia mais pelo pescoço e isso foi tão mórbido que acordei com medo de morrer. Levantei e pouco tempo depois estava tomando banho, arrumando minhas coisas e a rotina tinha de ser encarada porque, apesar de tudo, a realidade não precisa daquela morbidez onírica. Era tanta gente se queixando de tanta coisa, era eu me queixando dos meus atormentadores oficiais do ofício de quem tenta educar para vida. Quando eu fui mal educado? Perdoe-me.
Lembrei-me dos profissionais que choram suas inseguranças do trabalho, dos meninos que apanham com lâmpadas, socos e pontapés, das meninas que precisam comprar leite e para isso disseminam arrogância de propaganda de seu próprio corpo, das mães do holocausto (dos filhos também), do meu pai dizendo que não queria ser aberto de novo, daquela moça bêbada que, para sempre, vai querer esquecer o último dia em que teve ressaca, mas eles (os dias de ressaca) se repetem.
Ademais, existe todo mundo respirando uma manhã, seja dormindo ou já acordado tão cedo. Além disse, existem os sonhos, os amores, o próximo fim de semana para programar ou mesmo a salvação do planeta na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Na verdade, eu sonhei e fiquei transtornado; na real, eu não sei quando tudo vai parar.

28 de julho de 2011

Ter não tem

Tem meu estado de choque,
Tem estoque suficiente pra chocar.
Tem eletricidade passando pelo fio da meada;
Tem merda o tempo todo pra reciclar:
Quando adubo a vida
Pra ver se ela engrena de vez.

Tem meia dúzia de pretendentes,
Mentes fartas de querer um pouco
Do que pouco tem pra dar
Tem nada não...
Tem apenas o que se diz que tem
E não tem mais.
Tem mentira.

Tem também que se retém
Sem ter nada a repor;
Depois sem manter,
Diz que tem e não tem.
Fico sem ter a mim
E quem não tem mais.

26 de julho de 2011

Lar de lá


Seguro é o berço, cercado por todos os lados e olhos atentos a qualquer movimento do ser que se instiga a sair correndo a qualquer momento por uma desatenção que não reprima. Determinado dia, aquele lugar seguro não condiz com o tamanho da nossa vontade. Há tantos espaços no mundo para desbravar: ida e volta, ida sem volta, demora, espera ou outro sentimento e atitude que despertem no envolvimento dos que estão laçados pelas razões de berçário a horizontes inimagináveis.
Voltei ao lar de sempre, o qual escolhi como causa da minha ideia central, podendo circular por aí, mas o centro é sempre o ponto nada trivial, para abastecer-me de energia, amor de verdade, absoluto prazer que até me torna um pouco mais limpo do que costumeiramente podem encontrar-me aos trapos e sarjetas.
Eu sempre soube deste amor que parece infinito, ainda que eu contasse, cansaria antes de chegar ao fim; e um dia a vida há de pontuar nosso território que já não tem mais cercas e, acerca deste tempo que nunca saberemos quando chegará, existe o que me move de certezas e dúvidas infindas, de querer correr pro abraço e sentir-me tal qual um bebê em berço seguro, ainda na ânsia de partir novamente.
Voltei para casa. Encontrei meu quarto limpo, encontrei o olhar mais lindo de todos que já vi, da mulher mais descrente do mundo, mas com um repertório absoluto de preces e crenças em algo maior, em nosso amor inexplicável e na proteção que todas as forças que puder angariar. Há um homem, não menos importante, de olhos descrentes, maculado pela negação constante desta vida que dos seus sins diz-se de seus sinais como quem nega possibilidades. Esse homem é meu pai, inseguro e amoroso, de poucas palavras, mas ansioso por dizer sempre alguma coisa. Aquela mulher, minha mãe, de palavras disparadas na velocidade do seu bem-querer constante e intenso, sempre dizendo algo a mais, mas normalmente, querendo achar a direção exata.
Havia minha avó, a que tinha mais tempo de passagem por este mundo, a que da vida se despediu exatamente há um mês, e ela também teria coisas a dizer, e eu não pude escutar dessa vez.
Há minha querida irmã, sempre com as regalias de conforto e bom grado, paparicando com seus mimos materiais, porém é de querer materializar seu afeto imenso. Todos os mimos sentidos e saudosos, alguns de lembrança e ausência, outros de não perder de vista em pouco tempo - os únicos poucos dias divididos entre outros afetos e o centro, sempre foco.
Um amor que não está dissipado, não tem agrado que nestas terras de cá indique o igualitário, são pedaços de mimos que me acometem, mimado, a sentir vazio o leito em que durmo, mesmo estando pronto apenas pra mim, como sempre, mas falta o cheiro da família, que nem o orvalho da manhã repentina, todo dia, igualar-se-ia ao lar de lá... esse olfato alegre dos dias nas campinas.
Os amigos marcaram presença em eventos de alegria, na parte lhe cabem. Os entes, consanguíneos, participaram de algumas horas de restabelecimento de sobriedade, compartilhando dias ausentes, atualizando. Eles também puderam ouvir minhas verdades limitadas que oscilam entre minha felicidade e dor de estar aqui, não para sempre, mas com vontade sempre de um pouco mais ficar.
Se me deve muita coisa, o mundo, já pagou sua parcela mais primorosa. O resto da dívida, vou vivendo cada ocasião, que no calendário se conta pelo tamanho da minha razão e o prazo de minha próxima meta.

Imagem capturada de Bordados LS

28 de junho de 2011

Decisão matriarcal

Todas as vontades não couberam num corpo já fragilizado. Era muita irresponsabilidade nossa querer ter por perto alguém que só precisava de descanso. Seria muito egoísmo de cada um de nós exigir que ficasse para juntos termos alegria diante de tanta dor, que talvez não chegue ao tamanho da nossa saudade.
Hoje, estou distante da minha família, foram escolhas, que me trazem prazer, mas vive concomitante com ausência sentida, nosso desafio de cada dia por estar bem e procurar sempre por isso.

Neste domingo, D. Eunice descansou de sua vida muito bem aproveitada, às dores que, ultimamente, faziam, aos que amavam, pouco a pouco e tão rápido, perceberem que a melhor vontade é aquela que acrescenta outras vivências que nossa pouca inteligência demora a entender.
Sinto saudades da minha avó e, sobretudo, sinto muito por não estar perto dos que ainda aqui estão, para darmos forças um ao outro, como temos feito dentro de nosso alcance. Dor e conforto se misturam entre lágrimas e sorrisos, que vêm à lembrança quando evocamos um nome que sempre nos inspirou vontade de viver e agora nos sensibiliza com imediata e pontual atitude de coragem e fragilidade, decidindo a maior de suas vontades: ser eterna.
Nosso amor, maior conquista com a educação que tivemos, garante atitude coerente de convivermos com uma falta tremenda, ao passo que confiamos em nossas metas sem o olhar de uma grande matriarca.
À minha família, meus sentimentos.

23 de junho de 2011

Liberdade líquida


A decadência me legou algumas funções incríveis para abstração das coisas. Uma delas foi ficar parado, ouvindo quinhentas e tantas vezes a mesma canção, à espera da passagem de uma hora para outra sem me culpar do tempo perdido por estar ocupado em não absorver certas razões inocentes. Em outras palavras, é desocupação, mesmo. É perder o estado sóbrio, remunerado pelas leis de produção.
Produzir a vingança, a devolução da moeda, a expectativa do improvável seriam sementes plantadas com o desgosto de cada soluço para depois colher tanto desprendimento sob a ideia do mal. Melhor abortar do que deixar brotar a vida já mutilada desde sua concepção. Melhor, assim, ignorar por algum período o tempo de recorrer às fórmulas do insucesso que, sob a estufa, se aquece do álibi de cabeça quente, preocupada com a melhor resposta em face à necessidade desse silêncio bem-vindo, minha decisão mais sensata e necessária para absoluto desapego.
Confesso que tanto a Deus peço que retire essa revolta coerente, totalmente plausível, desde que injustamente fui acusado de proceder com desinteresse a respeito de situações claras que pouco a pouco mudavam meus dias (rotação em torno do meu próprio eixo, apenas por mim enxergada).
Antagonicamente felicidade de perdedor é incontestável. Poucos entenderiam minha comemoração por perder dias, perder um carnaval, perder uma semana santa, perder outras datas importantes. Celebrar a insignificância de tickets de cinema acumulados entre uma ou outra página da agenda. Brindar o saldo negativo da conta corrente que sustentou intuitos diversos de diversão e compromisso com uma realidade cobrada com perspectiva de transformação (do imutável), sem que meus credores imaginassem o tanto que apostei na dívida explorada com percentual diário de juros. Eu explicaria tamanha felicidade a qualquer juiz que decidisse me condenar por desonrar meus documentos que atestam cidadania? Não há instância nem jurisprudência que pudessem ultrapassar o mais respeitável dos meus veredictos: a liberdade.
Desde quando contemplei essa liberdade, suprimida intencionalmente entre um discurso e outro de insatisfação, logo depois, resgatada no mais certeiro golpe, que eliminou rival de discursos, satisfações, resgates...
Hoje, a peneira que não tapou o sol - a mesma que serviu para reter grosserias - é utensílio para escambo dos senhores da ignorância e os inocentes pós-mim. Já não preciso mais selecionar paciência nem liquefazer minha sólida experiência em aprender a compreender.

Imagem capturada: Chema Madoz

21 de junho de 2011

Cuide de você


Encontraram o Vício perdido numa rua próxima ao porto, talvez ele quisesse embarcar no próximo navio para as terras de ninguém. Ele estava perdido, não sabia voltar ao seu lugar, nem sabia se havia mais lugar. Era como o fim da linha do horizontes de chão. Ele via mar, um novo aspecto, e ali poderia desbravar o desconhecido até que encontrasse outra terra firme ou vivesse à deriva na imensidão que o deixasse flutuar, já que o passo sobre o concreto era demasiadamente áspero e solo - independente da semântica - levá-lo-ia ao temor de encarar a primeira lembrança de uma palavra sozinha.

Até que a Palavra Sozinha, essa que parecia ter um nome e um sobrenome, uma raiz selada aos modos dos bons olhos sociais, admitida com bastante coerência, apareceu à beira-mar.
Era a Palavra Sozinha, mas todos estavam certos de que passava de apenas uma, sem invadir seu espaço apresentado, no mínimo, eram duas ali. Sozinha, a Palavra lhe tinha uma companhia.
Ele, o Vício, sem sobrenome, com o nome apoiado apenas no bem-estar momentâneo, degradava-se aos poucos, recebendo toda maresia de fazer da atmosfera estável, porém a ferrugem consumia em tempos de não saber mais onde ir.
Ouvia dizer que até a água, tão transparente e inofensiva, dos menores males, oxida a vida.
Todos dos arredores sabiam que estavam condenados ao retorno, um certo dia, do seu destino. O Pó, que volta sempre a ele mesmo. O Mar, que suporta e agride, quando ameaça com suas ondas desbravadoras, assim recua com toda a experiência (ou devastação) que se lançou. Todos os nomes cogitados jamais poderiam transformar sua função além daquilo para que foram denominados.
Voltando ao encontro do Vício com a Palavra Sozinha...
Toda intencionada de aprender um pouco mais e, talvez, contaminar-se por aquele vício prazeroso, ela, Palavra Sozinha, decidiu parar, sustentada pela incondicional função do Cais, e dizer ao Vício que fosse, atrás do que ele consideraria menos letal do que a vida que enferruja aos poucos na terra firme banhada por quem suporta e agride, aconselhando-o de que se é para estar em terra e sofrer as agressões da brisa - a tendência cruel e intuída de pacificidade marinha - melhor seria enfrentar as tendência mais declaradas de destruição do Mar, conviver com seus perigosos anseios e encontrar o outro lado de sua já conhecida função.
O Vício se foi para onde nem o Ar testemunhou o paradeiro.
Há umas semanas não se soube notícia alguma do seu intento, mas a Palavra Sozinha, descobrindo que não tinha mais a quem por instantes lhe deu prazer, perdeu o Vício, e nem tinha a si mesma, por todos instantes viciosos, que descuidados, obrigou-a a temer qualquer nome que quisesse acompanhá-la.
E continuou sendo uma palavra sozinha, ainda que tema.

Imagem capturada: Cais Mauá

7 de junho de 2011

Convexo

Tua ausência me incomoda.
Na presença dela, há boa notícia:
O convexo que enxergo,
O mais amplo que vivo,
Nada mais que proibo.
Plenamente noto cada ímpar situação
Sem teus apelos a esquecer o mundo.
Se aqui inserto meu confinamento de mim,
Melhor do que a ti dedicar meus endereços,
Pois este mundo de plenitude está adiante...
Nada mais teu é tanto meu
Quanto meu mundo convexo.

Imagem capturada: Earth 3D

2 de junho de 2011

Impresso

Por mais estranho que eu me sinta, estou vivendo cada dia de uma vez, descartando coadjuvâncias, tentando priorizar o protagonismo baseado na obra-prima na minha estante de histórias compiladas. Aí estou eu, dedicado a focar a expectativa confortável que me traga resultados benéficos, com um pouco de urgência, claro, por analgesia, neste momento. Depois pretendo enxergar verdadeiramente o culpado de tudo, quando não houver mais dor com partícipe. Estou assumindo minhas responsabilidades antes de jogar nas mãos do próximo relato de um dos livros que minha estante sustenta. Eu ando evitando releituras, porque o projeto, por ora, é um novo capítulo. Já incorporei minha vocação literária há mais tempo do que o temporário e inédito livrinho digitado a quatro mãos. Nunca vou deixar de escrever, ainda que, e no entanto, não haja destinatário específico, porém as palavras me acompanham no olhar sobre negociatas do destino que nós mesmo escrevemos.
Insisto na retenção do meu luto e próximo capítulo, porque a espera pelo inesperado repercute toda vez que abro os olhos, deitado na cama, e vejo que outro dia começa. Portanto, são etapas intensivas - há de ser assim - para viver a indagação, a ausência, a raiva, o egoísmo, assim outros sentimentos gradativos de uma evolução que, para mim, fará melhor leitor de horizontes e, consequentemente, escritor das minhas outras boas histórias, como são quase todas que refletem no capítulo final.
E para quem sempre espera ansiosamente pelo final de um livro carrega em si a consciência do término. Não obstante, para quem tem o hábito de leitura, haverá sempre outro título a escolher. O escritor lida, por enquanto, com o espelho entre suas páginas mal escritas e descobre que, de fato, há um rascunho aqui. Agora, edita, joga papéis no lixo e se prepara para a definitiva impressão.

Imagem: Chema Madoz

1 de junho de 2011

Moídos externos

Quanto mais se insiste no inferno, mais quente a febre domina. Estado febril é incurável para quem está condenado a viver sob os costumes da tábua do mal. Sem percepção, um pouco de sacrifício não é redentor. A condenação não é castigo: sofrimento decorre daquela semente plantada no quintal e regada com sonhos banais, a doses imperfeitas de contaminação líquida, esvai-se fácil entre os dedos, mas deixa molhar partes mais baixas, como as baixarias que chegam em tons irônicos; a colheita é o único substantivo correspondente à verdade que vem na safra.
Certo dia não permiti que se minimizasse uma culpa, pareceu meu julgamento mais coerente depois de meses de alucinações apaixonadas, dia e noite; aos olhos alheios um conto de fadas vivido por mil e uma tristezas inúteis. Ver é diferente, sentir é o mesmo, só sabe quem o sente.
Quem dá poder ao creme corre o risco de ver a cereja afundar na inconsistente e movediça superficialidade do bolo de consolo, do prêmio de consolação. Há quem julgue também com o nome de amizade ou relações prósperas compartilhadas de bem-querer fajuto, remissivo depois da festa viral.
Eu já havia dito: quem mergulha nas profundezas da insensatez, afoga-se no mar de dúvidas e inseguranças; qualquer som que se prolifere terá ruídos esquisitos e nunca terá a leveza do vácuo.
Importa que o ar se perceba correndo no corpo, levando vitalidade às partes mais valiosas do conjunto da criação. É neste ar que se mistura a poeira de tudo e, portanto, o que era e se esfarelou ocupa o mesmo espaço do que do pó vai existir. A diferença está em que universo você se enxerga e se mete: o paraíso é tão longe da mente, mas o inferno aproxima muitos doentes.

31 de maio de 2011

Pelo Engarrafamento*


Estou no engarrafamento, parado num trânsito maluco. Pessoas estão buzinando com pressa, estressadas porque têm seus compromissos e ficar presas lhes causa agonia. O que essas pessoas estão fazendo? Eu não entendo que elas culpam as outras por esta situação se isso foi causado por todos nós, porque somos condutores neste caminho.
Estou agonizando com elas, não é minha pressa, mas pelas coisas que vejo daqui - no cárcere automotivo -, observando situações confusas, impotente sem poder mudar muito, a não ser quando sair daqui.
O retorno na Saída 2 não dá mais... Onde está aquele viaduto para sair por cima? Quem me dera poder simplesmente abandonar a geringonça que me sustenta tão mal para eu dizer apenas que estou indo...
Os vidros estão fechados, para evitar o máximo esse desconforto sonoro, essa poluição de máquinas que, em sua combustão, lançam seus reagentes no ar que eu respiro. Enquanto isso, tento me distrair com o som alto do radio, o maior volume que consigo, para evitar meu grito agonizante e não prejudicar minhas pregas vocais, que logo serão necessárias para minha comunicação sobrevivente.
Meu corpo já transpira muito, o calor aqui dentro é insuportável - não posso abrir os vidros - o sistema de ventilação foi danificado pela última carona que se meteu e saiu impune. Quase sufocante.
E tudo que eu gostaria neste momento era poder voar, mas "não diga que fui eu que voei."
Vou sair de dentro desta estufa de solidão sob a pressão de buzinas por todos os lados, correr desse trânsito no qual atrevi meter-me. Quanto aos meus pés, falarei deles quando estiver sobre os próximos ovos os quais pisarei.


*Menção à música de Otto
Imagem: Capturada de Rio Real News Blogspot

30 de maio de 2011

Organizando

Eu olhei bem para o meu quarto e percebi a bagunça que ele estava. Na verdade, nunca fui tão organizado no meu canto mais íntimo, mas desta vez percebi que a desorganização estava escancarada na minha frente: trabalhos dos meus alunos, misturados aos DVDs, CDs, produtos de higiene pessoal, agendas, roupas...Se eu parasse para procurar alguma específica, demoraria muito para saber onde deixei. Em analogia à vida, ela mesma me mostra como tudo está: o pensamento, o compromisso com a profissão, com a carreira e, o pior de tudo, comigo mesmo.
Em meio a esta desorganização está meu desespero e a falta de força para deixar tudo em ordem, aí parece um efeito de avalanche, que vai levando tudo que está à frente.
Chegou a hora de deter tanta destruição. Começar pelo mais fácil, mas não esquecer o que precisa transformar. Vendo coisas simples no seu lugar, não preciso mais me preocupar com elas: detalhes unidos formam o conjunto da importância.
Tudo no seu devido lugar, aprendi que nunca estará, mas uma coisa de cada vez surte efeito de força e, se a tempestade passar por aqui, a união fortalece e unidade resiste com mais poder.
Se eu consegui organizar palavras e formar frases, consequentemente parágrafos e, o melhor resultado, um texto, por mais simples que seja, o processo de sofisticação é outra etapa, pois os resultados visíveis já são bom sinal de que o senso de organização está presente. A vontade de pôr em ordem este lugar, o meu lugar - também em mim mesmo - é a vitalidade suficiente para estar bem onde estou.

Imagem: capturada de "Simples assim? Nem tanto!"

27 de maio de 2011

Muito menos eu

Olhar vazio que me cerca
Tempo que nunca foi meu,
Dado assim,
Perdido como dois outros.
Um canto de boca,
Um sorriso forçado,
Dois segundos para não permitir.
Apagar sem concluir.
Eu sempre estive ali;
Hoje vi que não estava mais...
Arrancar e lançar no espaço
Não é tão fácil.
Se consegues me fazer existir
Muito menos eu...
Valente que não alcanças,
Muito menos eu.

16 de maio de 2011

Entrelinhas


Admitir uma falha para mim sempre foi um processo além de culpar-me e reconhecer o equívoco. Publicamente, isso, há algum tempo, viria a ser motivo de vergonha e espera por pedras e sangue (o medo da pena).
Não sou impune e os tropeços sempre foram seguidos de condenação. Meus extremos latejam fortemente entre isentar-me da minha cruz ou incorporar todas as outras dores às minhas e carregar o peso de intenções desnorteadas. Poderia ser mais simples, eu sei. Aceitar minha pena e pagá-la como manda a legislação.
Tenho sido atacado por entrelinhas e muito pior quando o intermeado se preenche de pré-requisitos de astúcia e objeções, que necessitam do meu consensual voto de achar (leia-se apenas dizer) que está tudo bem, que está muito bem - salvo exceções desinteressantes.
Comigo tem funcionado a deglutição de caroços em intervalos de presença física. Desses caroços temperados à mexicana, com um bom nível do meu drama homônimo à nacionalidade, de dor, aspectos marcantes de sabotagem e o meu olhar mais precioso de bem-querer-se-queremos.
Soldados estão em prontidão nas ruas, munidos de foco no meliante, precisando de apenas uma desculpa qualquer para agirem conforme a lei da punição. Ando me policiando à maneira fiel aos meus princípios e sinto que minha infração não virá tão cedo, desde que eu aposte neste momento sublime, em que eu acorde de manhã, viva o dia e durma com a consciência tranquila. Desculpe-me, autoridade, mas sou inocente até que se prove o contrário.
Não há linha exata para andar, mas ando na minha e, nela, escrevo para congregar-me em pacificidade e dedicação aos bons costumes que, menos mal, estão adequados à superficialidade da linha que teimamos em taxar apenas por certo ou errado.
Entretanto, o incômodo persiste nessas entrelinhas que me atacam previsivelmente sob o argumento da trivialidade em coisas que, contraditoriamente, se viessem de mim seria o bom motivo de desacato - os homens da lei estão de olho. E meu álibi permaneceria tão inútil quanto me sinto agora.

Imagem capturada: Hoja, de Chema Madoz

13 de maio de 2011

Menos pelos na cara.


Havia uma distância...
Eu me aproximei com minhas metáforas e você não entendeu.
Eu disse que da próxima vez seria mais bonito. Não foi.
Fiquei esperando entre as mesas e pessoas a beleza que sumiu.
Ela esvaía, poeira nojenta, e me fazia tossir continuamente.
Então, cuspi canhões.
Eram tiros, era trincheira, era besteira nossa de cada dia.
Na verdade, não havia distância alguma que significasse abismo,
Mas por que eu me vi jogado no buraco da sua rebeldia,
Quando você passeava entre os corredores da lascívia?

Não há mais distância alguma.
Estamos no mesmo raio que nos parta de metros cúbicos de sangue.
É meu sangue que escorre à lâmina do aparelho de barbear.
A minha pele ficou macia à espera do seu toque.
Cadê suas mãos?
Meu rosto talhado de mágoa e os cortes da lâmina,
Imperfeito espera seu motivo de me dizer,
Em adoração qualquer - mas sua -, da falta que lhe fiz.
Entretanto não há olhos de eternidade.
Há desconfiança mútua, à parte do todo, pedaços de carinho
Jogados ao vento e à procura da saída, um dia, um dia...
Eu entrei de cabeça e não vou sair lhe dando as costas.

Contei uma semana, quinze aulas, tantas horas,
Nenhuma vontade de mim mesmo que pudesse revogar nosso prazo,
Sua revolta seguida de palavras duras,
Meus adjuntos adverbiais de lugares que você não presencia,
Mas você não acredita.

Eu poderia acreditar por nós,
Mas não vale,
Não vale enquanto você não acredite,
Apenas,
Que eu faço isso.

Preciso tossir quantas vezes para me sentir sadio?
Preciso estar acamado e cobrar seus cuidados?
Eu adoeço se for necessário.
E vendo que o doentio faz parte de muita coisa
Que nos disseram um dia serem sintomas de nós,
À sensibilidade de gostar,
Eu ainda gosto de cada lâmina que corta,
Retalha, dissipa e talha,
Pela sua intenção de afetar:
Por deixar meu rosto mais bonito é que eu me calo.

Imagem: capturada de Zefirelli Brasil

12 de maio de 2011

O Pequeno

É possível ver o contrário ao fato
Que diria pouco do feto,
Pequeno, miúdo, crescido
E continua pequeno
E grandemente querido.

Há uma luz em sua direção,
Ela indica o caminho do sonho.
Pode ela dizer algo real,
Sem fazer notar que aparência engana?
Pequeno tamanho do lado de fora
Uma grua imensa a capturar sua imagem tremenda.

Um homem de afeto
Cresceu mais um ano do quieto
Silêncio da palavra e de pouca fala;
E quando diz de si mesmo revela imensidões
Sobrepujando o que por ora cala.

O nome da inocência, diria,
Às vezes, parece um lado oculto, de fato?
Nada como guardar
Em si mesmo o enredo de tudo.
Dê-lhes o roteiro da vivacidade dos seus olhos
Que dizem tanto sobre seu cinema mudo.

Sorriso prazerosamente lido
E perde quem não registra o fato.
A ficção engana tal qual sua estrutura
Grande, por assim dizer, contradita estatura:
A mais bela cena no próximo ato.

Poema dedicado a Alexandre Brandão Guedes, em celebração ao seu aniversário.

8 de maio de 2011

Meus corações dedicados

Depois de ter sido bombardeado por quase um mês na caixa de e-mail com newsletters de empresas desejando convencer que o meu amor por minha mãe merece ser pluralizado com sifrão, finalmente chega o dia em que o comércio determina que é dia dela. Não comprei nada, infelizmente. Não foi hesitação à ditadura mercadológica nem falta de nada. Apenas um plural inaceitável para mim, impossibilitado por incongruência de sentido. Ela - minha mãe - é hoje a pessoa mais valiosa do mundo para mim. O melhor presente se eu pudesse NOS dar seria estar ao lado dela neste dia, uma outra impossibilidade.
Meus dotes artísticos nas plásticas não são nada competentes, mas neste momento estou de frente à tela que eu fiz com uma temática voltada para ela, em que os movimentos das minhas mãos pareciam ser motivados pelo amor que lhe tenho. Na verdade, o amor maior e único incondicional deste mundo, sem necessidade de retribuição no segundo domingo de maio.

"Mamãe, mamãe, não chore.
Eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz.
Mamãe, seja feliz.
Mamãe, mamãe, não chore.
Não chore nunca mais, não adianta...
Eu tenho um beijo preso na garganta.
Eu tenho um jeito de quem não se espanta.
(Braço de ouro vale 10 milhões)
Eu tenho corações fora peito.
Mamãe, não chore,
Não tem jeito."

5 de maio de 2011

Nada


"Ei nós, que viemos

De outras terras, de outro mar
Temos pólvora, chumbo e bala.
Nós queremos é guerrear"

Eram alguns quilômetros de distância, um eufemismo para milhares...
Eu andava meio perdido em passos apressados para não se sabe onde, mas eu tinha pressa.
Tropeçava nos degraus insinuantes das instituições que atestariam meus novos aspectos de consciência limpa.

Existiam alguns homens maus, convidando aos seus festejos prepotentes - eles tinham emprego, bebidas e cigarros - homens funcionais.
Eu frequentei a folia dos seus índices de desenvolvimento abastardo, consagrando o vigor de números e a quantidade absoluta de repertório para prolongar-se ímpetos de 'fodam-se, mãe gentil'!
Eu andava ainda sem perceber o consolo que não celebra um passo de vitória.
Existiam ainda aquelas mulheres por trás das cabanas enfeitadas de tecnologia, dando-lhe o ar de democracia e prospecção modernas.
Na verdade, era tudo bem igual.
Eu andava, andava e só via a mudança de vegetação, e a temperatura esfriava. Fora isso, tudo igual. Bem igual.
Rico, soberbo mundo dos nativos de cada feudo repaginado...

Foi aí que apareceu o susto. Sabe aquele que mete medo e o pelo arrepia, o coração pulsa fora do normal e a pele esfria?
Tomei meu susto, como se fosse remediável à situação da angústia. Não era.
Fosse maior o tempo, corresponder-me-ia com frequência aos meus que estão cada vez mais ansiosos pelo desbravamento a que me comprometi.
Fiquei na dúvida da satisfação ou silêncio ante às provas.

Correspondi-me pouco menos que o habitual (mas não tão necessário).

Agora, eu tenho um par de mês, um par de meias para enfrentar o inverno que vai chegar.

Há também, dedicado a mim, ao meu ver, discurso fajuto (a que chamam de mistério) de necessidade enrolada, nas expectativas indivisíveis, embora eu queira divisão de bens e úteis momentos.

Olhei o passado há poucos dias transcorridos, lembrei-me de um sorriso e um sufoco bom - tão bom fôlego perdido e brevemente restabelecido sob o olhar que alucina todos os meus suspiros de esperar para ver!
E neste exato momento, que não me culpem pela sensação de saudade do mar, da esperança saltitante dos meus poros, da libido que na rua não sai mais e espera em casa o melhor tempo alheio.
Eu deixei de decidir não por fraqueza, desistência? Nunca.
Franqueza demais há calada nos meus versos que sistemas binários não identificam. Um leitor automático não digere a ética, a estética nem acumula êxitos culturais. Eu tenho todos guardados no repertório do meu rascunho mais bonito.

Ferrenho medo e instabilidade que insulta minha volta, a cada susto, repentina; voltar para o leste, onde sei que o mar é limite contra-corrente que deseje afogar-me em lágrimas.

Imagem capturada: The Seducer, de René Magritte

3 de maio de 2011

Par

Quando iniciei este blog tinha tantos motivos para desabafar. O intuito foi esse mesmo, despejar uma decepção à época em linhas onde eu pudesse sentir que estava pondo para fora tudo o que eu não queria dentro de mim. Fiz isso por alguns meses, à minha maneira, e conquistei alguns apreciadores de uma literatura tão pessoal, porém cheia de identificações. O tempo passou e os rumos foram tomando novo sentido. Houve outras direções física e emocionalmente desejadas, conquistadas e, finalmente, comemoradas. Aí sempre me perguntava se essa minha exposição contínua poderia me causar danos. Houve tantas respostas, mas encontrar pessoas com quem solidarizei os dramas e perspectivas foi o gosto mais indiscreto e explícito do meu prazer em não me sentir só.
Ao fazer um ano de aniversário, dei novas roupas a quem chamei de Imperador. Tirei o sombrio que ornamentava o leiaute da página, reduzi ao extremo o preto e me permiti ver azuis espirituosos, alcançando até os tons lilás e roxo, esses que ainda permito estar.
No segundo aniversário deste blog não lhe darei novas roupas porque não sinto que elas estejam velhas. Velho estou eu, mas o meu lado adolescente eufórico combina bem com os tons que resolvi dar em busca de uma espiritualidade baseada na interação entre bits de interlocução.
Após dois anos, alguma coisa além também mudou. Esses novos ares parecem festejar comigo, apesar das coisas que ficaram largadas e perdidas em outra semântica, querendo ainda um pouco mais de satisfações. Embora o sentimento de melancolia impulsione minhas mais treslocadas inspirações, é com alegria que eu celebro minha amadora e sincera forma de me doar ao mundo. O que vier, seja o que for, em outra contagem, que seja processado à luz do conhecimento simbólico, à percepção sui generis e que se traduza em resumo de histórias que muitos ainda gostam de ler.
Obrigado!

Imagem capurada: The Art of Catalin Bridinel

2 de maio de 2011

Pecado substituto


Achei que eu era cristão até demais, mas vi que até o candomblé elucida o sofrimento no que diz respeito às mitologias que incorpora.
Parece repetir-se o Canto de Ossanha em um repeat desacelerado - para magoar em doses sádicas - combinado com uma Salvifici Dolores, orientando o pobre masoquista a aceitar sua cruz.

Obrigado por sua colaboração!

Inevitável sucumbir a presença do senhor que se sobrepõe ao que obedece. Muitas vezes isso se segue com a educação democrática e se veste de colaboração para adaptar-se às líricas da atualidade.

Obrigado por sua ignorância!

Entre o sim e o não, o silêncio põe a dúvida que revela desprendimento. Assim, ignorar o 'opositor' faz de qualquer um detentor dos poderes de cárcere que nem quer ver quem ali dentro esteja.

Obrigado por seu escarro!

Nada mais realista que a permanência até que se obtenha o volume exato de cuspir toda vingança de grosso modo.

Obrigado pelo seu passado!

Já é a obediência e a tomada de culpa até onde não se estava presente - mas agradece.

Obrigado pela minha morte!

Há quem lhe lega uma vala emocional e convida impiedosamente a fazer abrigo eterno na dureza que lhe convier.

Obrigado pela saudade!

Quando Deus lhe entrega a rotina, traça seu destino e combina a dor nisso. Então, o indivíduo febril entende a ausência provocada e calada no surto de enfermidade. Ninguém ouvirá seu pranto, ao menos que você reconheça que não consegue mais... E cobre a presença quando não há ouvinte.

Imagem capturada: Rosa, de Chema Madoz

Poesia

Como alguns já leram, até mesmo por aqui no blog, a poesia está em minha vida em todas as ocasiões. Tentar encontrar o poético parece mesmo uma tarefa difícil, mas ajuda a enxergar de maneira mais intensa todas as coisas. Na última noite, neste domingo, assisti ao filme sul-coreano Poesia. O roteiro, premiado em Cannes, realmente se assemelha ao cotidiano de tantos, cheio de dificuldades e porções generosas de bem-estar. Como se vivesse o dual, normalmente, os sabores que enchem nosso paladar vital transitam de quase um transe eufórico (pode até ser em algo singelo) ao dissabor que ocasiona aquele gosto amargo, o qual tive há pouco antes de vir aqui à cama tentar dormir, sem sucesso.
Pequenas atitudes podem causar danos irreversíveis também, ou profundidade agonizante, como a falta de um abraço querido para ter uma boa noite e encarar a rotina (nada mais pessoal, né?). Mija, protagonista do filme de Lee Chang Dong, tenta encontrar em sua rotina a beleza, ocupar-se num mundo onde ocupações são necessárias.
Ao se matricular em um curso de poesia, Mija, então, procura no cotidiano a sua poesia. No entanto, a vida dessa senhora de aproximadamente 65 anos tem o poético incutido em cada detalhe, ainda que ela não domine a inspiração para escrever sua poesia. Assim, os dias mostram que o poético não é necessariamente o belo, como ensina seu professor do curso. E no fim da história, Mija consegue escrever seu poema.
Além dos olhos, que é um dom vital, temos o olhar que modifica todo sentido de cada coisa, dada ou conquistada. Olhar macula, purifica ou encaminha a direções quaisquer, baseadas no intuito de descobrir, sentir, amar, detestar, etc.
Escrever poesia é como um ensaio constante a caminhar diferente, testando os sentidos e degustando de tantos outros sentimentos, arcando com todos os limites da digestão de metáforas.

Imagem capturada: Cinemaniac

26 de abril de 2011

Homenagem ao Leão



Do latim que me devora,
Não é flora, tão calma.
Me chama de rei,
Mas impera a floresta
Sobre todas as coisas;
Diz-se da fauna.
Alma que não se importe
com o que resta.

Imagem capturada da internet

20 de abril de 2011

Mosaico

Se eu tivesse que fazer um mosaico, que ele me fosse encomendado no meu próximo aniversário, para celebrar a data de rombo, eu faria com lágrimas e com risos cada pedaço. Assim, colocaria entrada do meu próximo ano, para os pombos cagarem em cima.
Iria um pedaço de um filho da puta chamado destino que, desde muito tempo atrás, não acredito: um pedaço lavado, limpo, por lágrimas turvas da minha irritação com seu desdém. Ô sabotagem danada que me têm feito suas artimanhas!
Aí, entraria um pedaçozão da família, seria a parte mais visível do conjunto. Ele estamparia, com lágrimas e risos, os melhores momentos até agora conseguidos.
Pedacinhos de trabalho, estudo, balada, viagem a serviço da vadiagem, vadiagem qualquer - uma pastilha um pouco solta -, a mão que não vejo por mais de alguns meses, os olhos que param de brilhar no instante que chamam de ápice e o verniz comprado na cotação de sonhos: algo pouco realizado e há tanto sonho para Chicos cantarem...
Tem o atlas para dor física e casual, dos lugares que passei e um rejunte de terra nada-firme que separa as fronteiras da minha limitação em não querer estar onde facas chovem e molham o terreno sem o húmus da vitória. Então, deixo estar só para constar, pequeninos, os espaços da minha saudade pouca ou da minha instância boa que sempre foi curta.
O mais escarlate impuro que jorra a vitalidade, a qual me impulsiona desde adolescente, o imaturo amor da minha soberania mútua, teria espaço imenso, ainda que pouco caso tenha me dado nos painéis da galeria. Eu não quero algo para enfeitar vãos onde passam desatentos homens ou adornar as fotografias das mulheres que reprimem, ao passo que me legam à coadjuvância. No entanto haveria sangue a delinear o pedaço-primo.
E pensar que toda a História da Arte não cogita minha auto-ironia, assim desdenho dela; minha obra-prima na entrada, onde, se os pombos deixassem, humanos saberiam que a vida é uma bela bosta.

Imagem capturada: Estandarte de Ur (considerado o mosaico mais antigo - 3500 A.C)

11 de abril de 2011

O novo ameaçado

Havia um sonho dourado, que brilhava sob o sol acentuado nas campinas. Uma cor que eu havia tempo não via, algo que quando acontece, parece que retorno sempre a um estado de euforia não habitual. Posso dizer que, ao surgirem essas novas direções em que a natureza dá sua contribuição essencial para ressurgentes metáforas, sinto que vivo os dias mais felizes da minha vida.
A natureza, ainda assim, tem seu percurso natural, quase duelar. Há dias em que a chuva vem, e o dia fica cinza. O pior é quando eles se repetem e contabilizo alguns outros dias. No entanto, gosto dos dias de chuva, feios, cinzas, mas também têm sua beleza. Acho que, chegando a minha terceira década de vida, aprendi a olhar as coisas naturais como meras coisas naturais, não há tanta divagação nesses casos. Sábado, chorei o infelicíssimo sabor de evidências. Mas eu chorei muito, como não havia chorado há muito tempo por tais questões. Como anéis perdidos, um rei sofrido, lamentando o acaso que tanta gente acredita que é mando do destino, esse filha da puta que, se existisse, seria responsável pelo meu primeiro crime hediondo: sua morte. Mata-lo-ia pelo despreparo e incoerência com que trata a vida alheia, legando infortúnio o tempo todo a quem apenas procura viver o bem e a utilidade. Menos mal que, pra mim, ele deixou de existir - se houve - antes da década de 1980.
Restam-me apenas as coincidências e o resultado de fatores trabalhados por determinado tempo, cumprindo seu prazo e apresentando os dados, ao passo que me doo a um 'deu tá dado', meio retardado, porque já estou acostumado a esperar por longo prazo da colheita de colaborações lentas minhas e correspondências outras. Bem, já se sabe que falo do afeto, não fujo de um teto utilíssimo para cobrir meus sonhos desses dias de chuva que insistem em molhar os meus papéis rabiscados e meus poemas de ex-visionários.
Chegaram os dias de chuva com toda força; houve relâmpagos - e seus clarões falsificados -, houve o barulho do céu rasgando e o vento que soprava todo material poético, espalhando o que eu estava começando a organizar desta bagunça que me tornei semanalmente, por dois anos inteiros, até o último dia de março, no qual esfaqueei qualquer projeto de destino que ousasse ameaçar o terreno que preparei com tanto carinho. Então me vi um criminoso, assassino de resquícios de possibilidades... Porque torcida contra já basta de tanta inveja a me chamar nas janelas, nas ligações perigosas, sempre tentando indagar se tudo que eu sou é real mesmo, como quem quer pôr em dúvida as poucas certezas que eu tenho na vida: esta apenas de ser quem sou, que é rara.
Se eu descobrir, ao acordar, que estou amando, mandem-me ao hospício: é loucura minha, certamente. Amarrem-me na camisa de força, deem-me os comprimidos necessários que tragam a lucidez, pois o amor é loucura, estou certo disso, é loucura daquelas que oprimem qualquer cidadão civilizado.
Se eu descobrir, ao acordar, que estou amando, liguem para minha mãe - a pessoa que mais me ama -, porque sei que ela já amou na vida, que ama e que amará sempre, portanto entenderá que seu filho tem, nas veias, a carga insana e virótica deste cúmplice no organismo, partícipe da chacina da razão. Minha mãe irá entender e, caso não entenda, saberá o que é melhor pra mim, até quando ela diz que a partir das minhas escolhas, os resultados são igualmente por ela sentidos.
Se eu descobrir, ao acordar, que estou amando, chamem meu amor, mas chame pelo nome, gritem, se for necessário. Não precisarei ser compreendido, aplaudido ou atestado de saúde mental... quero apenas minha mãe por perto, os sóbrios com seus mecanismos de controle a ditar umas regras e o amor que não fuja quando atestar que estou amando, debaixo de sol ou de chuva.
O amor ameaça o tempo inteiro e nem sempre estamos ligados à previsão do tempo. Chega sem avisar, inunda ou faz dias de altas temperaturas. Inevitável: é calamidade, devasta, é uma catástrofe para enlouquecer qualquer habitante, desabrigar e fazer tudo sair do curso normal, inclusive eu.